“Muro na USP é a melhor forma de não resolver um conflito”, diz prefeita do campus

Crítica da segregação espacial, a urbanista Raquel Rolnik defende espaços abertos e ampliação da rede de convivência entre a comunidade universitária

Por Laura Pereira Lima e Danilo Queiroz

Foto: Clarisse Macedo/ JC

Raquel Rolnik é uma figura marcante no prédio da Prefeitura da USP. Com óculos grandes e coloridos, a arquiteta, urbanista e prefeita do campus da capital se recusa a passar pela catraca instalada na entrada do prédio: “Sou muito convicta contra as catracas!”. Em um ato individual de rebeldia, ela opta por entrar pelo acesso lateral, reservado para transporte de carga.

Sua sala, decorada com um grande mapa da Cidade Universitária, reflete o apego que a professora sente pelo campus. É uma espécie de lar desde 1974, quando ingressou na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP. Na entrevista, Rolnik conversa com o JC sobre sua relação com a universidade, democratização dos espaços públicos e projetos desenvolvidos pela prefeitura.

JC: Desde a época da sua graduação até o momento em que assumiu a prefeitura do campus, quais as mudanças mais significativas na Cidade Universitária?

Raquel: Eu estudei aqui no começo do campus, nos anos 1970. Não tinha vegetação. Eu me lembro que, para chegar na FAU, você tinha que andar embaixo de sol ou de chuva. Hoje o campus é um parque, e você pode caminhar na sombra, porque as árvores cresceram. Outra mudança muito importante foi a diminuição no número de carros e maior uso de transporte coletivo e bicicletas, além da implantação das ciclovias e das calçadas acessíveis.

JC: O questionário da PRIP apresentou que a USP, vista como um espaço adoecedor e elitista, mais prejudica do que ajuda a saúde mental dos estudantes. Qual a relação entre os espaços e o bem estar?

Raquel: Olha, eu sou arquiteta. Se eu não acreditar no poder do espaço e do território, eu não vou acreditar na minha própria profissão. E eu posso dar um depoimento pessoal. Quem é estudante da FAU sabe o que significa entrar naquele prédio, que acolhe, que é aberto, que é iluminado. Então, eu acredito que o espaço e a forma como ele é organizado interferem muito na vida e na saúde, tanto física quanto mental. Além disso, é fundamental que as pessoas se sintam seguras. E, ao contrário do que muitos pensam, as pessoas não vão se sentir seguras atrás de muros altos, grades, câmeras, controle de vigilância, mas sim quando estiverem em um espaço permanentemente iluminado, aberto, com muita gente passando.

JC: Você avalia que essa presença massiva de iniciativas de privatização dos espaços na universidade, como as catracas, os muros e os portões, tem desconfigurado a relação do que de fato é uma cidade universitária?

Raquel: Eu venho da FAU, na FAU não tem nem porta, quanto mais catraca. Eu duvido que tenha mais roubo na FAU do que em outros lugares. Deve ter tanto roubo quanto. Mas não dá para ignorar os ataques às propriedade e às pessoas, os sequestros, os roubos de bens, a violência. Acabamos de passar por um governo federal promotor da violência e estamos num cenário socioeconômico de muita concentração de renda, em que tem muita gente numa situação absolutamente precária. Essas pessoas vêem nas formas ilícitas de apropriação uma maneira de sobrevivência. Não dá para fingir que não vivemos isso. Entendo e respeito as demandas por segurança que temos na Universidade, entendo as unidades que têm colocado catracas. Mas eu acho que é possível progressivamente conquistar um espaço público aberto e seguro para todos e todas. Muro é a melhor forma que você tem de não resolver um conflito.

JC:  Quais são os projetos em que a prefeitura tem trabalhado atualmente?

Raquel: Um projeto importante é a criação de dois centros de convivência aqui no campus: um entre a FFLCH e a Química e outro na Praça do Relógio. Finalmente! Serão espaços cobertos, com banheiro, bebedouro, internet, mesas e cadeiras. Neles, você vai poder bater papo, fazer trabalho, encontrar amigos, descansar. Os espaços comuns vão deixar de ser apenas para circulação e se tornar um espaço de permanência e convivência, melhorando a vida no campus, que vai muito além de estudar. Eu vejo o campus como um grande laboratório para pensar o que pode ser a cidade do futuro. A gente tem uma capacidade, aqui, tão grande de formulação de futuro, que é uma pena não aproveitar isso para o próprio campus, na própria casa da gente. Por isso, também vamos dividir as lixeiras em material reciclável e não reciclável. Hoje, não há separação. E vamos implantar na São Remo um galpão de reciclagem e um escritório da USP, para poder tratar da relação da comunidade com a Universidade, as melhorias urbanísticas, principalmente.