Qual cor de pele devo ter para que minha carreira seja ilustre?

Evento com egressos na Semana de Recepção de 2023 recebe crítica por ausência de negros; organização fala em rever critérios

por Guilherme Castro

Arte: Guilherme Castro/JC

Reunidos em um palco modesto, em cadeiras confortáveis e sob a luz média dos holofotes, para não ofuscar a importância que lhes é de direito, inúmeros personagens memoráveis: cineastas, radialistas, atrizes e atores, repórteres e fotógrafos.
Todos egressos de uma mesma Casa do Saber, e com semelhanças muito palpáveis. Seria o sucesso no ramo em que escolheram atuar uma constante? Sim, mas há outra coincidência: o tom de pele. 

Não, sua carreira não é ilustre. Se você for negro, é claro. Esta é a mensagem extraída do evento Ex-Ecanes Ilustres, uma das ações da Semana de Recepção da Escola de Comunicações e Artes (ECA) em 2023.

Ilustração Ex-Ecanos Ilustres
A disparidade na representação é herança de um passado excludente da universidade. Ilustração: Guilherme Castro

O evento anual, destinado aos novos ingressantes, apresenta as oportunidades possíveis dentro da universidade — seja na graduação, na pesquisa e extensão, em empresas juniores, intercâmbios, ou ouvindo de ex-alunos que obtiveram sucesso em suas carreiras. 

As atividades deste ano começaram no dia 13 de março e se encerraram no dia 17. Ao longo dos dias, uma ação em particular chamou a atenção de parte da comunidade acadêmica: a seleção de personalidades ilustres não apresentava pessoa negra alguma.

O desfalque não passou batido. Gerou questionamentos nas redes sociais da instituição. O levante mais expressivo se deu por parte do coletivo negro da ECA, a Opá Negra, que publicou uma nota contestando o déficit de pessoas racializadas no evento. Em parte do texto o grupo indaga: “qual mensagem um evento que se propõe a ser acolhedor passa aos bixes negros? Quando eles não se veem representados, nem ao menos em um momento de boas-vindas”.

Qual o histórico da Universidade de São Paulo e onde estão os egressos negros?

Eunice Prudente, professora da Faculdade de Direito da USP, relata que essa disparidade na representação é herança de um passado excludente da universidade, que valorizava a meritocracia na academia e não exercia a equidade necessária. Dessa forma, os quadros de egressos negros foram e continuam sendo, naturalmente, escassos. 

Mas a situação vem mudando. “Com políticas afirmativas na USP, já temos resultados, que é a excelência e a participação desses alunos cotistas”. Isso significa que, embora em menor número, profissionais negros ilustres oriundos da Universidade de São Paulo existem. No caso da ECA, pode-se citar o ilustrador Marcelo D’Salete, vencedor do Prêmio Jabuti de Histórias em Quadrinhos, ou Naruna Costa, atriz conhecida por seu papel como Lila, na novela Todas as Flores, do serviço de streaming Globoplay.

A organização do evento afirma que só recebeu três sugestões, dentre elas Clayton Nascimento — melhor ator pelo trigésimo terceiro Prêmio Shell. Nenhuma foi incorporada ao casting final.

Em nota ao Jornal do Campus, o grupo expressa que medidas já estão sendo tomadas para que nada parecido aconteça no próximo ou em outros anos. “Além de estarmos trabalhando para oferecer uma segunda mesa mais diversa, também planejamos usar nossas redes como um espaço para ampliar outras vozes”, contam. Eles acrescentam que estão considerando maneiras de dar mais visibilidade e alcance ao processo seletivo da gestão anual, para que a diversidade comece dentro da própria organização. A escassez de pessoas negras conduzindo o evento pode explicar a curadoria de convidados pouco abrangente. 

Eunice Prudente destaca que um direcionamento razoável, similar ao que acontece na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, seria a instalação de uma diretriz oficial promovida pela instituição: os eventos só seriam passíveis de realização caso cumprissem um percentual fixo referente à diversidade.

Celso Eduardo Lins, vice-presidente da Associação de Docentes da Universidade de São Paulo (Adusp), complementa que uma alternativa possível para evitar a falta de representação é a criação de uma rede de apoio entre discentes, docentes e demais profissionais da USP. Através dessa coalizão, seria mais fácil elaborar políticas públicas de e para pessoas racializadas, com profissionalismo e eficiência.

A Opá Negra tem posicionamento parecido. De acordo com a entidade, ter um espaço de acolhimento e de reconhecimento é essencial para que se prolongue a vivência dos estudantes dentro da Universidade.