“Estava desempregado quando entrei no curso de lápis de cor”. Assim começou a descoberta do talento de Mário Freire, criador de uma técnica própria de pintura. Nascido em Pernambuco em 1964, desenhava desde criança, mesmo sem o incentivo da família – o pai falava que aquilo não daria futuro.
Em 1986, então com 22 anos, chegou a São Paulo na carona de um caminhão. Só se mudou para a cidade grande pela necessidade de trabalho. “Vim porque precisava. Eu tinha medo do frio, mas agora acostumei e até prefiro viver aqui”. Desde então, trabalhou muito, em diferentes lugares: “Em estatal, em empresa de aço, de turismo… E já fui até servente de pedreiro”.
Dom descoberto
Sem emprego, no ano de 1998, Mário decidiu retomar a paixão da infância. Inscreveu-se em um curso de desenho na biblioteca de Suzano e não demorou nada para o dom se manifestar: em apenas quatro meses de aula foi capaz de desenvolver seu próprio método de colorir com lápis. Aquelas mesmas mãos que fizeram trabalho pesado passaram a dominar uma técnica única de pintura com lápis de cor.
O professor de Mário na época o incentivou com o aprimoramento da técnica e em pouco tempo já estava dando aulas. Mário e seu professor, Pedro Neves, abriram um ateliê em Suzano e trabalham juntos há 12 anos.
Mário Freire também dá aulas em uma escola na Liberdade, em São Paulo. Em uma sala ampla e arejada, com três grandes mesas onde alunos desenham concentrados, ele conta que a pintura com lápis de cor é pouco divulgada no Brasil, e é difícil conseguir patrocínio.
Não descolorirá
O artista faz parte do CPSA (Colored Pencil Society Of America), grupo de artistas de lápis de cor em que membros trocam informações e organizam exposições: “Sou o único integrante da América Latina”. Ele diz que, a cada trabalho que faz, tenta superar o anterior. E apesar do sucesso de seus desenhos, “o que me realiza mesmo são os alunos”.
As obras de Mário já estiveram em 35 exposições, sendo que uma delas foi nos Estados Unidos. Os eventos “Anime Friends” e “Anime Dreams”, que reúnem todos os anos fãs de mangá e anime, contam há 10 anos com a presença do desenhista. Mas Mário não desenha apenas personagens. Ele também ilustra pessoas, reproduz fotografias e faz releituras de pinturas famosas com tanta fidelidade e cuidado que muitos duvidam que use apenas lápis.
“A idéia é trazer a pintura com lápis de cor para o realismo. Uso só papel, lápis colorido e técnica. Não escondo nada. Só escondo por enquanto o projeto que estou desenvolvendo de pintura em 3D”.
Uma obra muito significativa para Mário é a pintura baseada na fotografia de Terje Rakke, que retrata duas mãos se ajudando, uma negra e outra branca. Esse desenho foi feito para a exposição “Negro Sim!”, que ocorreu no Centro Cultural de Suzano no ano de 2007.
As obras levam até um ano para ficarem prontas, já que a técnica exige muito do artista e ele divide o tempo com as aulas que ministra. Por esse motivo, não aceita encomendas, e as repassa para os alunos.
Assintura escondida
Todas as pinturas de Mário Freire possuem, além de sua assinatura convencional na parte inferior do papel, uma outra marca do desenhista, o número 11:11. Ele camufla a marca de tal forma que é preciso procurá-la com extrema concentração para enxergar.
Quando questionado sobre o motivo da presença de tais números, os alunos, que até então desenhavam concentrados, levantam a cabeça para ouvir a história do professor: “sabe o filme A origem? Então, eu já tive um sonho dentro de outro sonho e via um relógio que marcava 11:11. Isso foi no início dos anos 1990 e desde então esse número me marcou. Sempre coloco escondido nos desenhos”.
Artista na USP
Essa assinatura camuflada será a temática de um desafio que Mário irá propor aos visitantes de sua exposição na SAPO (Semana de Arte da Poli) de 2011. Ele estará no dia 27 de outubro (quinta-feira) na Escola Politécnica como um dos artistas convidados da mostra. “Vou expor meus quadros e ao mesmo tempo ficarei pintando um desenho ao vivo. No final do dia vou sortear esse desenho para a pessoa que encontrar dois “11:11″ escondidos na releitura que fiz de um dos quadros de Jan Van Eyck”.
Por mais impressionantes que sejam as pinturas, Mário deseja se superar: “quero mais, quero alcançar o hiper-realismo, em que até eu duvide que foi feito a lápis”.
As obras de Mário Freire podem ser vistas no site do artista.