Teatro da USP propõe atividade, que busca acolher, integrar e colaborar com a desconstrução do mito de que idosos não podem dançar
por Carolina Borin Garcia
Fotos: Isabella Oliveira/JC
Quando se pensa na dança, sobretudo nos seus estilos mais clássicos, articula-se um determinado imaginário que inclui ou não alguns corpos. Pouco se pensa, por exemplo, em corpos de pessoas idosas, que também podem ocupar um espaço nas práticas culturais, dentre elas a dança.
O programa Dança TUSP60+ é uma atividade que nasce com esse propósito, de romper com o mito de que apenas pessoas jovens podem praticar danças clássicas ou contemporâneas. Na visão de Otacílio Alacran, agente cultural do TUSP e ator, é a “possibilidade de suar, de transpirar, de se sentir igual a essas outras pessoas e as limitações de um é a potência do outro. É uma ode à vida.”
No segundo semestre deste ano, a atividade está sendo oferecida em três módulos: o primeiro chamado “Introdução ao ballet clássico”, o segundo “Dança para acordar os sentidos” e o terceiro chamado “Preparação do corpo para a cena e para a vida”, que acontecerá entre os dias 29 de novembro e 20 de dezembro. Trata-se de uma parceria com o Centro Universitário Maria Antônia, que oferece a atividade de maneira totalmente gratuita e estão sendo oferecidas 20 vagas.
A palavra e o corpo: a origem do projeto
Otacilio Alacran, em entrevista ao JC, conta que o Dança TUSP60+ está inserido em um projeto mais amplo que é voltado para formulação de cursos e atividades para o público idosos e é desenvolvido já a algum tempo, inclusive fora da capital. Isso porque, o TUSP também conta com unidades em São Carlos, Ribeirão Preto e Bauru, e, mais recentemente, em 2022, no campus Butantã da USP.
No caso de São Carlos, o projeto de dança teve como resultado, inclusive, um mini documentário que conta com relato das alunas, das idealizadoras e trechos de aulas. Essa atividade em específico se deu de maneira online, pois aconteceu em meio ao momento mais agudo do período de distanciamento social devido à Covid-19. O roteiro é de Claudia Alves, Fabiana Granusso e Renan Azevedo; e edição de Renan Azevedo. A produção pode ser acessada aqui.
Antes da dança, duas iniciativas, uma dedicada à leitura pública de textos e outra à prática teatral, foram desenvolvidas. A primeira era destinada a um público mais amplo, apesar de integrar o Programa Universidade Aberta à Terceira Idade.
Já a segunda, Teatro TUSP 60+, foi destinada exclusivamente a esse público e, por ter acontecido em 2021, foi feita de maneira remota. Como resultado de seis meses de trabalho do curso de teatro, foi produzida a experiência virtual “397 Dias em Silêncio: Título Provisório”. A criação cênica remete ao pesar – somando-se todos os minutos de silêncio a cada óbito – frente à dor em respeito às famílias enlutadas e de modo a refletir sobre o contexto da pandemia de Covid-19 e os óbitos deixados.
O expressar pelo corpo
A proposta da dança no Centro Universitário Maria Antônia surge como uma possibilidade de migrar da dramaturgia da palavra para a dramaturgia do corpo. Para o primeiro módulo, foi escolhido o balé, como forma de desde o início do projeto iniciar uma desconstrução de fato sobre quem pode praticar a dança e seus inúmeros estilos. Na visão de Otacílio, trata-se de uma iniciativa de ocupar “esse código de dança, para a gente desconstruir a leveza, entendendo que é o estar mais leve para você, é buscar a leveza possível desses corpos de 60 anos.”
A proposição desses cursos, inclusive de dança, também tem o objetivo de trazer uma ocupação, inclusive pela população acima de 60 anos, do espaço do TUSP em algo vivo e que está em constante transformação. “[É] passar a agregar um valor sensível e um valor simbólico a esse espaço, porque o valor simbólico ele já existe, é a guerra da Maria Antônia do TUSP”, diz o agente cultural. “Muitas delas vivenciaram, estiveram aqui, mas para quem não conheceu, quem não é dessa cidade, o valor simbólico daquele prédio torna-se o espaço em que eu fiz balé, algo que elas nunca mais vão esquecer.”
Dança para acordar os sentidos
Nas aulas do 2º módulo, o objetivo tem sido explorar movimentos soltos, no intuito de destensionar e buscar uma liberdade maior do que no módulo anterior de balé clássico.
O segundo módulo que está em curso até o dia é ministrado por Paula Salles, mestre em comunicação e semiótica pela PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), especialista em estudos contemporâneos em dança pela UFBA (Universidade Federal da Bahia), bacharel e licenciada em dança pelo Instituto de Artes da Unicamp. A professora conta que ao longo de sua carreira trabalhou sobretudo com turmas de crianças e com jovens que já haviam tido algum contato com a dança ou já pertenciam ao meio.
Nesse sentido, ministrar as aulas no TUSP tem sido um “super desafio, porque demanda entender como trabalhar o que eu tenho para oferecer, o modo que isso vai ser pensado e como equalizar a aula, então pensar como decupar mais cada movimento, por exemplo”. Paula ainda ressalta: “[As aulas] também estão exigindo de mim um um outro olhar pro meu corpo, o que é muito legal, porque ele também está envelhecendo, e isso é interessante para compreender também como ele vai se comportando e de que maneira vai assimilando coisas novas.”
Suzana Herford é uma das alunas que participou do Módulo I e agora também participa do Módulo II da atividade. Ela relata: “Eu tinha tido contato com a dança como criança, mas aí depois eu não pude continuar e era um sonho voltar “. Suzana ainda conta que, quando criança, fez dança contemporânea e nunca teve contato com o balé clássico. Ao fazer o primeiro módulo, percebeu a diferença na rigidez do estilo, mas comenta que achou “interessante porque resgata algumas coisas do seu corpo que talvez pela idade você tenha perdido, como o equilíbrio.”
Já no segundo módulo, Suzana comenta que se trabalha com uma proposta completamente diferente: movimentos mais soltos, o sentir do corpo. “Resgata outras coisas do seu corpo. Acho que não tem nada a ver com a idade mesmo, às vezes a vida tensa que a gente tem e acaba não percebendo que a gente tá maltratando o próprio corpo.”
Dança TUSP60+ como parte de um projeto de cultura e extensão da Universidade de São Paulo evidencia, também, um dos papeis que a universidade e a universidade pública assumem historicamente e no presente. Trata-se de uma possibilidade de diálogo e integração daqueles que não estão na Universidade, mas que podem usufruir de seus produtos culturais, científicos e sociais. “A gente tem que propiciar essa sensibilização porque as pessoas são alienadas da cultura, do seu corpo e não porque não são sensíveis. Elas não tiveram um estímulo, que é um estímulo que passa por políticas públicas, que funcione uma possibilidade de permanência de continuidade”, comenta Otacílio.
A população brasileira tem envelhecido cada vez mais. Pensar na qualidade de vida das pessoas idosas é extremamente significativo para o presente, mas também para o futuro das próximas gerações. No entanto, é importante olhar para essas pessoas não com fragilidade, mas sim enxergá-las na potência que possuem. Otacílio Alacran ressalta: “É uma população que tem uma história e que tem domínio, por exemplo, daquilo que a gente tem tido menos contato, como a comunicação, a narrativa. Essas pessoas têm histórias para contar.”