Redução de recursos trava trabalho de campo em disciplinas

Portaria da PRG atribui responsabilidade de financiamento às unidades, que dizem não ter orçamento para as despesas com viagens

Por Camilly Rosaboni, Julia Ayumi e Camila Sales

Foto: Júlia Moreira/JC

Imagine estudar turismo e não poder conhecer destinos fora da cidade, ou estudar geografia e não observar espaços geográficos fora do seu entorno. Cada vez mais, a experiência acadêmica vem se limitando à sala de aula, devido à falta de recursos que financiam trabalhos de campo. Estudantes e professores reclamam que a burocracia aumenta, enquanto a oportunidade de aplicar o conhecimento teórico se reduz, impactando o aprendizado dos estudantes.

A raiz das queixas é uma portaria da Pró-Reitoria de Graduação (PRG), de 19 de dezembro de 2023, que estabelece critérios para as solicitações de recursos financeiros nas viagens didáticas. O texto veta financiamento da PRG para viagens dentro da estrutura curricular dos cursos, atribuindo a responsabilidade às unidades – que, na prática, não conseguem bancar integralmente as despesas.

No Departamento de Relações Públicas, Propaganda e Turismo (CRP) da Escola de Comunicações e Artes (ECA), os alunos de turismo têm, em sua grade curricular, uma disciplina voltada para o trabalho em campo. Consequentemente, são ainda mais prejudicados pelo déficit de recursos. 

“Não tem como a pessoa se formar em turismo, sem ter ido a campo, porque nós trabalhamos com planejamento de roteiros. Então, precisamos olhar a cidade e visitar os atrativos”, afirma Débora Braga, coordenadora do curso de turismo no CRP.

Para Gustavo França, estudante do último semestre de geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH), o trabalho de campo impacta diretamente na qualidade da formação. “Ao estudarmos um tema na sala de aula, a visita ao campo se torna a parte prática para nós, em que as relações entre os elementos que compõem aquele espaço se tornam visíveis e o entendimento fica mais fácil”, explica.

Cada vez mais, menos

Há cerca de 10 anos, estudantes do CRP se organizavam internamente, com seus próprios recursos, para realizar as viagens. A partir da cobrança dos alunos de turismo, a Comissão de Orçamento e Patrimônio (Copa) da USP passou a destinar recursos para o departamento. Em dado momento, a tarefa foi transferida para a Pró-Reitoria de Graduação (PRG), que segue responsável até hoje pela destinação dos recursos. No começo de cada semestre, o CRP envia um relatório, informando datas, destinos e orçamento das viagens à PRG, que aprova ou não. 

A grande questão, apontada por Braga, é a má gestão e a burocracia para se obter os recursos necessários. Segundo ela, nas últimas solicitações, a PRG tem enviado metade dos pedidos – geralmente os mais baratos – com recursos menores que o solicitado. A ECA, por sua vez, realiza pregões, sem a possibilidade de uso direto do recurso, para destiná-lo a uma agência de viagens, o que frequentemente encarece o valor estimado pelo CRP.

“Nós temos feito um planejamento que é todo jogado no lixo, porque vem o financeiro e impõe uma série de restrições e ainda envia metade do recurso sem nenhuma justificativa”, afirma a coordenadora.

Segundo França, da FFLCH, as visitas externas eram comuns no curso, mas isso não está sendo mais possível. “O que [os professores] fazem quando isso acontece é realizar trabalhos de campos em locais próximos e de fácil acesso. Alguns até pagam para [os alunos] que têm dificuldades financeiras”, conta o estudante de geografia.

Dar com a cara na porta(ria)

Segundo Braga, o CRP já completava o valor restante dos recursos enviados pela PRG, mas não consegue disponibilizar a quantia integral. “Ou seja, se o curso exige viagens, o departamento que arque com eles”, ironizou a professora diante da portaria estabelecida pela PRG. 

Natália Patucci, professora do Departamento de Geografia da FFLCH, conta que foram “pegos de surpresa” pelo comunicado, já que a normativa saiu quando o prazo para alterar o programa já havia passado. Para ela, o documento prejudicou a realização de viagens didáticas no primeiro semestre.

A docente é também ex-aluna do curso de geografia na USP, formada em 2011, e considera que, devido à perda das experiências práticas nos últimos anos, “os alunos de agora já não estão saindo bem formados como os de antigamente”.

Além das exclusões, ela também cita outras defasagens nas viagens que permaneceram, como a demissão de motoristas e de equipes de segurança que auxiliavam em trilhas, falta de auxílio financeiro individual para os alunos, remanejamento para locais cada vez mais próximos e a necessidade de reduzir o escopo das viagens para que elas se qualifiquem a receber repasses.