Crítica à remuneração por produtividade em contratos reacende com debate da escala 6×1

Texto por Paloma Lazzaro*
A Lei nº 13.467, de 13 de Julho de 2017, altera a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) a fim de adequar a legislação às novas relações de trabalho. Essa nova norma ficou conhecida como Reforma Trabalhista e é amplamente considerada como principal ato do governo Temer. Ela veio como resposta a tendências econômicas mundiais e nacionais e, desde então, essa alteração no padrão das relações de trabalho trouxe resultados socioeconômicos diversos. Entre eles, a diminuição da taxa de desemprego, a precarização de contratos, a uberização nas capitais, maior pressão sobre trabalhadores e novas demandas trabalhistas, como o fim da escala 6×1.
Os efeitos da reforma são perceptíveis no cotidiano. Em uma loja de equipamentos eletrônicos da Avenida Vital Brasil, Guilherme, de 21 anos e trabalhador na escala 6×1 por mais de oito horas diárias, conta que “o aumento do salário mínimo valorizou meu trabalho, porém, aumentou muito a cobrança, a demanda. A vida do funcionário CLT ficou mais precária nos últimos anos”. Já em uma perfumaria na mesma rua, Kemilly, de 28 anos, e Lilian, de 26, ecoam a percepção de Guilherme. “Tudo mudou. Comecei a trabalhar 6×1 ao invés de 5×2, o que foi muito difícil para mim”, diz Lilian. Kemilly concorda: “existe uma cobrança mais intensa da nossa parte, de tempo e desempenho. Eles querem muito em pouco tempo, mesmo entregando nosso máximo”.
Contexto
Em 2017, o Brasil estava no terceiro ano da pior recessão econômica desde a redemocratização. Como todos os processos econômicos, a crise de 2014 é multicausal. Uma delas foi o esfriamento da demanda de commodities pelo mercado internacional, sobretudo chinês. “O Brasil é uma ‘pequena macroeconomia aberta’, ou seja, não determina os preços de seus produtos exportados”, explica João Caetano Leite, economista do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da UERJ. “É importante entender que bens importados não são apenas supérfluos. É trigo, máquinas, frutas e bebidas. O aumento do preço de importação, como ocorreu em 2014, gera consequências sociais”.
As raízes de 2014, no entanto, estão em 2008. “Houve uma guinada desenvolvimentista durante o governo Dilma em reação à crise de 2008. Entre as políticas públicas aplicadas, houve a valorização cambial, o aumento tarifário de importação e um investimento público massivo em empresas tidas como ‘campeãs nacionais’, como Camargo Corrêa, Vale e Petrobrás. Esse aumento da dívida pública gerou uma série de problemas, quando combinado com a menor exportação de commodities”, explica Leite.
A crise criou insatisfação generalizada em diversos setores sociais, que foi expressa sobretudo por grupos conservadores entre 2014 e 2015 e que culminou no impeachment da presidente Dilma em 2016. Com Michel Temer na presidência e uma tendência mais direitista no congresso, a Reforma Trabalhista veio com a proposta de atualizar a CLT e reduzir o intermédio estatal nas relações de trabalho
A Reforma
Júlia Lenzi Silva, professora da Faculdade de Direito da USP (FD-USP) e chefe do Grupos de Estudos Direitos Humanos, Centralidade do Trabalho e Marxismo (DHCTEM), pontua a radicalidade da reforma. “A gente pode entender essa lei como estruturante. Saímos de um padrão de relações de trabalho centrado na relação de emprego, que tinha o objetivo de uma sociedade salarial ligada ao próprio projeto constitucional do Estado de bem-estar social. A partir de 2017, houve a legalização de contratualidades expiatórias e precárias. Um exemplo é o processo da ‘pejotização’, nome dado ao uso de contratos PJ em virtude da modalidade CLT. Houve também a legalização da remuneração por produtividade ao invés de remuneração por disposição de tempo, o exemplo máximo é o trabalho intermitente, que não tem garantia de mínimo legal.
A palavra-chave da lei 13.467 foi flexibilização. “Houve alterações muito substanciais não só no direito individual do trabalho, mas também no direito trabalhista coletivo, sindical. Os mais relevantes são o fim da contribuição sindical obrigatória e a ampliação da negociação, tanto coletiva quanto individual”. Julia pontua também que sempre houve a possibilidade de negociação, porém, a lei agia como padrão mínimo. Ou seja, toda a negociação além da lei era permitida, mas nunca abaixo do padrão. A reforma mudou isso, permitindo contratos inferiores.
Para a professora, não se pode, no entanto, atribuir a informalidade e precariedade trabalhista exclusivamente à reforma. “Há o determinante racial nas relações de trabalho no Brasil. Corpos negros e racializados sempre ocuparam postos de trabalho mais precários, com baixa remuneração e sempre foram mais suscetíveis à informalidade e ao desemprego. Isso criou a cidadania regulada, ou seja, a atribuição de direitos civis apenas às pessoas com vínculo empregatício, excluindo justamente o trabalhador racializado, rural e físico”, diz Lenzi.
A Constituição de 1988 mudou esse panorama e prevê o acesso universal ao Estado, que mudou as demandas expressas eleitoralmente. “Historicamente, a média de informalidade no Brasil gira em torno de 50%. Em bons períodos ela chega a 40%, em períodos de crise pode chegar a 58%. Desde a reforma, em alguns lugares como São Paulo a taxa aumentou, principalmente com o trabalho via aplicativo”, explica o economista João Caetano. No momento, a informalidade no Brasil é de 38%. Apesar da reforma, por questões como o modelo agroindustrial e iniciativas fiscais estaduais, a informalidade reduziu em cidades nordestinas e no campo de forma geral. A PEC das domésticas também gerou um aumento na formalização.
Julia alerta: “É importante a gente ressaltar que a reforma não busca a ampliação da cidadania. Aliás, ela dá um salto sem precedentes na legalização de formas mais intensas de exploração”. O trabalho em modelo PJ, autônomo e microempresarial são expressões claras de novas formas ampliadas pela reforma, porém, o próprio trabalho formal sofre algumas pressões desde a mudança conjuntural.
A discussão atual acerca da escala 6×1, ampliada com a disponibilização do varejo aos domingos na década de 2000, é reflexo da intensificação da carga de trabalho. “No regime CLT, se trabalha em torno de 44 e 60 horas semanais, considerando as 2 horas extras diárias permitidas pela lei e tratadas como horas complementares, não extraordinárias, por empregadores. Essa permissão, atrelada à mudança no padrão de remuneração em 2017, faz com que se aumente muito a carga de trabalho e o número de horas trabalhadas”, completa Lenzi.
*Com edição de Marcelo Teixeira