Projeto criado por mulheres da USP aproxima meninas de 14 a 17 anos das diversas áreas da ciência, majoritariamente masculinas
por Bianca Camatta e Duda Ventura
Imagem: Divulgação/Astrominas
“São iniciativas que nós temos que ter porque nós [mulheres] não nos sentimos propriamente pertencentes aos cursos de Ciências exatas e da natureza. Então, quando as meninas olham e veem que existe uma mulher muito incrível trabalhando com astronomia, informática, física ou química, isso desperta vontade nelas”. Esse é o relato de Ana Clara de Paula Moreira, estudante do terceiro ano de física na USP e uma das participantes do projeto Astrominas, sobre a importância de iniciativas que incentivam a participação de meninas na ciência.
Idealizado por mulheres do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP, o Astrominas nasceu em 2019 e tem como objetivo não apenas estimular a inserção de meninas nas ciências, como também fazer com que elas se sintam capazes de compreender o cotidiano com base nas áreas científicas.
“Caso elas escolham fazer Ciência, queremos que elas sintam que é possível, que aquele ambiente é para elas também. Mas para aquelas que não se sentirem atraídas pela área, que pelo menos elas tenham Ciência para se pautar no dia a dia nas decisões da vida delas”, comenta Lilian Soja, mestranda em Ensino de Astronomia no IAG e uma das coordenadoras do Astrominas.
Elysandra Cypriano, criadora do projeto, complementa que o diferencial do Astrominas é trazer o conhecimento científico de maneira aprofundada, contribuindo para o desenvolvimento da cidadania.
O projeto é voltado para meninas do ensino médio, entre 14 e 17 anos, e tem a astronomia como um ponto de partida para falar de outras áreas da ciências tanto por ser uma esfera interdisciplinar quanto por ser atrativa para as jovens.
Além de incentivar garotas mais jovens e facilitar o caminho delas até a universidade, ainda traz benefícios para as mulheres que já estão na graduação. “Eu criei o Astrominas pensando nas minhas meninas [alunas de iniciação científica e mestrado] e nas dificuldades que elas tinham. Eu visualizei o que podemos fazer de diferente na Educação Básica e como isso poderia ser revertido em coisas boas para as alunas da graduação”, aponta Elysandra.
A cada ano, as inscrições são abertas e algumas meninas são selecionadas. Em 2022, 600 garotas de quase 17 mil inscritas participaram do evento, que ocorreu remotamente. As selecionadas têm acesso a palestras gravadas, rodas de conversa com graduandas e pós-graduandas nas áreas científicas, e oficinas em que as participantes simulam conceitos aprendidos por meio de objetos que possuem em casa. Lilian exemplifica as oficinas pela construção de espectrômetros, instrumento óptico que mede as propriedades da luz numa determinada faixa do espectro eletromagnético, e da simulação do efeito estufa dentro da casa delas.
Os principais conteúdos abordados são de astronomia, geofísica, geociência, geologia, astrobiologia, oceanografia, matemática e física. Porém, para além dessas áreas, o evento aborda assuntos das ciências humanas, a fim de estimular o entendimento sobre a cidadania e a reflexão sobre o papel da mulher na sociedade.
Organizadoras do evento. Foto: Arquivo pessoal/Ana Clara de Paula Moreira
Durante o curso, há também monitoras, chamadas carinhosamente de fadas madrinhas, que estão em contato direto com as meninas e ajudam a esclarecer dúvidas. “Nós até dizemos que a fada madrinha é aquela que aparece na hora que a menina mais precisa, mas que vai incentivar a autonomia delas para que busquem as respostas”, conta Lilian.
A realidade de gênero nas universidades ainda é marcada por desigualdades: mesmo sendo maioria na sociedade brasileira, as graduações de ciências exatas ainda são espaços tipicamente masculinos, o que afasta meninas de entrarem nos cursos e traz um sentimento de solidão às que estão os cursando, como relata Ana Paula.
Em 2022, aconteceu a terceira edição desde o início do Astrominas, em 2019. A cada ano, as organizadoras se mobilizam em busca de maior inclusão dentro do projeto, nos grupos de fadas madrinhas e de participantes. “Nós atingimos meninas de todo Brasil, mas o nosso objetivo é contar com um grupo diverso, com mulheres indígenas, negras e trans”, explica a pesquisadora.
A busca por um projeto mais diversificado encontra desafios, especialmente quanto às organizadoras, que já entraram na universidade e, por isso, passaram pela pré-seleção do vestibular. Também, como grande parte da comunicação do Astrominas acontece de maneira remota, as meninas de classes sociais mais baixas, que não possuem acesso a internet, também encontram dificuldades para participar.
Os resultados positivos do projeto já podem ser verificados para além do número de inscritas. Lilian explica que, frequentemente, cruza no corredor com mulheres que, hoje na faculdade, fizeram parte do primeiro grupo do Astrominas e se interessaram por cursar alguma das áreas ali expostas, que por vezes elas não conheciam antes de participar do projeto. Também, as graduandas do IAG que atuaram como fadas madrinhas passaram a ter mais ânimo para frequentar as aulas, uma vez que se viram parte de um grupo unido. “Ainda temos muitas pedras para serem tiradas do caminho das mulheres na sociedade, mas estamos fazendo a nossa parte e colhendo os frutos”, sustenta Elysandra. “Se eu tivesse conhecido um projeto assim quando estava na escola, para mim, as coisas teriam sido muito diferentes”.