O Bixiga e Cidade Tiradentes são bairros paulistanos que abrigam vários artistas, grupos musicais, dançarinos, contadores de histórias e coletivos. As duas regiões, a primeira no centro e a segunda no extremo leste, fizeram parte de dois mapeamentos que tentaram retratar a diversidade cultural das duas regiões. Participantes relataram descobertas, aprendizados e também dúvidas acerca do processo e da real apropriação dos conhecimentos revelados.
Em Cidade Tiradentes
O primeiro mapeamento foi realizado em Cidade Tiradentes e foi concretizado pela ONG Instituto Pólis, sob coordenação do poeta e diretor do Instituto, Hamilton Faria. A metodologia foi a antropologia compartilhada, em que os moradores têm total participação e opinião em todo o processo. Moradores-pesquisadores foram contratados para registrar as diferentes manifestações que acontecem no bairro, retratadas no Mapa das Artes de Cidade Tiradentes. Jailson da Silva, conhecido como Bob Jay, antigo MC do grupo de Rap RDM foi um dos pesquisadores. “Quando vamos falar do bairro para pessoas de fora, apresentamos o novo para quem não é daquele meio. Quando você está em campo você passa para eles o que vivencia”, diz Bob Jay.
Rose Satiko, professora do departamento de Antropologia da FFLCH, foi consultora do projeto, e juntamente com a cientista social e documentarista Carolina Caffé produziu o curta-metragem Lá do Leste, a partir do mapeamento. Depois as diretoras partiram para a realização de um média-metragem, o A Arte e a Rua, e, em 2013, foi lançado um livro multimídia e webdocumentário também chamado Lá do Leste, que teve apoio da Pró-Reitoria de Cultura e Extensão. Os trabalhos focalizaram a cultura hip-hop e a arte de rua. Rose afirma que “a arte de rua, que teve uma força muito grande nos anos 1980 e 1990, vinha passando por transformações importantes, e no filme decidimos focar nelas”.
No Bixiga
Inspirada no processo realizado na Cidade Tiradentes, Rose coordenou o projeto Bixiga em artes e ofícios: percursos audiovisuais. Iniciado em 2010, foi realizado pelo Centro de Preservação Cultural (CPC) da USP, sediado na Casa de Dona Yayá, símbolo do Bixiga. O objetivo dos levantamentos foi estreitar os conhecimentos entre a Universidade e a cidade. A pesquisa conseguiu mapear 50 artistas e artesãos.
O projeto teve duas fases, a primeira com entrevistas com os moradores e a segunda com oficinas que fizeram cadernos de viagem, com o trajeto entre a Casa e estabelecimentos dos artesãos; a produção de textos de fotografia e videodocumentário, que reuniram os artistas para produzirem conteúdo próprio. No segundo semestre deste ano a ação também ganhará um livro. Fernanda Schunck, do Centro de Capoeira e Tradições Baianas Casa Mestre Ananias, conta como é a relação da Casa com o bairro, “nosso trabalho vai além de uma escola, é uma filosofia de vida ao redor do samba, da capoeira e da cultura popular. Lá nos reunimos para sambar, jogar capoeira, preparar as muitas festas que realizamos junto com a criançada e a comunidade. Quando caminho pela rua encontro sempre alguém que faz ou fez parte da nossa história no bairro”.
Para além dos bairros
Estudantes da USP também participaram dos projetos. No Bixiga, todo o processo de entrevistas e busca foi feito por bolsistas do CPC, já em Cidade Tiradentes a estudante de Ciências Sociais Nathalie Maykot participou na produção dos vídeos, que foram editados no LISA (Laboratório de Imagem e Som em Antropologia) do departamento de Antropologia da FFLCH. “O que me impressionou no começo foi a arquitetura [de Cidade Tiradentes]. Rodeado de mata verde se constitui na alternância de morros com COHAB e vales com ocupações clandestinas, em sua maioria barracos de madeira. Existem também grandes regiões de casas de alvenaria que disputam espaço com os prédios”, afirma Nathalie. Já para Letícia Yumi Shimoda, também estudante de Ciências Sociais e uma das primeiras bolsistas no Bixiga o trabalho possibilitou que ela tivesse “um olhar muito particular sobre o bairro”, e observou que a região “tem características do centro, com a Nove de Julho, a Brigadeiro Luís Antônio, a 23 (de Maio), mas aí você entra em uma rua e você vê que é tudo diferente, que tem as crianças saindo da escola, tem uma cara de ser um bairro residencial”.
Ivan Santos, do grupo Cidade Tiradentes Street Dancers e um dos protagonistas dos documentários relatou suas dúvidas sobre as repercussões dos mapeamentos. Segundo ele, não houve um aproveitamento por parte dos moradores do que foi levantado e produzido, mas muita “dor de cabeça”. Ele notou “um grande interesse dos que estiveram à frente da discussão e do dialogo, em questionar e mostrar a pobreza da Cidade Tiradentes e não a cultura do bairro” durante a primeira apresentação dos filmes. Rodrigo Lima, o “Minhoca”, coordenador da Casa Mestre Ananias, disse que um dos resultados do mapeamento foi o Ciclo São Paulo é Bahia Viva que aproximou os grupos de capoeira do Bixiga. Porém critica: “ninguém apareceu na Casa depois do mapeamento”, e “o movimento entre o CPC e o bairro ainda é um pouco frio, há uma preocupação exagerada em relação ao cuidado com o partrimônio do Yayá. Para mim, o maior bem são as pessoas”.