Falta de professores e contratações temporárias prejudicam o ensino
Por Jade Rezende
No primeiro dia do ano letivo de 2019, os calouros do curso de Jornalismo entenderam a situação preocupante da USP: chegaram na Escola de Comunicações e Artes (ECA) para a aula de Leitura e Produção Textual e, surpresos, não encontraram um professor para a disciplina.
A turma, então, enviou e-mail ao coordenador Jean Pierre Chauvin. Ele explicou que, de fato, não existia um docente para ministrar a disciplina e que outros professores do Departamento de Jornalismo e Editoração seriam acionados para se revezarem nas aulas.
Por algumas semanas, a turma teve então aulas com diferentes docentes. “O programa estava muito confuso, as aulas eram todas desconectadas. Parecia que não tinha uma continuidade no que nós estávamos aprendendo”, conta Ana Luiza Vaz, aluna do primeiro ano. Depois, Tatiana Oliveira, doutoranda no Prolam (Programa de Pós-Graduação Integração da América Latina), assumiu a disciplina.
Em resposta à turma no começo do ano, Jean Pierre também havia dito que estava prevista a contratação de professor temporário para ministrar a disciplina de Leitura e Produção Textual, mas que isso não aconteceu. “Estejam certos que estamos tão preocupados com a situação quanto vocês”, escreveu aos calouros.
Professores temporários
A situação do curso de Jornalismo ilustra bem o que Simone Carvalho, professora temporária do curso de Relações Públicas da ECA, apresentou como motivação para dar aulas como substituta na Universidade. “Eu sei que a USP está passando por um processo muito difícil de contratação de professores, raramente abrem concursos. Logo, se não tem professor temporário, o aluno fica sem aula”, justificou.
Além de ajudar com o que ela chama de “contribuição social”, Simone também vê o cargo de professora temporária como oportunidade para ganhar mais experiência no meio acadêmico. De toda forma, ela reconhece que essa não é a situação ideal — principalmente pela remuneração.
O salário dos professores substitutos com título de mestre na USP é de R$1.342,26 para 12 horas de trabalho semanais, o que, na maioria das vezes, exige que o docente tenha outro trabalho de complementação de renda. Além disso, o professor temporário não pode lecionar mais que dois anos na Universidade, o que acaba gerando uma rotatividade prejudicial ao ensino.
Sem continuidade
Mariana Soares foi professora temporária do curso de Gestão Ambiental da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da USP e notou como a troca de professores afeta a universidade. “Nossa carga horária é dividida com outras instituições, e muitas vezes pode haver defasagem nas aulas, que não vão ser tão produtivas quanto as de um professor efetivo. Muitas vezes não temos a possibilidade de nos dedicar tanto aos alunos”, conta.
Mariana também acha que a atuação de professores temporários prejudica o corpo docente e o conteúdo porque o conhecimento é aprimorado ao longo dos anos e das aulas ministradas.
Quando um professor deixa o cargo e outro o substitui, existe a quebra de um ciclo que poderia ser aprimorado. “Apesar dos custos menores do estado com o professor temporário, nós verificamos que, na esfera pública, isso acaba sendo desvantajoso”.
Grandes universidades vivem de “tapa buracos”
A USP tem, hoje, segundo dados da Universidade, 220 professores temporários contratados. Na ECA, 8,8% dos docentes são temporários. Outros institutos tem taxas menores, como a Escola Politécnica, com 1,2%. Para a ex-professora temporária Mariana Soares, a instituição optar pela contratação de professores substitutos é uma decisão infeliz, apesar da contribuição que eles podem dar a cursos que carecem de professores.
“Eu não penso que, no contexto da decadência da universidade pública e da contratação de professores, eu vou ser uma peça chave. Pelo contrário: do jeito que está o mercado, há uma probabilidade de ser cada vez mais concorrido. Por isso, está todo mundo procurando uma brecha em qualquer lugar”.
A tentativa de socorrer emergências ou mesmo de reduzir gastos com a contratação de professores temporários não é exclusiva da USP. A situação na Unesp (Universidade Estadual Paulista), é ainda pior. Em edital publicado em março deste ano, a Faculdade de Medicina abriu concurso para professor substituto “por prazo determinado, em caráter emergencial”, com remuneração de R$ 880,94 para 12 horas na semana, valor menor do que o salário mínimo.
Em outros estados brasileiros, algumas universidades públicas tem cenários levemente melhores, mas ainda longe do ideal. Na UEL (Universidade Estadual de Londrina), o salário para professores substitutos com título de mestre é de R$ 2.706,28 para 20 horas de trabalho semanais. Na UFC (Universidade Federal do Ceará), a remuneração é de R$ 3.449,83, também para 20 horas.