Trabalho Infantil é latente no transporte público, apesar de programas de auxílio

O crescimento do trabalho infantil nos trens e metrôs de São Paulo foi visível através do aumento das ocorrências, mas a falta de dados impossibilita um estudo mais apurado

por Beatriz Ferreira

Arte: Beatriz Ferreira/Foto:Pexels

Na procura por crianças que pudessem relatar a rotina de trabalho nos trens, a reportagem do JC encontrou uma mãe pedinte que era acompanhada de seu filho. Uma criança muito pequena e sorridente. Andava pelo trem da linha Diamante da CPTM, coletando trocados sem se desequilibrar.  Um homem chamou por ele e o elogiou: “Que bonitinho! desde cedo ajudando a mãe”.  Perguntou quantos anos a criança tinha, ao que esta respondeu levantando três dedos. Deu-lhe algumas moedas. O homem sentado ao lado responde: “É, mas não é assim que tem que ser, ‘né’?”

Não existem dados oficiais que confirmem o crescimento recente do trabalho infantil nos trens e metrôs. Ainda assim, o aumento das ocorrências são tendência notada por diversos órgãos que se debruçam sobre o problema, como Conselhos Tutelares, o Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA) e a Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social (SMADS). Roberta Tasselli,  gestora da área de Comunicação para o Desenvolvimento da Cidade Escola Aprendiz, que abrange os programas “Criança Livre de Trabalho Infantil” e “Chega de Trabalho Infantil nos Shoppings Centers”, relata a dificuldade de estudar o trabalho infantil nos trens e metrôs hoje. É possível inferir, contudo, que a pandemia de covid-19 tenha sido uma das grandes responsáveis pelo possível aumento, sobretudo pela consequente ampliação da desigualdade social e da evasão escolar. 

O trabalho infantil nos trens e metrôs oferece riscos não somente ao desenvolvimento e à aprendizagem, mas também ameaças à saude física, dado que a criança fica sujeita à mutilação, desaparecimento e ao tráfico de crianças. “Apesar disso, os trens e metrôs seguem sendo uma opção economicamente atrativa por se tratarem de um mercado quase que infinito com a constante circulação de passageiros e a impossibilidade de deixar a ‘loja’ em movimento”, expõe Tasselli. 

Do lado do poder público paulistano, a iniciativa mais recente é o Programa Cidade Protetora. Iniciado pela Prefeitura de São Paulo em junho de 2022, trabalha em parceria com empresas privadas para proteger crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil nos   espaços privados de uso coletivo, como shoppings centers, hipermercados e rodoviárias. Neste ano, o programa põe foco no transporte público. Os indicadores a respeito da eficiência e prestabilidade do Cidade Protetora ainda estão sendo desenvolvidos e em breve serão validados na Semet (Segurança e Medicina no Trabalho).

Originado na cor

Tasselli explica que o comportamento isento ou ainda otimista acerca do trabalho infantil é muito comum. As raízes estão na escravidão, ainda hoje naturalizada, e por esse motivo permanece sendo pouco chocante à sociedade. Ressalta, ainda que mesmo após a abolição da escravatura, as famílias de escravizados não foram indenizadas e tão pouco receberam auxílio para viver de forma autônoma ou através do ganho de receita. 

A Lei do Ventre Livre, de 1871, dava à criança uma falsa liberdade, uma vez que esta permanecia com a mãe em cativeiro até os oito anos de idade e, até os  21, permaneceria na propriedade do senhor, se este a autorizasse. “Um corpo social mergulhado no racismo estrutural pode facilmente se acostumar a enxergar o trabalho infantil como um trabalho digno quando a maioria das vítimas é negra”, afirma. 

De acordo com o Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FNPETI), são as crianças negras as mais encontradas em situação de trabalho infantil, representando 66,1% das vítimas no país. Em São Paulo, segundo dados do Mapa do Trabalho Infantil publicado pela Criança Livre de Trabalho Infantil, 52,4% das crianças e adolescentes, entre cinco e 17 anos, em situação de trabalho infantil são negras. 

Tasselli, acentua a relevância de não abordar o trabalho infantil como crime, considerando que apenas a exploração deste o é. Uma criança em situação de trabalho infantil não deve, de maneira nenhuma, ser tratada como criminosa. O mesmo deve ocorrer com sua família. “Quando as coisas funcionam da maneira correta, a criança é acolhida e toda a assistência lhe é oferecida,  a ela e à sua família, ninguém é criminalizado”. Os órgãos, especialistas e programas, como é o caso do Programa Cidade Protetora, procuram atender às vítimas e inseri-las em projetos de proteção social.