Especialistas analisam as propostas dos candidatos à prefeitura de São Paulo

Por Sarah Kelly*
Embora a USP seja mantida pelo estado, as pessoas que a frequentam também são afetadas pelas eleições municipais. Decisões tomadas pela prefeitura impactam desde a segurança e o deslocamento até o acesso à saúde daqueles que usufruem da Universidade. Além de abrigar aproximadamente 34 milhões de eleitores, a capital paulistana é onde vive a maior parte da comunidade USP – 68% dos alunos de graduação, segundo o Anuário Estatístico de 2023. Considerando a relevância do tema, o JC convidou especialistas uspianos para discutir pontos importantes dos programas de governo dos principais candidatos à prefeitura, disponíveis no site do Tribunal Superior Eleitoral.
Segurança
“Temos que estar sempre em estado de alerta, nunca andar com celular na mão, sempre segurar forte a bolsa. Isso é cansativo, mas você tem que caminhar assim”, relata Giovanna Biazoto, estudante do quarto período na Faculdade de Direito (FD), localizada no centro de São Paulo. A pesquisa Datafolha divulgada no início de setembro mostra que a maior preocupação dos paulistanos é a segurança pública. Saúde e transporte são os outros problemas mais citados. Não é à toa que Giovanna e outros frequentadores da FD estejam acostumados com os cuidados de prevenção de assaltos: em 2023, a região registrou um roubo a cada 30 minutos, segundo dados da Secretaria Estadual da Segurança Pública.
Em junho, o governo Tarcísio celebrou a queda de 50% dos roubos no centro desde janeiro. A área agora está repleta de policiais militares e guardas-civis metropolitanos (GCMs), enquanto na periferia da cidade, durante este mesmo período, os crimes patrimoniais aumentaram. As propostas dos candidatos à prefeitura seguem no mesmo caminho de intensificar o policiamento, prometendo duplicar ou triplicar a quantidade de GCMs. O pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência (NEV-USP) Felipe Ramos alerta para a viabilidade dessas propostas. “A maior parte do orçamento da Secretaria de Segurança Urbana para o próximo ano já está comprometido, e o valor restante é insuficiente para executar os números prometidos.”
Apesar dos dados que indicam diminuição de roubos e furtos, Biazoto, que estuda no período noturno, não se sente protegida para andar tranquilamente à noite. Ela afirma correr da estação de metrô Anhangabaú até a instituição para evitar ser abordada. Alguns dos estudantes ajustam toda a rotina para conseguir andar em grupos. Na Cidade Universitária, a segurança também se tornou um tópico sensível.
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Quanto aos candidatos que garantem o combate ao crime organizado, Ramos alerta: “Os prefeitos têm pouca autonomia. O candidato que diz isso é ignorante ou age de má fé”, e destaca que “os órgãos da prefeitura não dispõem de substratos de inteligência sobre as organizações criminosas”. Contudo, ressalta ser possível agir em outras frentes, como no controle da lavagem de dinheiro, suspendendo licenças no mercado ilegal. “Existem estratégias, mas são limitadas, porque dependem de cooperação com outros órgãos.” Ramos enfatiza que a prefeitura tem mais potencial para enfrentar outras questões, como a Cracolândia, desde que a trate como uma questão de saúde pública.
Mobilidade urbana
Em um momento de emergência climática, é fundamental pensar sobre soluções coletivas para o transporte na cidade. O doutorando da FAU e pesquisador de mobilidade, Daniel Santini, indica que “há perspectivas bastante diferentes em disputa nesta eleição”.
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Autor de um recém-lançado livro sobre políticas de Tarifa Zero, Santini aponta falhas nos projetos que priorizam as rodovias, como a ampliação da Marginal Pinheiros e a duplicação de avenidas. Embora pretendam diminuir o congestionamento, propostas do tipo teriam efeito contrário a longo prazo, pois, segundo o pesquisador, despertariam uma demanda induzida – quanto maior a estrutura, mais veículos passam a circular.
Santini alega que “mais pessoas em veículos coletivos resultam em um aproveitamento melhor de energia, seja qual for o combustível”, e afirma que, mesmo com o uso de tecnologias e combustíveis sustentáveis, manter a proporção de carros e motos que circulam em São Paulo não resolve os impactos ambientais.
De acordo com dados do Infosiga, plataforma de estatísticas do Departamento Estadual de Trânsito (Detran), os acidentes e mortes no trânsito aumentaram no último ano. Isso também têm sido pouco discutido pelos candidatos. “Deveriam focar na preservação da vida, especialmente a de entregadores [que enfrentam incentivos dos aplicativos para serem mais produtivos].” Para ele, essa abordagem é mais importante do que soluções complexas. “Não adianta pensar em carros autônomos, em teleférico ou encontrar soluções pouco ortodoxas. O que a cidade precisa é olhar para as pessoas.”
O pesquisador propõe uma maior integração entre a USP e a cidade. “Temos no horizonte possibilidades de potencializar as conexões”, diz, mencionando o Plano Diretor e o projeto de uma estação de metrô na Cidade Universitária. Frente ao agravamento da crise do transporte coletivo, o pesquisador propõe a reflexão sobre a relação da USP com a valorização do transporte individual: a Cidade Universitária é um espaço marcado por estacionamentos. “Temos uma área dedicada para carros que acaba tornando tudo mais longe. Não tem como eu pensar que São Paulo vai mudar enquanto a principal universidade tiver uma formatação estruturada para tantos carros.”
Saúde
“Eficiência é o grande problema de saúde na cidade”, afirma Giovanni Cerri, professor da Faculdade de Medicina da USP e ex-secretário de Saúde do Estado de São Paulo. Para Cerri, a aplicação de tecnologia – algo presente na maioria das campanhas atuais – deve vir acompanhada de atenção à interoperabilidade de dados municipais e estaduais. Ele explica que essa maior integração deixaria os atendimentos mais rápidos e pouparia gastos com repetição de exames e consultas.
A capacitação profissional, “uma das grandes missões da USP”, segundo Cerri, é outra deficiência da saúde que precisa ser lembrada nos programas de governo. “Não adianta termos a tecnologia se essas pessoas não estiverem qualificadas a utilizar, não adianta termos hospitais e UBS se os profissionais atuando lá não tiverem qualidade.”
Cerri, que já passou pela experiência de gestão pública, reconhece as dificuldades de implantar projetos e políticas. “Às vezes não depende só do gestor”, afirma. “Saúde é um grande desafio num país onde o financiamento é insuficiente. Ou seja, para um sistema de saúde universalizado e generoso como o nosso, temos um gasto por cidadão muito pequeno.” O professor defende ações que priorizem a sustentabilidade do sistema de saúde, com foco na prevenção. Para ele, um dos caminhos seria promover nas escolas a conscientização sobre uma vida mais saudável. “A educação é o grande caminho da transformação da saúde”, pontua.
Em relação ao que o eleitor deve se preocupar, Cerri aconselha a reflexão sobre propostas que representam alguma mudança real, principalmente aquelas que viabilizam o uso da tecnologia e melhoram a jornada do paciente. Porém, alerta que nem sempre as promessas são concretizadas. “Infelizmente, o panorama de campanha é deprimente, mas acho que a nossa comunidade tem que votar de forma consciente e não se omitir em um processo tão importante quanto a escolha dos representantes.”
Como vota a USP?
Antes do primeiro turno, a equipe Estudos de Política em Pauta (EPEP-USP) realizou uma sondagem eleitoral com 1600 alunos de diferentes campi da capital. Harry Paraguai, presidente do grupo, disse ao JC que o objetivo da EPEP é democratizar o conhecimento e aproximar os alunos da política. Com uma taxa de erro de 3% e confiança de 90%, os resultados do estudo mostram que, se a eleição fosse na USP, a vitória seria de Boulos em qualquer um dos cenários em que ele estivesse. Abaixo as motivações que levaram os entrevistados a escolherem cada um dos principais candidatos à eleição:
- Guilherme Boulos: Políticas de Bem-estar Social e Transferência de Renda; Programas de Habitação; Educação Municipal
- Tabata Amaral: Educação Municipal; Políticas de Bem-estar Social e Transferência de Renda; Segurança Pública
- Pablo Marçal: Combate à Corrupção; Economia e Geração de Postos de Trabalho; Segurança Pública
- Ricardo Nunes: Trânsito e Mobilidade Urbana; Economia e Geração de Postos de Trabalho; Voto Útil
Confira os resultados completos no Instagram da EPEP (@epepusp).
*Com edição de Davi Madorra