Por Yasmin Caetano
Dezenas de laboratórios públicos e privados ao redor do globo estão em busca da vacina para o novo coronavírus, o Sars-CoV-2. O processo não é fácil, e muito menos rápido. Cientistas se desdobram para conseguir um produto aprovado e produzido em escala mundial para 2021, no que pode – e deve – ser o desenvolvimento mais rápido da história.
Na Fundação Oswaldo Cruz, a Bio-Manguinhos/Fiocruz é o braço responsável pela produção dos imunobiológicos, como vacinas e reagentes para diagnósticos. Ao JC, o assessor científico sênior da Bio-Manguinhos, Akira Homma, descreve os desafios de encontrar a imunização para a Covid-19 e a aceleração das pesquisas.
Com uma experiência de vida na epidemiologia, Homma é professor emérito da Fiocruz e referência internacional na área.
Por que precisamos de vacinas tão rápido e como consegui-las?
Nós precisamos ter uma vacina que dê a formação de anticorpos pela população. A forma de fazer isso é com uma vacina eficaz e segura, sem reações adversas.
Em tempo nenhum na história das vacinas se viu tantas instituições públicas e privadas colocando recursos financeiros para desenvolver uma [única] vacina tão rápido.
Esse esforço mundial utiliza instrumentos novos, o fast track, desenvolvimento acelerado. Com esses investimentos, estão comprimindo e sobrepondo as fases da vacina, com desenvolvimento paralelo. Um processo normal que leva 10, 15 anos, está sendo feito em seis, sete meses.
Que avanços científicos permitem acelerar o desenvolvimento da vacina, mantendo o equilíbrio entre segurança e rapidez?
Estão sendo utilizadas tecnologias inovadoras de ácidos nucleicos para selecionar o antígeno, as proteínas e o segmento genético do vírus, importantes para induzir o organismo a desenvolver anticorpos.
E há todo esse conhecimento anterior sendo aplicado do desenvolvimento da vacina de outros coronavírus, Sars e Mers, ganhou-se muito tempo nas etapas iniciais. Não encontraram uma vacina aplicada em seres humanos [dessas síndromes], mas já haviam dados, conhecimento aplicado para desenvolver a vacina da Sars-CoV-2.
Hoje estão comprimindo as fases 1 e 2 para ganhar tempo. E com a emergência, pode ser que uma vacina com 70% de eficácia venha a ser utilizada, já cobriria maioria da população vacinada. Normalmente é preciso de mais de 95%
Como o coronavírus tem desafiado cientistas na busca da vacina?
O que é preciso avançar mais é o melhor conhecimento da interação do vírus e o corpo humano. O coronavírus é diferente de vírus tradicionais, o que se vê é o [grande] número de assintomáticos. Não sabemos o que acontecerá com eles, pois produzem anticorpos em baixo nível e não sabemos por quanto tempo eles protegerão o indivíduo. Mesmo em quem teve doença, parece que os anticorpos caem bastante e rápido.
Não sabemos quanto tempo irá durar [a imunização]. Precisamos de uma vacina com eficácia imediata e proteção mais longa possível – que pode ser de 1, 2, 3 ou 5 anos.
Podemos esperar uma vacina para 2021? Há muitas promessas no momento. Esses prazos são realistas?
Há a possibilidade de ter resultados de eficácia [nesse prazo], se o estudo for feito em regiões com vírus circulando em grande quantidade. Resultados de segurança levam mais tempo para se observar. Se o vírus continuar infectando em taxas muito altas de letalidade e mortalidade, não tenho dúvidas que com resultado de eficácia, mas com dados incompletos de segurança, haverá uma análise de custo-benefício.
Inclusive, nós temos a obrigação de desenvolver a Fase 4, que ninguém fala sobre, a farmacovigilância. Emergência é emergência, mas há essa questão de segurança.
A Fase 4 seria feita em paralelo também?
Sim. É observado de forma permanente em busca de efeitos adversos raros, detectados quando fazemos imunização em milhares de pessoas.
Por que o Brasil foi escolhido para testes de vacinas internacionais em estágio avançado?
É preciso ter uma população onde o vírus esteja circulando e com alta incidência. Aqui no Brasil, a epidemia continua ainda. Os estudos serão sinalizados em várias regiões do país para aproveitar a epidemia e ter esse estudo de eficácia rapidamente.
Como liderar campanhas de vacinação, no sistema público de saúde, em um país que pede 220 milhões de doses?
De forma imediata, não teremos esse número de doses. O Programa Nacional de Imunizações do Ministério da Saúde estabelecerá prioridades. Logicamente, será a população de risco a primeira a receber a vacina, e profissionais de saúde que têm maior contato com doentes. E certamente, regiões onde a pandemia está forte, é um outro critério a ser adotado. É isso, haverá vacina para todos mas levará tempo, e escalonado.
Não tenho participado dos processos de negociação do Ministério da Saúde e a direção da Fiocruz, mas as observações gerais são que em um primeiro momento teremos 30 milhões de doses e, se tudo der certo, [mais] 70 milhões. Até o primeiro semestre do ano que vem, teremos aproximadamente 100 milhões de doses seguradas.
Pode falar mais da compra de 30 milhões de doses da vacina de Oxford (ChAdOx1) até janeiro de 2021 pela FioCruz? (A fundação comprou milhões de insumos farmacêuticos ativos – IFAS -, a principal parte da matéria-prima para produzir as vacinas.)
Vamos receber as IFAS, os concentrados virais, para o envase e controle final da vacina, enquanto recebemos toda a tecnologia para a produção e purificação no Brasil. Estaremos com o laboratório pronto para preparar nossa produção com a tecnologia deles. O processo produtivo é complexo. Pouquíssimos laboratórios têm a instalação pronta dentro do exigido por autoridades regulatórias, mas nós temos.
Teremos uma vacina completamente nacional? Em que estágio estão as vacinas desenvolvidas na Fiocruz?
Nós teremos a vacina [inglesa] produzida aqui, será toda nacional. Mas o desenvolvimento desde o início, todo o processo interno de uma nova vacina também será realizado no Brasil. Temos dois projetos em desenvolvimento na fase inicial de estudos pré-clínicos com animais. Na Fiocruz de Belo Horizonte e no Instituto Butantan também estão produzindo, com outras tecnologias.
Nós queremos nossa própria tecnologia toda desenvolvida aqui ao mesmo tempo que precisamos da vacina para nossa população imediatamente. Por isso, negociamos com Oxford.
Mesmo com outras pesquisas na frente e com vacinação em breve, os estudos nacionais continuarão?
Sim, porque temos que conhecer melhor essa doença e acompanhar todas as vacinas sendo desenvolvidas.
O que a ciência pode aprender e avançar com a experiência de criar uma vacina em estado de emergência mundial?
Teremos uma herança científica-tecnológica muito importante para a área de desenvolvimento e produção de vacina, com as abordagens inovadoras e também processo. Teremos que aproveitar e incorporar o fast track no desenvolvimento clássico de vacinas. E o estudo in-vitro, de laboratório, para verificar o que acontece com os anticorpos. Essas coisas todas estão sendo desenvolvidas em laboratório e isso deve ser aplicado no futuro. Será um novo mundo.
A cooperação internacional tem sido muito interessante.
Você fala em cooperação, mas eu digo mais que isso. Existe uma solidariedade internacional de laboratórios públicos e privados em troca de conhecimento para avançar.
O Brasil está se preparando para quando chegar a vacina?
Esse é o esforço que o governo está fazendo, que tem a ver com a existência do SUS, um sistema único de saúde que nós temos e alguns países não. E um programa nacional de imunizações forte como nós temos. Há décadas, o governo apoia laboratórios públicos de fabricação de vacinas, como Bio-Manguinhos, Butantan.
Temos tido apoio do governo, enquanto a iniciativa privada quer trazer a vacina pronta importada. Nós queremos autossuficiência. É péssimo um país depender de insumos estratégicos [de fora]. Com 220 milhões de habitantes, precisamos de um sistema de desenvolvimento e produção, com toda a certeza. Todos os governos estão percebendo a necessidade de capacidade de resposta nacional em emergência sanitária.
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