Variante Delta: perigo iminente ou medo injustificável?

Nova cepa do coronavírus assusta o mundo com sua transmissibilidade e pode apresentar riscos devido à alta taxa de hospitalização

 

 

por Matheus Alves

Arte: Beatriz Saraiva

 

Por conta do prolongamento da pandemia e tendo em vista o aumento dos casos da variante Delta (ou B.1.617.2) no Brasil, é de se esperar que haja certa repercussão quanto à nova variante – ainda mais por ter sido responsável pela segunda onda mortal de infecções na Índia, seu país de origem. Porém, será que esta variante é realmente a mais perigosa? Para adquirir tal conhecimento, é importante uma melhor compreensão do que são e como surgem as variantes de vírus.

Variantes são versões de um vírus original (ou “selvagem”) que surgem a partir de mutações em seu código genético durante o processo de replicação viral. Pelo fato das mutações serem aleatórias, a maioria destas não se perpetuam na população. Porém, há sempre a chance de uma dessas versões apresentar alguma vantagem adaptativa em relação ao vírus original, garantindo assim uma maior predominância. 

No caso do SARS-CoV-2, as variantes não se diferenciam muito em relação a sintomas e gravidade e todas são capazes de induzir uma enfermidade grave. De acordo com o Prof. Benedito Antônio Lopes da Fonseca, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP-USP), as variantes deste vírus se distinguem mais pela “constelação de mutações características a cada uma delas, resultando em diferenças na conformação tridimensional da proteína S (Spike), que levam a uma maior afinidade desta com o receptor celular deste vírus, o ECA2 (receptor da enzima conversora de angiotensina-2) e, dependendo das mutações, à uma maior infectividade destas variantes em comparação ao vírus original ou menor capacidade de serem neutralizadas por anticorpos oriundos da doença clínica causada por outras variantes ou vacinação.”

Cepas que tenham características como uma maior capacidade de transmissão, virulência (potencial de agravar), letalidade ou capacidade de escapar da resposta imune passam a ser chamadas de variantes de preocupação. Entretanto, para ser colocada nessa classificação não é necessário que a doença causada pela variante apresente maiores taxas de mortalidade diretamente, pois uma maior capacidade de transmissão por si só pode se revelar muito mais perigosa. E este é o caso da variante Delta (ou B.1.617.2). 

Mesmo que, de acordo com a Dra. Flávia Marquitti, orientadora de pós-graduação de Ecologia da USP e pesquisadora do Observatório Covid19-BR, nenhum estudo tenha revelado variação na letalidade da variante Delta em relação ao vírus original, os últimos estudos apontam que “as mutações que essa variante carrega garantem ao vírus maior tempo em seus hospedeiros, além de uma alta carga viral (quantidade de vírus dentro do indivíduo infectado). Desta forma, a variante se transmite por mais tempo e em grandes quantidades.” Como consequência dessa maior infectividade, a estirpe Delta tem grande potencial de causar superlotação de hospitais, e com isso, um aumento na mortalidade tanto em taxa como em números absolutos, esclarece a doutora. 

“A experiência mundial tem mostrado que onde esta variante é detectada, rapidamente torna-se a variante predominantemente associada às novas infecções. Por ainda não haver um grande número desta variante detectada no Brasil, neste momento é impossível prever se ela se tornará a variante predominante, mas é provável, pois esta variante apresenta duas mutações que induzem uma diminuição na capacidade do sistema imunológico em conter a infecção, apesar de uma destas mutações ser extremamente similar a uma que ocorre na variante Gama (P.1 – Amazonas, Brasil). Isto poderia conferir uma certa resistência a esta variante em pessoas infectadas com a variante Gama.”, explica Benedito.

Apesar desses motivos justificarem a repercussão gerada sobre a variante Delta, ainda é possível que não ocorra um aumento na taxa de mortalidade associada a esta variante no Brasil, pois se considerada a experiência britânica com a variante (que responde por mais de 90% dos novos casos no país europeu), “o número de óbitos associados a esta variante é baixo em comparação ao enorme número de infecções relacionados a ela”, acrescenta o professor.

Vacinas

Quanto às vacinas, algumas variantes apresentam sim moderada “resistência” — diferentemente de quando tratamos de antibióticos, resistência não é o melhor termo. O que ocorre é que, como elucida Marquitti, “algumas variantes podem escapar parcialmente à resposta imune induzida por infecção prévia ou induzida por meio de vacina”, como é o caso da Beta (ou B.1.351), a variante que mais apresentou escape às vacinas disponíveis. 

Isso acontece por conta de mutações relacionadas à proteína S do SARS-CoV-2, responsáveis por fazer com que o sistema imunológico, quando em contato com a variante, não a reconheça como um vírus para o qual ele tenha uma resposta pronta, permitindo que este siga seu caminho sem ser combatido.

Entretanto, apesar de ainda não ter sido tão bem estudada a ação imunológica induzida pelas vacinas no Brasil, todas as disponíveis no país são eficientes o suficiente para reduzir a gravidade das doenças, independente da variante. Mesmo que, por ventura, surja uma nova variante com considerável escape às vacinas, “com as novas tecnologias de produção de vacinas de mRNA, é possível produzir rapidamente vacinas de reforço”, explica a pesquisadora.

Combate à pandemia

Outro ponto relevante a ser discutido é que quanto mais tempo levar para a pandemia ser controlada, maiores as chances de surgirem novas variantes, mais transmissíveis, evasivas e letais. Pois, como explica o professor, mesmo o SARS-CoV-2 não tendo uma taxa de mutação elevada, o número de infectados é enorme e cada um destes carrega milhares de cópias do vírus, resultando em um cenário propício para a emergência de novas variantes. Se apenas uma dessas cópias apresentar uma considerável vantagem adaptativa, comparada com o original, pode facilmente se tornar uma variante de preocupação.

É por estes motivos que ainda se revela necessário a colaboração de todos no combate à pandemia. Não se pode deixar perder a sensibilidade e banalizar o enorme número de infectados e mortos que são consequência do descontrole da pandemia no país. 

Da mesma forma que não se deve desleixar no caso de uma redução nos números de óbitos, pois como foi discutido anteriormente, novas variantes podem surgir caso os números de infectados permaneça alto, ainda mais considerando a alta infectividade da temida variante Delta. 

Incentivar a vacinação, independente da vacina, evitar espaços fechados ou mal ventilados, utilizar de forma correta máscaras de qualidade (como as PFF2) e cobrar dos governantes medidas eficazes de controle da pandemia, são algumas das medidas que podem ajudar a adiantar o fim desta crise sanitária que o mundo se encontra.