Teoria da relatividade (na quarentena)

Durante os últimos meses, pode parecer que o tempo está passando de forma diferente. Mas por que isso acontece?

Por Mariana Arrudas

O passar do tempo é relativo e você provavelmente já sabe disso. Na cotidiano, já é muito difícil comparar a nossa percepção da passagem do tempo com a duração real de uma situação. No entanto, desde que o isolamento social começou, muitas pessoas alegam que os dias estão passando rápido demais, enquanto outras sentem que cada semana dura por um mês.

Em uma pesquisa realizada com 100 alunos da Universidade de São Paulo (USP), a grande maioria afirma que passou por alguma grande mudança no seu dia a dia e que isso interferiu, de certa forma, no passar dos dias.

Os principais pontos levantados por estudantes da USP foram alterações como: não ter mais uma rotina definida, não se locomover mais, não ter aulas presenciais, estar com o sono desregulado e o trabalho feito à distância.

A aluna de Letras da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH), Gabrielly Borges, pontua: “Não tenho hora para comer, para trabalhar, para dormir. Quando penso no tempo que já passou, parece que passou voando. Agora, se eu penso no futuro, se tento fazer planos ou qualquer coisa do tipo, parece que é um tempo nunca vai chegar”.

Porém, mesmo com a maioria das mudanças sendo parecidas, a forma como o tempo é percebido pelos estudantes é diferente. Para Bianca Natducci, também do curso de Letras, os dias estão demorando para passar: “Com a quarentena, eu estou podendo acordar mais tarde e dormir mais cedo, mas também estou trabalhando e estudando por mais horas. Assim, os dias parecem mais longos, porque a rotina está bem monótona, mas os meses parecem passar mais rápido”.

Já para Carin Lima Santos, do curso de Artes Cênicas da Escola de Comunicações e Artes (ECA), os dias estão passando mais rapidamente “Tenho que arrumar a casa, e isso toma bastante do meu tempo. Quando vejo, fiz pouquíssimas coisas e parece que o dia passou muito mais rápido”.

No entanto, para entender o porquê dessa diferença  de percepção, é importante entender como o cérebro assimila a passagem do tempo.

Como nosso cérebro percebe o tempo?

Uma pesquisa realizada na Universidade Federal do ABC (UFABC), juntamente com a empresa NeurUx, está estudando justamente sobre como as pessoas estão percebendo o passar do tempo durante o isolamento social.

  André Cravo, doutor em Neurofisiologia pela USP, faz parte da equipe e explicou como o cérebro humano tem essa percepção: “O que nós chamamos de ‘perceber o tempo’ envolve uma série de funções e mecanismos. Por exemplo, envolve nossa habilidade de estimar intervalos temporais de segundos a minutos, mas também a maneira pela qual conceituamos e sentimos a passagem de tempo”.

Assim como André Cravo explica, a psicóloga Claudia Hammond, autora do livro “Time Warped: Unlocking the Mysteries of Time Perception”, ainda sem versão em português, também fala que sentir a passagem do tempo leva em conta vários fatores, não apenas a forma objetiva, como contar horas e dias. O cérebro considera emoções, expectativas e o quanto determinada tarefa exigiu de atenção ou esforço, por exemplo. 

Percepção do tempo de forma objetiva. Foto: Mariana Arrudas

Esses são alguns dos motivos pelos quais quando nos tornamos mais velhos o tempo parece passar mais rápido. Quando o cérebro recebe uma informação conhecida, seu processamento é muito mais rápido do que quando um novo estímulo é captado.

Quanto à pesquisa em parceria com o NeurUx, André Cravo contou que o principal objetivo é entender quais e como os diferentes aspectos da nossa percepção temporal estão sendo modulados pelo isolamento. “Até o momento temos em torno de quatro mil participantes na sessão 1 e 800 participantes em média que estão respondendo semanalmente”, conta. 

“Para isso, desenvolvemos um questionário on-line que é realizado semanalmente pelos participantes. As perguntas consistem em: como os participantes têm percebido a passagem do tempo, mudanças objetivas na rotina dos participantes e questões sobre aspectos afetivos e emocionais. Com isso, vamos poder investigar possíveis associações entre oscilações de rotina ou emocionais dos participantes com a percepção de passagem do tempo” explica André Cravo.

Seja mais rápido ou mais devagar, a vida mudou de forma perceptível nos últimos meses. Cabe a nós, agora, conseguirmos nos planejar, fazer tarefas e tentar, aos poucos, nos adaptar a esse período novo que tudo está diferente.

*Para ter acesso às respostas da entrevistas acesse este link.