Com homenagem a musicistas, Osusp tenta combater preconceito de gênero na música clássica

Ainda minoritárias, mulheres ganham mais espaço no corpo das orquestras sinfônicas e no papel de regentes

por Fernanda Real e Murillo César Alves

Na configuração atual, a Osusp conta com regente fixo e um grupo de 37 músicos, sendo 28 homens e 9 mulheres. Foto: Murillo César Alves/JC

A música clássica foi criada por homens, desenvolvida numa época em que as artes eram reservadas ao universo masculino. O fato se sucedeu até 1930 Naquele ano, a holandesa naturalizada norte-americana Antonia Brico foi pioneira na condução da Orquestra Sinfônica de Berlim. 

Até hoje, a admissão de mulheres em orquestras é bem custosa,  principalmente se levarmos em conta os cargos de regência. Há poucos dados sobre o assunto, mas de acordo com levantamento de 2013, feito pela League of American Orchestra, há uma maestrina para cada 21 homens nas orquestras dos Estados Unidos.

A Orquestra Sinfônica da Universidade de São Paulo (Osusp) não foge à tendência mundial. Ainda que já tenha tido regentes mulheres à frente da sua filarmônica, há uma prevalência masculina nos papéis de liderança. “Isso é decorrência da nossa história, as mulheres não tiveram o mesmo incentivo”, aponta Eliane Tokeshi, vice-presidente do instituto. 

Mas os espaços já começam a ser ocupados, com maestrinas como Ligia Amadio e Alejandra Urrutia nos palcos, liderando a sinfônica da Universidade, em ciclo especial: “Esculpir o Tempo”.

Tradicionalmente, o estudo da música foi, para mulheres, uma forma de aprender a tocar os instrumentos, como o piano, dentro de suas casas. Entre os séculos 17 e 20, seria uma maneira de musicalizar o lar – porém raramente levavam seus dons para fora de residências. 

“Ao longo da história tivemos maestros com postura autoritária, vaidosos. Não há mais espaço para isso na música clássica ou à frente das orquestras”, comenta Eliane. Ela destaca que muitos destes corpos musicais têm autonomia para escolher seus regentes. A prioridade, hoje, é para os conhecimentos artísticos – e não para a postura rígida.

Sinfônica da USP 

A Osusp possibilita o protagonismo de mulheres na música clássica com a elaboração de concertos e ciclos que homenageiam grandes musicistas. “Em setembro, teremos um programa inteiramente dedicado a obras de compositoras. Na orquestra, a união de gêneros tornará estas obras ainda mais valiosas”, conta. Algo semelhante já havia acontecido em 2022. A vice-presidente, muito por causa dessas medidas e políticas, vê uma melhora no campo musical. “Temos musicistas do sexo feminino tendo destaque no cenário internacional.”

“As mulheres têm estudado, tido mais oportunidades e se inserido no ambiente orquestral cada vez mais nos últimos anos”, afirma a vice-presidente. Para ela, as concepções de hierarquias nas novas gerações foram fundamentais para tentar derrubar estes estigmas na música clássica. “Estamos tentando chegar a um mundo em que não existam espaços para discriminações no meio.”

Alejandra e Ligia 

Como parte ainda minoritária na regência de orquestras, Ligia Amadio, 58 anos, iniciou sua carreira na música relativamente cedo, aos cinco anos de idade. De 2009 a 2011, foi a maestra à frente da Osusp, mas também ocupou a direção da Sinfônica Nacional (de 1996 a 2009) e a Sinfônica da Universidade Nacional de Cuyo, na Argentina. Carreira extensa de honrarias, com uma coletânea que reúne onze álbuns. 

Mesmo com tanto prestígio, ela ainda precisa se prender a um repertoire majoritariamente masculino, se não fosse pelo pioneirismo de Cécile Chaminade. A compositora e pianista francesa é descrita como parte do “romantismo tardio” na música clássica. Como ela, Lígia teve protagonismo na dispersão da música clássica no meio feminino: “É uma responsabilidade muito grande, porque atrás de mim vem outras. Espero que seja diferente para elas.”

Alejandra Urrutia, 47 anos, é chilena, estudou violino e regência na Universidade de Michigan, Estados Unidos, e já teve a oportunidade de levar seus dotes na condução para diversos países. Atuou principalmente na América Latina, Europa e América do Norte, destacando-se nas Sinfônicas de Paris, National Arts Centre Orchestra, no Canadá, e na Orquestra Sinfônica Nacional da UFF. 

Foi laureada com um Prêmio Mahler em 2021, com o desenvolvimento dos projetos no Chile: o Grande Concerto para a Confraria; e o Festival da Academia Internacional de Música de Portillo. Só que um nome de respeito, condecorações e prêmios ainda não são o suficiente para naturalizar os holofotes de um anfiteatro e uma orquestra de músicos sob o comando de uma mulher. 

Para elas, o desconhecimento das artistas é o principal fator para o baixo alcance de mulheres no mundo da música clássica. “Ainda precisamos de mais visibilidade, porque a visibilidade te dá mais oportunidades”, salienta Alejandra. O discurso que fica, porém, é o de insistência: “Eu diria a você que o mundo da música clássica é lindo. Requer muita dedicação, amor e perseverança, mas ao fim do dia, vale a pena.”