Militante na defesa dos direitos das mulheres, ex-aluna da USP se reelegeu para a Câmara Federal com 226 mil votos
por Gabriele Koga e Murillo César Alves
Há uma forma certa para se “fazer política”? Para Sâmia Bomfim (PSOL), deputada federal, “a vida real guia a atuação de seu mandato”. A cada duas semanas, a parlamentar deixa seus afazeres no Congresso Nacional, em Brasília, e retorna a suas raízes na militância, em São Paulo.
Entre os bairros da Pompeia, Barra Funda e Água Branca, na zona oeste, Sâmia trabalha em um modesto sobrado amarelo. Típica construção do século 19, a Casa das Mulheres é um espaço para ensino e debate, abrigando movimentos da esquerda brasileira. No local, há referências à vereadora Marielle Franco, voz ressonante pelos direitos humanos, assassinada em 2018, à Rosa Luxemburgo, fundadora do Partido Social-Democrata da Alemanha, e obras dos teóricos Karl Marx e Friedrich Hegel.
Em seu escritório, as palavras “futuro” e “coragem” em papéis coloridos fazem referências à sua trajetória. Natural de Presidente Prudente, interior paulista, Sâmia se mudou para a capital em 2007 e iniciou sua vida política durante a graduação em Letras, na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP.
Nesta entrevista ao JC, a deputada relembra sua passagem como aluna na USP, as dificuldades em ser mulher e mãe no cenário político e detalha expectativas do seu futuro profissional.
JC: Sâmia, hoje você é uma das principais lideranças do Brasil. Em qual momento iniciou seu contato com a política?
Sâmia: Eu me identificava como alguém de esquerda no Ensino Médio, mas não tinha tanta clareza do significado. Foi na USP que comecei a entender o que era a participação política. Antes, eram concepções criadas a partir de leituras de vida. Tinha 17 anos quando vim para estudar e trabalhar, mas me encantei pela política na Universidade. Conheci um mundo que, na minha realidade, não tinha possibilidade de conhecer.
JC: E quando você percebeu que era o momento de avançar além dos movimentos da USP?
Sâmia: Em 2011, quase no final da graduação, me filiei ao PSOL, porque achei que a militância universitária tinha que ser expandida. Depois, participei do movimento de trabalhadores da USP, já que sou servidora licenciada e, então, tive a tarefa feminista de articular coletivos. Toquei essa pauta no setorial de mulheres do PSOL e me elegi como vereadora em 2016.
JC: Quando se lançou como candidata à Câmara dos Vereadores, quais foram os principais desafios?
Sâmia: A primeira campanha foi sem um tostão. Eu bati na porta dos meus professores para passar o chapéu e pedir ajuda. Naquele tempo, ninguém me viu na televisão. Fui a menos votada dos vereadores e cheguei lá. Hoje, tenho mais estrutura e sou mais conhecida. Na época, isso era um em um milhão. Não tinha grandes poderes, mas tive uma equipe que batalhou pela ‘brecha da brecha’.
JC: Você, recentemente, se tornou “mãe de primeira viagem”. Como é conciliar o trabalho com os cuidados com o Hugo?
Sâmia: Com o meu trabalho e do meu marido [o também deputado federal Glauber Braga] na Câmara, a gente se reveza para cuidar dele. Às vezes, o Hugo vem para São Paulo, outras fica em Brasília. Começamos a criar um planejamento melhor neste ano, porque no ano eleitoral é difícil ficar longe de São Paulo.
JC: Quais experiências o nascimento do Hugo trouxe?
Sâmia: Eu tinha uma necessidade política de estar aqui presente na base. Sempre gostei de fazer política assim: olho no olho, pé no chão. O que guia a atuação do nosso mandato é a vida real. Tudo isso me faz refletir sobre a realidade da mulher-mãe no mundo do trabalho. Hoje, falo com condição financeira para me organizar e que, com exceção das sessões fixas e comissões, consigo isso, mas nem todo mundo é assim. A realidade da mãe trabalhadora é que metade sai do mercado de trabalho e, um ano depois de ter filho, a maioria não tem vaga na creche. O trabalho não está preparado para isso e a política também não tem estrutura. Nós temos sessão até de madrugada. Muitas mães estão na política e desistem.
JC: Em 2020, você foi pré-candidata do PSOL à prefeitura da cidade, já como deputada em Brasília. Pensa em se lançar como opção para 2024?
Sâmia: Não por ora. O Guilherme Boulos está em um momento forte e consolidado. É o melhor nome para as eleições. A vitória, caso consiga apoio do PT em sua chapa, é provável, mas acredito que o partido queira lançar sua própria candidatura ao executivo. O mais importante é construir um contraponto ao Ricardo Nunes. A gestão é ruim. Vou fazer de tudo para que o Boulos seja eleito.
JC: Quando você relembra sua caminhada, qual é a lição que fica?
Sâmia: Eu não achei que fosse virar deputada. Queria ser professora e seguir a carreira acadêmica. É muito doido quando me dou conta, porque foi muito rápido. Tenho a responsabilidade, como mulher jovem, de puxar outras para a política, caso tenham disposição. A nossa presença na política faz temas cotidianos terem mais representação.