Grupo de animais abandonados conhecido como “gangue dos cachorros pretos” sobrevive na Universidade
por Arthur Macedo
Um membro solitário da trupe canina, em gramado na Rua do Matão. Fotos: Arthur Macedo
Eles já estão dentro da USP há anos. Não é possível precisar quantos são. A matilha de cães sem dono que ocupa a Rua do Matão, dentro da Cidade Universitária, já é conhecida de longa data.
Vânia Pivello, ex-presidente da Comissão da Reserva Florestal do Instituto de Biociências (IB), conta que essa é uma questão tratada há mais de uma década. “Diversas ações foram tentadas para a retirada dessa matilha, já desde os anos de 2009 e 2010, envolvendo também a Veterinária e o Zoológico. Esses animais seriam tratados e levados para abrigos”.
A matilha é composta por um número incerto de cachorros. A maioria deles tem pelagem preta. Os cães circulam por região próxima à Matinha, nome pelo qual é conhecida a Reserva Florestal do IB. É na Rua do Matão que os animais se estabeleceram.
Os cães dormem no chão ou em caixas de papelão na Rua do Matão.
O grupo está na região há tempo suficiente para ganhar um apelido. Alunos da USP referem-se à matilha como a “gangue dos cachorros pretos”. A presença dos cães chama a atenção e gera sustos em alguns casos. “Eu e mais duas amigas estávamos descendo a Rua do Matão e vimos esses cachorros. Eram pelo menos quatro. Eles começaram a latir e chegaram bem perto de nós. Ficamos bem juntas e nos afastamos. Eu não tenho medo de cachorro, mas naquele momento fiquei muito assustada”, conta Nayara Damasceno, estudante de Engenharia de Materiais da Poli.
Otavio Batini, graduando em Administração na FEA, presenciou experiência similar. “Comigo eles foram tranquilos, só me cheiraram e me deixaram seguir caminho. Mas vi que rosnaram e latiram muito para uma moça, colocaram ela para correr”, relata.
Os abrigos da matilha: restos de marmita e água.
Nem todo mundo tem histórias ruins para contar sobre os cachorros pretos. Funcionários terceirizados que trabalham próximos ao local não tiveram experiências negativas e relatam boa convivência com os animais. “Gosto tanto deles que se pudesse levaria para casa”, comenta Rosilda, integrante da Guarda Universitária.
Os cães não têm dono, mas recebem assistência humana. De acordo com diversos relatos, pessoas param todos os dias para deixar alimentos aos animais. Nota-se que há restos de comida (feita para humanos, não ração) na área de ocupação da matilha.
O hábito de fornecer esses restos com frequência contribui para a permanência dos cachorros na Cidade Universitária. É o que concluiu Ricardo Augusto Dias, professor na Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ), em estudos sobre comportamento e saúde dos cães errantes na Cidade Universitária. O docente deixou de acompanhar a situação após 2012, devido a “conflitos com os cuidadores”.
Os cachorros pretos dormem em caixas de papelão ou utilizam elementos da vegetação local como forma de abrigo. As casas improvisadas não são o suficiente em dias de chuva, por exemplo. Eles buscam nos arredores um esconderijo mais seguro.
Cão procura abrigo em dia de chuva.
A “gangue dos cachorros pretos” é a matilha mais conhecida dentro da Universidade. A resolução do problema está longe de ser imediata. Vânia Pivello cita que a Comissão da Reserva Florestal do IB esbarrou diversas vezes na resistência de animais ferozes e dos ‘cuidadores’. “Outra etapa de manejo com os animais foi iniciada em 2020, mas foi totalmente desestruturada pela pandemia”, conta a professora.
Quem subir a Rua do Matão num futuro próximo verá que a via não é apenas local de institutos e uma reserva florestal. É também a rua dos cachorros pretos.