Comissão avança com processos administrativos, mas Universidade demonstra resistência às bancas de averiguação
Por José Carlos Ferreira
Com o aumento de reserva de vagas para candidatos autodeclarados pretos, pardos ou indígenas (PPI), previsto na resolução nº 7.373/2017, crescem também as denúncias de fraude na política de cotas étnico-raciais. As Defensorias Públicas do Estado de São Paulo e da União recomendaram à Universidade de São Paulo (USP), em outubro de 2019, a criação de mecanismos de combate às fraudes. Entre as três universidades estaduais de São Paulo, a USP é a única que não possui banca de averiguação.
O professor Ivan Cláudio Siqueira, conselheiro no Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial, lembra que a política de cotas foi “criada para resolver um problema histórico que resultou na quase invisibilidade de negros (pardos e pretos) em muitas instituições brasileiras”. Para Siqueira, a USP deveria refletir se os processos vigentes cumprem os propósitos das cotas e dificultam os casos de fraude.
Em entrevista para o jornal O Estado de S. Paulo, a defensora pública Isadora Brandão da Silva conta que a política de cotas não se encerra com a reserva de vagas, cabendo à Universidade verificar se as cotas estão beneficiando quem de fato deve ser beneficiado. “É bom para a USP ter uma postura que revele a justeza das suas ações, e não somente o cumprimento de regras”, expõe o professor Siqueira, que acrescenta: “O mais importante é ter e demonstrar compromisso com a inclusão de estudantes negros na Universidade”.
AS DENÚNCIAS No ano passado, entidades como a Educafro, o Comitê Antifraude às Cotas Raciais da Faculdade de Direito e o Núcleo Ayé da Faculdade de Medicina denunciaram inúmeros casos de fraude nas autodeclarações de PPI. No dia 4 de fevereiro, os resultados das sindicâncias que apuraram essas denúncias foram analisados pela Comissão de Acompanhamento da Política de Inclusão da USP. No encontro foi aprovada a instauração de “processos administrativos nos casos em que não foi possível constatar a conformidade das características fenotípicas do aluno com a autodeclaração de PPI”, informou a USP em canal oficial.
No momento, a Comissão acompanha três processos, dos quais um se encaminha para a fase de anulação de matrícula, revela Ana Luísa Calvo Tibério, representante discente de graduação na Comissão. Tibério esclarece que os processos podem ter mais de um denunciado. Somando as ações, há cerca de 60 alunos sendo processados. “Alguns cancelaram a matrícula, mas para a Universidade não importa, continuarão sendo processados”, conta.
Apesar de avançar em alguns processos administrativos, e ter deixado de solicitar boletim de ocorrência nas denúncias, a USP ainda não apresentou quaisquer ações para coibir as fraudes. “A Comissão tem debatido bastante sobre o tema, trazendo experiências de outras universidades, mas sinto uma resistência muito forte da USP a esse modelo [de heteroidentificação]”, conta a estudante, que segue: “Nos primeiros encontros, a Pró-Reitoria alegava que a heteroidentificação não estava prevista no edital”.
“A adoção das bancas decorre de um processo pelo qual se verificou não haver outro modelo mais eficaz”, esclarece Siqueira. Regulado pela Portaria Normativa nº 4/2018, do então Ministério do Planejamento, o procedimento de heteroidentificação é complementar a autodeclaração, mas leva em consideração as características fenotípicas do candidato — como cor de pele, textura do cabelo e formato do nariz.
LÁ FORA A Universidade Estadual Paulista (Unesp) foi a primeira das universidades estaduais de São Paulo a implementar a política de cotas — isso em 2014. No ano de 2018, a instituição passou a averiguar as autodeclarações por meio de comissões. O professor Juarez Xavier, presidente da Comissão Central de Averiguação da Unesp, explica que o processo de implementação das comissões tem início em 2016, após a Unesp receber inúmeras denúncias de fraude nas cotas.
“Ao longo desse processo, foram desligados mais de 100 alunos”, conta Xavier, e continua: “Estamos efetivando a política pública, e acredito que dando uma grande contribuição para o enfrentamento das desigualdades sociais de carácter estrutural e abissal que vivemos em nosso país”.
Com o objetivo de prevenir fraudes, a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) também criou uma comissão para atuar no processo de heteroidentificação, em dezembro de 2019. Segundo a instituição, além de atender à determinação interna da universidade, a Comissão também responde às orientações do Supremo Tribunal Federal em relação ao tema.
O JC entrou em contato com a Pró-Reitoria de Graduação da USP sete vezes ao longo da última semana, no entanto não houve retorno até o momento de conclusão desta edição.
O QUE É A RESOLUÇÃO Nº 7.373/2017?