Bandejões da USP têm ausência de peixe na dieta e indicação discreta em seus cardápios

Análise do ‘JC’ constata predomínio de carne bovina nos restaurantes universitários da capital, que pecam na sinalização para alérgicos e intolerantes

por Diogo Leite, João Dall’ara e Murillo César Alves

Restaurante Central da USP serve mais de um milhão de refeições por ano. Foto: Fernando Cardoso/JC

Como os estudantes se alimentam na principal universidade da América Latina? O JC analisou, de 13 de março a 2 de abril, quais as opções oferecidas por cada um dos restaurantes universitários (RUs) da capital paulista — financiados pela USP. Na análise, dois pontos negativos: a ausência de peixe e valores calóricos acima dos níveis recomendados para uma refeição.

Os RUs da USP são, para alguns alunos, a única opção de alimentação no dia, ao preço de R$ 2,00. Os “bandejões” oferecem refeições completas, com carboidratos, proteínas, salada, acompanhamentos e sobremesa, além de opções vegetarianas, como lentilha ou PVT para substituir a carne. A Universidade disponibiliza, a cada semana, o cardápio de todas as unidades em seu site.

A USP conta com 17 bandejões entre seus campi. Somente na Cidade Universitária há quatro restaurantes: Central, Químicas, Física e Prefeitura. Cada um com um cardápio diferente. Os Restaurantes Universitários da Pró-reitoria de Inclusão e Pertencimento (PRIP) servem cerca de 20.000 refeições por dia, incluindo café da manhã — servido nos Restaurantes Central da EACH e da Faculdade de Direito —, almoço e jantar.

Qual o mais calórico?

Valor calórico médio por refeição nos RUs. Foto: Arte/JC

De acordo com o Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT), criado pelo governo brasileiro em 1976, visando melhorar a saúde nutricional dos trabalhadores, as principais refeições diárias, como almoço e jantar, devem conter de 600 a 800 kcal. Admite-se um acréscimo de 20%, cerca de 400 kcal, em relação ao Valor Energético Total (VET) de 2000 kcal por dia.

Nos bandejões da capital, os dados variam em cada unidade: no período analisado, a Enfermagem apresenta os maiores valores, com média de 1219 kcal por refeição, enquanto a FSP tem os menores índices — 878,25 kcal. Sem admitir o acréscimo de 20%, todos os bandejões da capital teriam seus níveis acima dos adequados. Em média, nas oito unidades dos restaurantes, os valores são de 972 kcal por refeição.

Proteína bovina em alta

Frequência dos tipos de proteína animal nas refeições dos RUs. Foto: Arte/JC

Prato principal, proteína ou mistura. Independentemente do nome, a opção de carne em uma refeição é o diferencial para alunos, professores e funcionários escolherem entre bandejão X ou Y, a fim de gastar seus preciosos R$ 2,00. Mas quais são as opções em cada RU? Segundo o levantamento do JC, cada unidade da capital segue uma mesma tendência: um domínio de proteína bovina no cardápio (46%).

Frango e proteína de origem suína são outras opções com bastante repetição: 41% e 11%, respectivamente. Entretanto, há um alimento que, no intervalo analisado pela reportagem, ficou “esquecido” nos cardápios: o peixe. Apenas os restaurantes Central, Saúde Pública e Enfermagem apresentaram a proteína à disposição de seus clientes — cerca de 4%.

“Alguns peixes são fonte de gorduras benéficas ao nosso corpo. Sardinha e salmão fornecem ácidos graxos ômega-3, considerados essenciais, pois nosso corpo não é capaz de produzi-los”, explica Carol Von Atzingen, doutora e mestre em nutrição pela USP. “Eles apresentam outras funções, como o desenvolvimento adequado do cérebro, da retina e também efeitos anti-inflamatórios.”

O que falta nos RUS?

Em alguns aspectos, os bandejões da Cidade Universitária deixam a desejar, se comparados a outros RUs da USP — tanto no interior quanto na capital paulista. Um dos problemas mencionados por estudantes ao JC é a ausência de indicação dos ingredientes que compõem o cardápio.

A unidade da Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” da USP (ESALQ), em Piracicaba, tem indicações importantes para pessoas que possuem alergia a determinados componentes presentes nos alimentos. O cardápio do bandejão destaca se há a presença de glúten e lactose em cada item de uma refeição; o mesmo não ocorre na Cidade Universitária.

Cardápio da ESALQ indica alergênicos presentes em cada alimento. Foto: Reprodução/ESALQ

“Eu já deixei de pegar alguns alimentos no RU por não ter certeza se tinham leite em sua composição”, relata Beatriz Lopomo (21), estudante de jornalismo e intolerante à lactose.

A falta de indicação também é um problema para Giovana Galhardo (21), estudante de turismo, que tem doença celíaca, condição autoimune causada pela intolerância ao glúten. “É muito genérico o jeito que eles colocam no cardápio. Se você tem uma restrição, fica com insegurança”, comenta.

Entre os campi da capital, o restaurante da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) se destaca pela variedade presente nas refeições. Enquanto os da Cidade Universitária possuem apenas uma opção de doce ou fruta, o da zona leste apresenta diversas opções de sobremesa aos seus alunos, professores e funcionários.

Procurada pelo JC para explicar as questões levantadas pelos estudantes e expressas nos gráficos, a Divisão de Alimentos da USP informou que são disponibilizados aos usuários, ao lado da catraca de acesso aos refeitórios, os itens do cardápio e os ingredientes utilizados na preparação de cada refeição. No entanto, a Divisão alega ser inviável, do ponto de vista operacional, discriminar a composição dos ingredientes de origem industrializada, tendo em vista a grande variedade de ingredientes utilizados.

Orçamento

Os bandejões são uma das diversas políticas de pertencimento da USP. Por meio de subsídios , as refeições são barateadas, mas essa ação tem um custo. Conforme a proposta orçamentária da USP para 2023, são R$ 58 milhões para suprir as despesas dos RUs. Desde o último ano a PRIP (Pró-Reitoria de Inclusão e Pertencimento) é responsável pelos bandejões nos campi da capital, enquanto em outras regiões eles ficam a cargo das prefeituras locais.

Em 2019, só o restaurante Central foi responsável por servir mais de 1,3 milhão de refeições. Segundo a Associação Brasileira das Empresas de Benefícios ao Trabalhador (ABBT), o custo médio de uma refeição em São Paulo é de R$ 43,27 — mais do que 20 vezes superior ao valor cobrado nos bandejões.