Casos recentes na ECA e na FCF evidenciam racismo e estruturas excludentes na escolha de membros dessas entidades
Por Beatriz Pecinato, Júlia Galvão e Raquel Tiemi

Tradicionalmente, o feriado de Corpus Christi registra um evento importante para algumas faculdades paulistas: os Jogos Universitários de Comunicação e Arte, o Juca. Organizado por alunos das 8 faculdades participantes, o campeonato deste ano ficou marcado pela ausência de pessoas pretas e pardas na comissão organizadora da Escola de Comunicações e Artes da USP (ECA), chamada de “Ofício Juca”.
“É impossível determinar quando a ECA irá conquistar o tão sonhado tricampeonato no Juca, mas a grande verdade é que nestes jogos já começamos perdendo”, relata o Coletivo Opá Negra, organização formada por estudantes negros da ECA, em nota de repúdio divulgada nas redes sociais.
O texto aponta que o coletivo recebeu relatos de alunos que se declaram pretos e pardos e que não conseguiram entrar no ofício. A organização apontou que os critérios de escolha “seriam passíveis de questionamentos por toda a comunidade discente da Universidade”.
Em entrevista ao Jornal do Campus, Antônio Misquey, Diretor Geral de Esportes Juca da Ecatlética e membro do ofício, explica que não há um estatuto para a formação da comissão. Porém, antes da pandemia, a escolha dos participantes passava pela seleção de um número maior de pessoas. “Tradicionalmente, havia uma reunião da atlética como um todo para essa escolha. Acredito que não ter feito isso tenha sido o nosso erro”, diz.
A escolha dos membros da comissão foi feita, assim, por pessoas do ofício e não passou pela avaliação da Atlética, processo que poderia evitar a influência de preferências pessoais e a falta de uma visão inclusiva.
Além de membros da gestão, a organização conta com a presença de pessoas que devem fazer parte da direção seguinte – é uma forma de aprendizado das funções. Essa seleção, no entanto, também foi feita pelos membros do ofício.
Dois dias após a divulgação da nota de repúdio, a Ecatlética se pronunciou, em suas redes sociais, pedindo desculpas “pela condução do processo de seleção”, e se comprometendo a promover um espaço mais diverso em todo o âmbito universitário.
Após a resposta da atlética, a Opá Negra, junto com a Batereca e com o Sindicato Aurirroxo, também entidades ecanas, lançaram um pronunciamento em que se comprometeram com a construção de uma torcida antirracista durante os jogos.
Diogo Spinelli, membro da Batereca e do Sindicato, diz que o pronunciamento foi pensado pelas entidades como forma de instituir uma luta contínua. “O processo de inclusão tem que ser ativo e não passivo. Quando você fala que quer incluir mais pessoas, você precisa caminhar para ir ao encontro da inclusão. Não adianta você ficar parado e dizer que está ‘aberto’, principalmente quanto à questão racial. O racismo é um limitador de oportunidades”.
Racismo na Universidade
Esse não é o único caso recente envolvendo uma atlética universitária. Em 7 de março, a Associação Atlética Acadêmica de Farmácia e Bioquímica fez uma postagem apresentando os membros da gestão. A montagem apresentava a presidente como Sinhá “para dar ordens e chicotadas”. A sentença, que faz alusão à época da escravidão, rapidamente foi criticada.
Após o episódio, três pedidos de desculpas foram postados nas mídias da associação, em que lamentavam “reproduzir e praticar o racismo estrutural”. No dia 12 de março, a gestão renunciou, coletivamente, aos cargos.
O Tarja Preta, Coletivo Negro da Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCF), se pronunciou contra a atlética a respeito do caso de racismo. Na época em que o post foi feito, a organização soltou uma nota nas redes sociais repudiando a ação, denunciou a gestão e a entidade para os órgãos da FCF e USP.
A Faculdade publicou ainda uma nota de repúdio às ações, mas os membros do coletivo ressaltaram que, até agora, nenhuma ação foi tomada. A Comissão de Inclusão e Pertencimento da unidade entrou em contato com o coletivo para elaborar atividades que construam pensamento crítico.
O JC conversou com a atual presidente da atlética, Júlia Bicaletto, para entender como está a situação da associação. Ela esclareceu que a entidade buscou contato com o Tarja Preta, coletivo negro da Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCF), na intenção de “construir coisas juntos para realmente mudar esse cenário”. A estudante foi questionada sobre que políticas estariam sendo feitas, mas declarou que “não queremos divulgar nada antes de estar tudo concreto e discutido com eles [o coletivo]”.
Sobre mudanças na formação da atlética, a presidente disse que cinco pessoas pretas e pardas fazem parte da atual gestão, composta por aproximadamente 13 pessoas.
Pertencimento universitário
Casos como das atléticas da ECA e da FCF são exemplos de como a falta de representatividade e inclusão da diversidade impactam o pertencimento de estudantes pretos e pardos na universidade. Susane Petinelli-Souza, pesquisadora das relações sociais, raciais e de gênero no âmbito universitário, explica que, além dos desafios de permanência, esses alunos lidam com questões psicológicas.
“Eles encaram dificuldades emocionais para enfrentar certos desafios no seu dia a dia, como lidar com o sofrimento de não se sentir aceito em determinados espaços ou representado em algumas esferas da universidade”, afirma Susane.
Na Atlética da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH), todos os cargos executivos são ocupados por pessoas negras. “Motomami”, a primeira presidente negra, comenta sobre o pioneirismo no cargo. “Eu escutei bastante de calouros que se sentiram representados e é isso que vai fazer com que outras pessoas pretas enxerguem que elas podem estar lá”, afirma ao JC.
Possíveis soluções?
Para Susane e Motomami, o primeiro passo é integrar representantes de raças, etnias, gêneros e histórias diferentes para pensar em soluções. “Pessoas que vêm dos mesmos lugares e pensam igual não é nada produtivo. Acredito que, com mais diversidade, todos os espaços de decisão organizacionais têm a ganhar”, afirma a especialista.
Na visão de Susane, sejam cotas ou medidas de incentivo, a institucionalização dos mecanismos de inclusão assumem um papel a longo prazo. Considerando que, independente de quem estiver na direção, existirá uma indicação do caminho a ser seguido.