Cálculo considera fatores genéticos e ambientais e aumenta assertividade e eficácia do anticoagulante mais usado no mundo
por Julia Mantuani
Arte: Luisa Costa / Fotos: Freepik
Com o passar dos anos, o risco de ser acometido por uma série de doenças e distúrbios aumenta bastante. Após os 75 anos, o risco de desenvolver doenças cardíacas, por exemplo, aumenta consideravelmente. No terceiro lugar, no ranking dos eventos cardiovasculares mais comuns, estão os distúrbios tromboembólicos, mais popularmente conhecidos como trombose. E entre os medicamentos mais empregados em sua prevenção, está a Varfarina, o anticoagulante oral globalmente mais usado, para essa finalidade. Mas: a dosagem deve ser precisa. Se receitado abaixo do necessário, pode não fazer efeito em evitar uma trombose, e, acima do recomendado, ocasionar uma hemorragia.
Pesquisa foca em população pouco investigada
Foi pensando em otimizar a prescrição que, após ser convidado a participar de um projeto de iniciação científica, o estudante Vitor Pitta, de 24 anos, à época, aluno do segundo período da graduação em Farmácia na Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo (FCF-USP), conheceu o professor Mario Hirata que o propôs o tema. Hirata é coordenador do Departamento de análises clínicas e toxicológicas e tem projetos de integração entre pesquisadores da USP e hospitais, integrando a pesquisa molecular à clínica.
A pesquisa consiste em aprimorar o algoritmo usado para calcular a dosagem do medicamento em idosos. Vitor conta que a Varfarina é muito estudada no mundo inteiro e diversos artigos já foram publicados sobre sua metabolização associada à genética, porém, a grande maioria leva em consideração uma população norte-americana ou europeia. “Existe até um algoritmo brasileiro, mas que se baseia numa população adulta, sendo efetivo em somente em 40% dos casos. Para ser viável e eficiente, precisaria acertar mais de 50%”, completa.
Percebendo essa lacuna, a equipe iniciou uma análise dos genes que metabolizam a Varfarina em idosos. A metabolização do fármaco é o processo que acontece quando, após consumirmos um medicamento, sua estrutura química é transformada, traz o efeito desejado e, por fim, é eliminado por meio da urina. “No caso da Varfarina, o efeito é anticoagulante. Só que, se metabolizado muito depressa, o paciente precisa de uma dose maior para fazer efeito e, se demora muito, precisa de uma dose menor.Tudo varia conforme características genéticas individuais”.
No mercado farmacêutico, existem medicamentos anticoagulantes que não causam hemorragia, mas custam entre duzentos e cinquenta e trezentos reais, “Para o Sistema Único de Saúde (SUS) é inviável disponibilizá-los para todos os idosos, a Varfarina em contrapartida, custa pouco, cerca de dez reais a caixa com trinta comprimidos”. Vitor finaliza: “Vale a pena oferecer um tratamento genético, que otimiza o uso deste fármaco, do que aderir ao uso de um medicamento caro”.
“Observamos uma amostra da população de idosos do estado de São Paulo, focando em representar ao máximo o caráter heterogêneo da população”. “Grande parte dos idosos consomem diariamente cerca de 10 medicamentos e a maioria dos medicamentos interagem com a Varfarina, isto é, quando uma pessoa toma dois remédios para causas diferentes, mas um anula o efeito do outro”.
O estudante apresentou seu trabalho no Simpósio de Iniciação Científica da USP (SICUUSP) e foi o terceiro colocado dos projetos da Farmácia — o que o classificou para a fase internacional. Nessa etapa, apresentou o algoritmo para docentes de outras universidades, que aprovaram o projeto: “Fui agraciado com Menção Honrosa, indicativo de que o projeto tem grande relevância”. Por conta da pandemia, os estudos clínicos no hospital foram pausados. O esperado é que os testes com pacientes sejam retomados ainda este ano.