Retenção de alunos e trancamento de matrículas pode ser indicativo de dificuldades educacionais e psicológicas
Por Camilla Almeida e Lorena Corona
“Estava com o curso atrasado e não consegui procurar ajuda dentro da universidade. Cheguei a ter a matrícula cancelada”, relata Edilaine de Macedo da Silva, aluna do curso de Obstetrícia da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da USP. A chamada retenção de alunos é a situação de muitos estudantes que veem o sonho de se formarem ser adiado, por questões psicológicas ou financeiras, por exemplo.
A jovem, que ingressou na EACH em 2017, deveria ter concluído o curso no primeiro semestre de 2021, mas só o completará em 2024. Sua turma se formou em 2022, também com atraso devido a pandemia de Covid-19. Segundo Edilaine, o cronograma de aulas não foi o maior problema. “A questão que me atrasou foi a ansiedade”, afirmou. Como Edilaine contou ao JC, apesar de ter sido informada sobre as políticas de apoio ao aluno, ela não conseguiu dar andamento a sua formação, conseguindo reativar sua matrícula apenas no meio deste ano.
Verônica Emerick, ingressou na Escola Politécnica em 2020. A estudante se transferiu de Engenharia Mecânica para Engenharia Química e teve sua graduação atrasada em um ano devido a mudanças no calendário de aulas, já que o segundo curso detém uma abordagem quadrimestral, o que não acontece com o primeiro. “No final do meu segundo ano, optei por fazer a transferência e enfrentei dificuldades em várias disciplinas, o que resultou em DPs (dependências) em algumas delas”, contou.
O problema não é exclusivo da USP e afeta instituições de ensino superior em todo o país. Uma pesquisa realizada pela Comissão Permanente de Saúde Mental da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) revelou que 59,6% dos trancamentos de matrículas de matérias dentro da Faculdade de Medicina da universidade se dão em razão de sofrimento psíquico.
Outro estudo elaborado pelo departamento de Psicologia Organizacional e do Trabalho Universidade Federal da Bahia (UFBA) com alunos da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) mostrou que a saúde mental dos graduandos afeta diretamente sua situação acadêmica. A comparação com colegas, experiências acadêmicas negativas e a dificuldade de aprender são premissas para a identificação de sintomas depressivos e ansiosos entre os discentes.
Pesquisadora da interface entre educação e saúde, Sylvia Gemignani, professora da FFLCH, diz que a própria ideia de “período ideal” desconsidera os múltiplos fatores que interferem na trajetória do estudante durante a graduação. “O nome já pressupõe uma igualdade de condições. Ele só poderá ser real para aqueles estudantes cujo percurso escolar ou acadêmico tem as condições supostas nas próprias regras e parâmetros da Universidade, que historicamente é uma instituição que tinha uma homogeneidade social excludente”, afirma.
“Além de expandir as bolsas de auxílio financeiro, a universidade deveria estabelecer medidas de suporte para alunos que possuem dificuldades devido a deficiências em suas bases educacionais”
Verônica Emerick, aluna da Poli-USP
Apesar do perfil do estudante universitário ter se tornado mais heterogêneo a partir da implementação da Lei de Cotas e outras políticas de acesso, a professora destaca a manutenção de determinadas práticas que não refletem necessariamente as necessidades desse novo público – como por exemplo, as medidas que privilegiam os alunos que podem se dedicar exclusivamente e de maneira integral aos seus interesses acadêmicos.“Existe uma tendência geral de competição dentro do sistema científico internacional”, diz a professora. “Quanto mais inserida nesse cenário, mais a universidade irá exigir do corpo discente e docente, sobrando menos espaço para compreensão das dificuldades de permanencia”.
Diante desse cenário, a professora destaca a importância das políticas de permanência como instrumento de reparação de desigualdades sistêmicas. “Muitos alunos irão se sentir despreparados para as exigências científicas e acadêmicas de seus cursos. Isso é um problema muito maior e é uma pressão que se instaura nas graduações como um todo. É preciso entender que não basta realizar a matrícula porque é aí que tudo começa”, finaliza.