Organizado por alunos da USP, o evento contou com a participação de especialistas e figuras de destaque do movimento PCD
por Maria Luísa Bassan
O evento organizado por alunos do curso de Relações Públicas abrangeu o protagonismo das pessoas com deficiência em diversas áreas. Imagem: Divulgação
No sábado, 17 de julho, foi realizado o evento “Inclusive”, organizado por alunos do curso de Relações Públicas da Escola de Comunicações e Artes da USP e transmitido de forma on-line e gratuita. Com a proposta de “promover um momento de integração, inclusão e participação para todos, todas e todes”, o evento levantou debates sobre diversidade, inclusão e acessibilidade, tendo como protagonismo as pessoas com deficiência (PCDs).
O planejamento e desenvolvimento do evento foi acompanhado pelo Prof. Dr. Luiz Alberto Beserra de Farias, professor do curso de Relações Públicas da ECA, como requisito da disciplina “Práticas Laboratoriais em Eventos”. A elaboração do “Inclusive” permitiu que os alunos pudessem aplicar os conhecimentos adquiridos em aula teórica.
O evento contou com três painéis: o primeiro trouxe a temática da inclusão em espaços culturais, o segundo falou sobre o acesso ao mercado de trabalho e espaços públicos e o terceiro promoveu um bate-papo com os convidados sobre suas trajetórias como pessoas com deficiência em suas áreas de atuação.
De modo a tornar o evento mais acessível, a discussão contou com dois intérpretes de libras – Vitor Torres e Mayara Gonçalves – e, no início de cada painel, o mediador e os convidados realizaram uma breve áudio descrição de si mesmos.
Painel 1: A inclusão em espaços culturais
O primeiro painel trouxe como convidada Viviane Sarraf, consultora na Museus Acessíveis, empresa social fundada por ela cujo objetivo é colaborar com instituições e trabalhar pela acessibilidade cultural.
Viviane Sarraf falou sobre a importância da acessibilidade e inclusão na cultura. Imagem: YouTube
A convidada começou explicando que acessibilidade cultural diz respeito a todas as adequações realizadas para que pessoas com deficiência e outras minorias possam usufruir de produções e instituições culturais, e tais adequações são extensivas à população. “Quando é instalada uma rampa na entrada de um museu, por exemplo, é garantido não só o acesso de pessoas com deficiência física, mas também de famílias com carrinhos de bebê e idosos com mobilidade reduzida”, ela expõe.
Segundo Viviane, a acessibilidade cultural garante os direitos culturais das pessoas com deficiência e a participação das instituições na construção de uma sociedade mais justa e diversa, na qual as diferenças não representem desvantagem: “pessoas com deficiência existem e têm o direito de ter experiências em todos os espaços possíveis”, reforça.
Viviane seguiu apontando que, “nos últimos dez, quinze anos, houve uma série de mudanças no compromisso à acessibilidade”. O Brasil possui uma boa legislação em relação à acessibilidade e pessoas com deficiência – desde a Constituição Brasileira de 1988, e ao longo dos anos 1990 e 2000, diversos decretos, leis e normativas foram feitos visando a inclusão. A LBI (Lei Brasileira de Inclusão) de 2015 reforça todos esses decretos conquistados e apresenta um capítulo exclusivo relacionado ao acesso à cultura. Além disso, as Leis de Incentivo à Cultura colocam como compulsória a oferta de recursos de acessibilidade e a Política Nacional de Museus também preconiza que todas as instituições devem promover acessibilidade.
“Quanto às dificuldades, ainda existe a barreira atitudinal, ou seja, relacionada ao modo de se comportar, de agir ou de reagir. Os profissionais, gestores, tomadores de opinião e o ambiente acadêmico ainda têm um pensamento retrógrado”, destaca Viviane. Segundo ela, a própria retração da produção cultural no Brasil, com corte de verbas e o rebaixamento do Ministério da Cultura a uma secretaria dificulta o cenário da acessibilidade nos espaços virtuais. A mestre em Ciência da Comunicação também aponta que as Universidades públicas estavam desempenhando um papel importante na formação de profissionais e especialistas em acessibilidade, mas estão sofrendo com os cortes orçamentários. “Tudo isso acaba trazendo prejuízos para o desenvolvimento da área”, explica.
A convidada apontou que o primeiro passo para a acessibilidade é a pesquisa, ou seja, buscar informações e referências em experiências por meio do estabelecimento de um diálogo com PCDs que frequentam espaço culturais e/ou participam das produções. A garantia do protagonismo das pessoas com deficiência nas produções permite que elas tenham “sua voz, seu corpo, seu existir no mundo como foco e conteúdo para as produções culturais”, expõe.
Viviane reforçou que “todas as pessoas têm um papel importante na promoção da acessibilidade cultural e no respeito aos direitos das pessoas com deficiência”, e os espaços culturais precisam dar o exemplo, uma vez que são instituições educativas e possuem papel social.
Painel 2: Acesso ao mercado de trabalho e espaços públicos
O segundo painel promoveu uma discussão acerca dos desafios, estratégias e benefícios para a sociedade e organizações com o desenvolvimento de espaços públicos e mercado de trabalho mais acessíveis e justos para PCDs.
A primeira convidada foi a empreendedora Kelli Tavares, especializada em inclusão e fundadora da maior RH tech exclusiva para pessoas com deficiência do mundo, a PCD Online. A segunda participante do painel foi a Dra. Rosaria Ono, professora da disciplina de “Acessibilidade e segurança nas edificações” na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, diretora do Museu Paulista e membro do conselho da superintendência de espaços físicos da USP.
O mercado de trabalho e o espaço universitário, segundo as convidadas, ainda têm muito a crescer no quesito acessibilidade. Imagem: YouTube
Rosaria contou que a inclusão de alunos com deficiência exige preparação, não só do espaço, mas dos professores. Existem manuais de orientação nas Universidades, porém não se tem uma cultura de domínio dos professores no que diz respeito à acessibilidade. “Ainda existe uma falta de preparo em relação a isso”, expõe.
Segundo Rosaria, para se ter a inclusão na Universidade, é necessário que ela exista desde o começo da trajetória da pessoa com deficiência, caso contrário, as barreiras podem levar à desistência na participação desses espaços. “Os arquitetos e urbanistas têm a responsabilidade de garantir a acessibilidade espacial, de forma a eliminar as barreiras físicas. Porém, ainda temos que lidar com a barreira atitudinal, do conhecimento”, completa.
Quanto ao acesso das pessoas com deficiência ao mercado de trabalho, Kelli Tavares compartilhou que só é possível ser inclusivo quando se é garantido o básico: o direito de ir e vir do candidato à empresa. “Além disso, é importante ter a acessibilidade web, ou seja, permitir que o candidato consiga usar de forma completa a plataforma da empresa e de recrutamento”, reforça.
A empreendedora também aponta que a empresa, ao se preparar para realizar um processo seletivo com pessoas com deficiência, precisa analisar primeiramente suas ferramentas de acessibilidade, para depois pensar na gestão, uma vez que “o candidato não pode chegar na empresa e não conseguir desempenhar sua função de forma correta e completa”.
“Os Recursos Humanos precisam estar preparados para receber todos os funcionários de forma igualitária”, aponta Kelli. Ela trouxe o exemplo das dinâmicas de grupo, que devem ser adequadas e adaptadas para que todos os candidatos possam participar justamente. Além disso, garantir a acessibilidade precisa ter o envolvimento de todas as pessoas. “Quando a sociedade engaja de forma geral, o aprender é constante”, encerra.
Painel 3: Bate-papo com atleta e influenciador
O terceiro painel promoveu um bate-papo descontraído com duas figuras de destaque sobre suas experiências e aprendizados como PCDs em suas áreas de atuação. A primeira convidada foi Laís Souza, ex-atleta, campeã brasileira de ginástica artística e palestrante. O segundo convidado foi o criador de conteúdo Diogo Magno, colunista Vale PCD e ativista pelos direitos LGBTQIA+ e PCD.
Laís Souza e Diogo Magno explicaram a importância do protagonismo PCD no debate sobre acessibilidade. Imagem: YouTube
A conversa iniciou com perguntas rápidas, sobre temas como sonhos, medos, gafes e arrependimentos. Após essa primeira interação, Laís e Diogo compartilharam suas trajetórias e vivências pessoais como PCDs – e o que esperam para o futuro.
Diogo contou que sempre foi estimulado pela família a lutar por causas sociais. Em 2015, iniciou no movimento socioambiental e, em 2017, integrou o movimento estudantil e educacional. Enquanto isso, passou pelo processo de reconhecimento como PCD e LGBT. “Assim fui moldando minha luta, que é resistência e resiliência”, destaca. Ele acredita que sua afinidade com a área da educação irá ajudá-lo a combater o capacitismo e toda forma de opressão: “não posso falar de educação sem falar das minhas vivências”.
Desde que passou a criar conteúdo, Diogo afirma que já enfrentou comentários negativos e sente que muitas pessoas ainda não aceitam a diversidade por completo. Por outro lado, ele viu que sua forma de se comunicar foi mudando, de modo a criar um espaço de construção inclusivo e de fácil participação. “Sinto essa necessidade de união e troca de afeto com o meu público”, compartilha. Enquanto criador e ativista, ele defende que o processo de desconstrução é contínuo, uma vez que o capacitismo é algo estrutural.
Laís Souza contou que sua luta não está relacionada somente à sua situação – a ex-ginasta sofreu um acidente enquanto treinava esqui, que a deixou tetraplégica –, mas também com a sua vontade de expôr seu ponto de vista sobre o mundo, de forma a quebrar sua bolha. “Eu também sou capacitista, estou mergulhada nessa cultura, mas estou aberta a mudar e ouvir”, aponta.
Em relação à sua época de atleta, Laís compartilhou que carrega muito da resistência e superação advindas dessa vivência. “Eu gosto da Laís de hoje. Sinto que me supero todos os dias”, diz. Já como figura presente nas redes sociais, ela contou que não esperava influenciar, mas que está gostando de participar do movimento. “Meu objetivo é tentar salvar com minhas palavras”, destaca.