Atos contra o Governo no 29M prezam por protocolos de segurança sanitária
por João Mello e Laura Toyama
No dia 29 de maio, milhares foram às ruas protestar contra o governo Bolsonaro em 213 cidades brasileiras dos 26 estados e do Distrito Federal. Os manifestantes criticavam, em especial, a condução do combate à pandemia pelo presidente e pediam o seu afastamento do cargo. De acordo com os organizadores, os atos teriam reunido mais de 420 mil pessoas. Dessas, 80 mil apenas em São Paulo, fechando a Avenida Paulista e ocupando ao menos 7 quarteirões da via. As discussões em torno de medidas de segurança sanitária, de modo a evitar a proliferação do coronavírus nos protestos, foram uma das principais marcas do 29M.
Desde o início das medidas de restrição para frear a pandemia, movimentos de oposição resignaram-se a protestar contra o governo através, exclusivamente, das redes sociais. Acreditava-se que esse seria um movimento coerente com o momento. O que a oposição defendia eram, justamente, as medidas de isolamento social rechaçadas pelo presidente, que chegou a participar de manifestações em seu apoio nas quais, em geral, não havia preocupações com o uso de máscaras ou distanciamento.
Com o agravamento da pandemia, a lentidão na campanha de vacinação, a continuidade de uma postura negacionista do Governo e um clima político que fazia parecer que “as ruas estão com Bolsonaro”, este primeiro ato foi convocado pelas frentes Povo Sem Medo e Brasil Popular, em conjunto com organizações estudantis, centrais sindicais e coletivos independentes.
Frente à iminência de ir às ruas, foi montada uma campanha massiva para que as pessoas comparecessem às manifestações, mas respeitando medidas de segurança sanitária. As imagens, posts e panfletos que circularam incentivavam os manifestantes a usarem máscaras com boa vedação e manterem distanciamento durante os atos. Em especial, foi amplamente defendida a utilização de máscaras do tipo PFF2/N95, mais eficientes na proteção contra a Covid-19. As campanhas geraram uma adesão generalizada a esse tipo de proteção, que foi bastante repercutida na mídia e claramente observado por quem compareceu aos atos.
Manifestante abre os braços para garantir o distanciamento social durante o ato na avenida Paulista, no 29M. Foto: Laura Toyama/JC
Anteriormente às primeiras mobilizações, no mês de maio, plataformas digitais, figuras públicas e pesquisadores da área da ciência já se dedicavam, sobretudo nas redes sociais, a difundir essas informações. Tendo como desafio central, desde o início da pandemia, combater o negacionismo científico, tornou-se ainda mais desafiadora a tarefa de conscientizar a população que sai às ruas.
Segundo Vitor Mori, físico, pesquisador da Universidade de Vermont e membro do Observatório Covid-19 BR, quando se fala sobre ciência na internet, é importante falar de forma menos técnica, mais objetiva e realista. Para ele, que tem cerca de 46 mil seguidores em sua conta no Twitter, para facilitar a compreensão “o uso de analogias é um recurso importante, tentar trazer a explicação para uma realidade que a pessoa conheça e esteja familiarizada” recomenda. “Na hora de explicar a transmissão, eu falar de inalação de aerossóis é uma coisa complicada, agora dizer que se comporta como a fumaça do cigarro, já é mais acessível”.
Vitor também pontua as principais diferenças entre o risco de se aglomerar em espaços fechados — como restaurantes, salas de aula e shopping centers — e espaços abertos, onde ocorreram os atos. “A questão é que espaços ao ar livre são muito mais seguros, ponto. Não importa se é uma manifestação contra ou a favor do Bolsonaro, um encontro de amigos, ou um jogo de futebol.”
O pesquisador reforça que especialistas que avaliam a transmissão das novas cepas do coronavírus sugerem que menos de 1% da transmissão do vírus acontece nessas condições, percentual que é ainda mais achatado pelo uso correto de máscaras PFF2/N95. “Uma máscara ajustada, de qualidade e com boa filtragem adiciona toda uma nova camada de proteção para sair às ruas. O risco zero não existe, mas é uma significativa redução de danos.”
Muitos manifestantes usavam máscaras com inscrições contra o presidente durante o ato na avenida Paulista, no 29M. Foto: Laura Toyama/JC
Diante das mobilizações, organizações da sociedade civil não apenas fizeram esse trabalho de divulgar conhecimento, como também distribuíram máscaras PFF2 durante as manifestações. Entidades estudantis como a UNE (União Nacional dos Estudantes) e a UBES (União Brasileira dos Estudantes Secundaristas) protagonizaram a ação com stands de distribuição na avenida Paulista, durante o ato. Além dessas, unidades estudantis de base, como centros e diretórios acadêmicos, somaram-se a essa luta.
Uma delas foi o CeUPES Ísis Dias de Oliveira, centro acadêmico das Ciências Sociais da USP. Lucas Motta é membro do CeUPES e participou da distribuição de cerca de 100 máscaras que o centro acadêmico conseguiu adquirir através de uma campanha de arrecadação online. Ainda foi difundida a iniciativa #pff2pra2, que incentiva que cada pessoa leve uma PFF2 para si e outra para ser distribuída.
Motta relatou ao JC que o uso de máscaras no 29M era generalizado, e que a distribuição da PFF2 acontecia para pessoas que portavam máscaras de pano. Nessas ocasiões, era explicado como a PFF2 tem uma maior eficácia comprovada pela ciência.
Membros da UNE e da UBES distribuem máscaras e álcool em gel para manifestantes em estande durante ato na capital paulista. Fotos: Laura Toyama/JC
Apesar de um maior risco por conta de aglomerações decorrentes de protestos, Lucas Motta relembra a frase dita por um manifestante na Colômbia que inspirou outros atos pelo mundo: “Quando o Governo é mais perigoso que o vírus, o povo é obrigado a ir às ruas”. Nesse sentido, ele destaca que a angústia crescia conforme as pessoas continuavam em casa, e acabavam não demonstrando publicamente o descontentamento em relação ao que se passa no país.
Outra iniciativa que se dedicou a distribuir máscaras mais seguras durante o ato foi o Protesto Sem Covid, plataforma criada por um grupo de comunicadores e juristas de São Paulo, com a finalidade de popularizar as medidas sanitárias necessárias para sair às ruas. O grupo desenvolveu panfletos com instruções de como se proteger, que se encontram no site e na página do instagram @protestosemcovid.
Sobre a distribuição, uma das organizadoras comenta: “Houve casos em que a pessoa negava a princípio a nossa doação [de máscara PFF2] , mas explicávamos que o risco de contágio ao utilizar a máscara certa era muito menor do que com as de pano, e logo a pessoa se convencia a trocar. Este é um trabalho educativo, que o governo também deveria estar fazendo.” Em parceria com a página @melhormascara, as duas iniciativas foram além da conscientização nas redes: distribuíram mais de quinhentas máscaras PFF2 durante o ato do dia 29.
Ela também ressalta a importância do diálogo com a população: “Conversamos com várias pessoas e grupos, tanto da área médica como de movimentos sociais e nosso diagnóstico foi o seguinte: Primeiro, é possível protestar sem correr grandes riscos de contaminação, se seguirmos uma série de procedimentos. Segundo, a nível de sociedade, hoje está mais perigoso ficar em casa do que ir para as ruas .”
A forma simples de comunicar e, ao mesmo tempo, manter o diálogo com a ciência, foi um dos desafios: “Nossas fontes são científicas, vêm de quem está pesquisando na área, o desafio é traduzir isso para uma linguagem acessível.”
O apoio de figuras públicas ao projeto, como o jornalista Gregório Duvivier, a deputada Taliria Petrone e o ex-candidato à prefeitura de São Paulo, Guilherme Boulos, deu maior visibilidade para a página, atingindo grande número de pessoas antes e depois do 29M.
Guilherme Boulos posa com panfleto do Protesto sem Covid, distribuído durante o ato do dia 29 de maio, em São Paulo. Fotos: Laura Toyama/JC
Beatriz Klimeck — antropóloga, doutoranda em saúde coletiva e mestranda em divulgação científica e cultural — e seu companheiro, Ralph Klimeck — administrador público e gestor de mídias sociais —, iniciaram o projeto “Qual máscara?” (@qualmascara), que começou como uma plataforma de redes sociais para divulgar informações científicas a respeito do uso de máscaras, incentivando especialmente o uso da PFF2. Depois, o projeto cresceu para a área de administração pública e passou a atuar, junto a vereadores, na distribuição de máscaras desse tipo.
Em entrevista ao JC, Beatriz Klimeck explica que a ideia do Qual Máscara? é fazer tradução dos protocolos internacionais com evidências científicas, mas adaptando para a realidade de transmissão interna e estoques de vacinas do Brasil. Mais do que uma tradução, o propósito é realizar uma reflexão ativa sobre como as pessoas vão perceber uma postagem, e como ela pode impactar a vida dessas pessoas.
Klimeck ainda defende que, em atos como os do dia 29, o uso de máscaras é fundamental, mesmo com um menor risco de contaminação ao ar livre. Ela destaca que as distribuições de PFF2 nos atos é muito positiva, porque incentiva as pessoas a procurarem saber mais, adquirirem essas máscaras e, portanto, melhor se protegerem.
Na última quinta-feira (10), Jair Bolsonaro informou que solicitou uma mudança nas regras para o uso de máscaras, desobrigando-o para pessoas imunizadas ou vacinadas. Nesse contexto, Beatriz apontou como é importante o trabalho, não apenas de distribuição de máscaras, mas também de difusão de informações respaldadas pela ciência nas redes sociais, de modo a propagar a verdade e o uso correto das máscaras, indo contra ideais negacionistas que, no momento, torcem pela flexibilização.