Após 8 dias de ocupação, alunos da EACH e Reitoria firmam acordo. Veja a situação da Unidade em números

USP Leste foi ocupada por alunos em protesto contra a falta de professores e mudanças no PAPFE; levantamento do JC mostra que Unidade recebe baixo investimento por aluno

por Diogo Leite

Cartazes da ocupação seguem no prédio “Titanic”, da EACH. Foto: Diogo Leite/JC

Entre os dias 20 e 28 de junho, alunos da Escola de Artes e Humanidades da USP (EACH) ocuparam o prédio principal do Campus, na Zona Leste de São Paulo. Contratação de professores e ajustes no Programa de Apoio à Permanência e Formação Estudantil (PAPFE) foram as principais reivindicações. O JC já mostrou os problemas que o PAPFE tem enfrentado desde sua reformulação, no início deste ano, e a falta de professores no curso de Obstetrícia, que funciona na EACH. Após acordo com a Reitoria, que prevê antecipação de vagas para docentes e reavaliação das solicitações do PAPFE, o prédio foi liberado. Segundo levantamento realizado pelo Jornal, a unidade tem um dos maiores índices de alunos por professor e um dos menores investimentos por estudante da USP.

Quem é a USP Leste?

Criada em 2005 para atender a periferia de São Paulo, a EACH, que constitui o campus USP Leste, é uma das mais novas unidades da Universidade. É também o Instituto com mais alunos pretos, pardos e indígenas, que somam cerca de 36% dos 4.692 estudantes de graduação — no total da USP, essa proporção é de 22,7%. Hoje, ela oferece 11 cursos de graduação, com 1.020 vagas por ano.

Na EACH, cerca de 22% dos estudantes são beneficiários do PAPFE (na Universidade como um todo, apenas 15,4% são contemplados com o auxílio). Até o final do ano passado, os alunos da EACH recebiam um benefício exclusivo, o Apoio Transporte, que agora foi unificado aos outros auxílios do programa. De acordo com o manifesto dos alunos da Unidade, essa unificação, que eles consideram prejudicial, foi uma das razões para a ocupação.

Os números refletem o fato de que a USP Leste é o único campus periférico da Universidade, criado justamente para atender uma região da cidade cuja necessidade de instituições de Ensino Superior, segundo o estudo que determinou a fundação da EACH, é “por demais conhecida”.

“Uma USP de segunda categoria”

Para Eduarda Rodrigues, representante discente do curso de Obstetrícia, a Reitoria trata a EACH como uma “USP de segunda categoria”. Ela conta que as lutas por melhores condições de estudo no Instituto, em especial pela contratação de docentes, são uma marca da Unidade desde sua fundação. Em 2008, o JC já noticiava protestos de estudantes da EACH, que já tiveram que lidar com problemas que iam da interdição do Campus à não regulamentação de suas profissões.

Um levantamento do Jornal do Campus, com dados do Anuário Estatístico da USP, mostra que a EACH tem o sexto maior índice de alunos por professor na USP. Para cada docente, existem cerca de 24,4 estudantes. Na universidade como um todo, o valor é de 11,7. 

Entre 2019 e 2022, o número de alunos de graduação na EACH cresceu cerca de 5%. Em contrapartida, o número de docentes caiu 4,9%. Segundo Eduarda, o quadro leva a uma sobrecarga dos professores: “pelo contrato, os professores deviam se dedicar por oito horas diárias a atividades de ensino. Já tivemos professoras que, com a supervisão de estágios, chegavam a trabalhar 32 horas.”

Ainda segundo o levantamento, o investimento por aluno da Unidade é um dos mais baixos da USP. O orçamento previsto para 2023 é de 29.162 reais por aluno de graduação, o segundo menor da Universidade, atrás apenas da Escola de Engenharia de Lorena (EEL). Perguntada sobre como é definido o orçamento de cada Instituto, a Reitoria respondeu que o mesmo atende às demandas apresentadas pelas próprias Unidades, e que departamentos mais novos, como a EACH, têm menos dotação orçamentária pois gastam menos com servidores inativos (aposentados ou licenciados). Ainda assim, mesmo levando em conta apenas os gastos com pessoal ativo, a EACH tem o quinto menor orçamento entre 42 unidades, com R$ 25.595,85 por aluno. Para a USP como um todo, o valor médio é de R$ 98.625,47.

De acordo com a Reitoria, foram liberadas pela nova gestão 876 vagas de professores para toda a USP. “A distribuição dessas vagas possibilitará à Universidade retornar ao número de docentes de 2014, quando as contratações foram suspensas por causa do desequilíbrio financeiro da Universidade”, afirmou o órgão. Sobre a quantidade direcionada para a USP Leste, a Reitoria diz que o Instituto é quem pode fornecer maiores informações. Até o momento, o JC não obteve resposta da diretoria da EACH.

“A gota d’água”

Eduarda afirma que, desde o início do ano, diante do atraso de cursos por conta da falta de professores e de problemas na aprovação do PAPFE para diversos alunos, os estudantes buscaram muitas vezes um diálogo com a Reitoria, sem sucesso. “Em março, a representante discente do Conselho Universitário leu para o reitor uma carta das estudantes de Obstetrícia, relatando os problemas do curso. Conseguimos o adiantamento de duas contratações, a partir de agosto, mas isso ainda não resolve nossos problemas.”

No dia 16 de junho, o reitor esteve na EACH para o evento “Reitoria no Campus”. Os estudantes pediram tempo de fala durante a visita e, diante da recusa das autoridades, cercaram o reitor, forçando-o a ouvir as reclamações. De acordo com Eduarda, a resposta que os estudantes ouviram foi insatisfatória. “O reitor e a pró-reitora da Prip [Pró-reitoria de Inclusão e Pertencimento, responsável pelo PAPFE] não se comprometeram de fato a lidar com nossas reivindicações. Foi a gota d’água.”

Na semana seguinte, os estudantes aprovaram em assembleia a ocupação do prédio central do campus, apelidado de “Titanic”. Com piquetes de cadeiras barrando as escadas, os alunos se organizaram em comitês para cuidar da limpeza, segurança, entretenimento e infraestrutura da ocupação. Diariamente, assembleias decidiam sobre os atos do dia. “Na primeira noite, cerca de cinquenta pessoas dormiram na EACH, e centenas ajudaram na ocupação”, lembra Eduarda.

A ocupação recebeu o apoio de docentes da EACH, por meio de uma carta aberta, e de entidades como o Sindicato dos Trabalhadores da USP (Sintusp) e a Confederação Internacional de Obstetrizes (ICM, na sigla em inglês), que ressaltou a importância do curso — único no Brasil — e da profissão para a saúde materna.

O acordo

Na tarde em que o JC esteve no Campus da USP Leste, o clima era pacato, com poucos alunos circulando pelos prédios e muitas salas vazias, denunciando a proximidade das férias. Da ocupação, restaram apenas cartazes no centro do “Titanic” e em alguns quadros de avisos.

Cartazes nos quadros de aviso do prédio “Titanic“. Foto: Diogo Leite/JC

Segundo o Conselho das Entidades da EACH, o acordo com a Reitoria, firmado com a visita da Vice-Reitora, Maria Arminda do Nascimento, à Unidade, prevê antecipação de 15 vagas de docentes para o próximo semestre, estágios no Hospital Universitário para alunos de Obstetrícia, reavaliação das solicitações do PAPFE e criação de uma câmara arbitral que reúna a Reitoria e as unidades para definir a destinação dos novos docentes. Também foi firmado o compromisso de uma reunião entre a Prip e alunos da EACH.

Procuradas pelo JC, Reitoria e direção da EACH não se pronunciaram sobre os compromissos firmados no acordo.

Foto: Diogo Leite/JC