Ocorreu um princípio de incêndio no prédio da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU), na quarta-feira (16). O fogo se iniciou em uma sala do andar superior do prédio por conta de um curto-circuito na fiação provocado por infiltração da cobertura. Segundo a diretoria, o incêndio foi controlado rapidamente e ninguém se feriu. As salas e os estúdios do andar foram interditados por risco de reincidência. A FAU passa por reforma desde o fim do ano passado e já apresentava outras interdições por conta de obras.
Com o incêndio, sete salas de aula e quatro estúdios foram interditados. Por necessidades da obra, outras seis salas de aula já estavam fora de utilização. A situação passou a demandar a realocação das aulas para dar prosseguimento ao semestre acadêmico. Os estudantes receiam a saída do edifício.
Para a professora Maria Lucia Bressan Pinheiro, membro do Conselho Curador da FAU, órgão paritário consultivo responsável pela preservação do prédio, a manutenção de atividades no local é importante para fiscalização da reforma e para os estudantes. “A própria proposta pedagógica de ensino da FAU está muito vinculada ao edifício”, afirma. Segundo Maria Lucia, o Plano Diretor da faculdade, aprovado em 2010, previa a participação dos alunos nas intervenções do edifício durante as disciplinas por meio dos escritórios-oficina de obras. “Todos os serviços que estão sendo feitos poderiam ser objeto de discussão em algumas disciplinas”.
Para manter as atividades na FAU, o Conselho deliberou a utilização de espaços alternativos para as aulas, como o piso do Museu, espaço dos estudantes, e a montagem de tendas temporárias nos arredores do prédio.
Segundo a docente, a obra foi prevista desde o início com a permanência das atividades acadêmicas dentro do prédio, mas para isso, haveria necessidade de cuidados da empreiteira contratada pela licitação. “Houve vários momentos em que não foram respeitados os procedimentos que estavam previstos no edital da obra.” Exemplo disso são o excesso de poeira por vedação inadequada das áreas trabalhadas e barulhos nos horários de aula.
Maria Lucia ressalta que, além das dificuldades de fiscalização da empreiteira, o caráter emergencial da obra também é responsável por alguns dos problemas, uma vez que dificulta o seu planejamento. “Era uma obra que tinha que ser feita [rapidamente] e, pela emergência, ela acabou não sendo feita da forma ideal – com os estudos e elaboração de projetos completos”.
Os estudantes da faculdade entraram em paralisação na quarta-feira (23) e seguirão assim até que as aulas sejam realocadas. Foi aprovado em assembleia um indicativo de greve caso a Congregação delibere pela pulverização da FAU em outras unidades, ou pela evacuação de todas as atividades acadêmicas do prédio. A reunião da Congregação da FAU ocorreu na terça-feira (29) e até o fechamento desta edição não havia informações sobre suas deliberações.
O diretor da FAU, professor Marcelo Roméro, afirma que “a Diretoria e o Conselho Curador dos edifícios da faculdade têm promovido reuniões plenárias, abertas a participação de todos”, onde essas questões estariam sendo discutidas.
Confira abaixo a entrevista com a professora Maria Lucia Bressan Pinheiro sobre a reforma na FAU.
Jornal do Campus: Quando se iniciou a reforma na FAU? Como a obra está sendo feita?
Maria Lucia Bressan Pinheiro: A obra da FAU começou em novembro/dezembro de 2012. É uma obra complexa. É uma obra emergencial – isso é algo que eu queria deixar bem claro. É uma obra emergencial no sentido de que não dava mais para ficar do jeito que estava, porque estava ocorrendo um problema grande de infiltração de água da cobertura da FAU, que já estava se arrastando há um tempo. Então, ela que tinha que ser feita [rapidamente] e por isso acabou sendo feita não da forma ideal – não com os estudos e elaboração de projetos completos, como deveria ter sido.
Não é que não foi feito nenhum estudo de viabilidade das soluções propostas, mas todas as propostas foram feitas em forma de memorial e não na forma de projeto – a partir de desenho do edifício como ele está hoje. E isso acarreta uma série de dificuldades maiores para você ter um controle da obra e um melhor resultado. O ideal é que ela seja precedida de um projeto bem detalhado e isso não foi feito, nesse caso, pelo caráter emergencial.
JC: Que tipo de problemas a obra está enfrentando recentemente por causa disso?
MLBP: Uma série de atividades ficou a cargo da construtora, como, por exemplo: A cobertura da FAU é feita por uma malha, uma grelha de vigas invertidas. E o escoamento da água da chuva é feito através dessa grelha de vigas. Então deveria ter sido feito um estudo cuidadoso das declividades dessas vigas para que o escoamento da água se desse da melhor forma possível. É lógico que essa declividade da cobertura tinha sido prevista no projeto original do edifício, mas, com o passar do tempo, essa estrutura vai se transformando, se mexendo. As vigas cedem um pouco, a gente diz que elas ficam seladas. Isso acontece por causa da gravidade. Então, uma série de problemas de escoamento de água foram surgindo e, como esses estudos não foram feitos em tempo hábil, a obra tinha que começar porque a situação estava insustentável. Esse estudo dos escoamentos de toda a cobertura, que é imensa, ficou a cargo da empreiteira que ganhou a licitação. Isso é algo muito contraindicado numa situação normal, porque a empreiteira não vai ter o mesmo cuidado e os mesmos interesses em encontrar a melhor solução possível do que o dono da obra. Isso é o exemplo de uma coisa que deveria ter sido feita antes de a obra começar e que ficou a cargo da empreiteira que está fazendo a obra.
Como esse, vários outros [problemas]. Por exemplo: a exaustão da cozinha da lanchonete da FAU, que também é feita pela cobertura e que também estava com problemas – quando a cozinha é usada o edifício inteiro fica com cheiro de comida. Um projeto de exaustão deveria ter sido refeito pela própria FAU, mas acabou ficando a cargo da empreiteira.
[Outro problema é] a forma de fixação dos domos. A cobertura da FAU tem as vigas de concreto e a iluminação vem por cima, pelos buracos na grelha de vigas, que são cobertos com um domo – aquele elemento meio transparente. Então, está previsto, já que vão mexer na cobertura, que todos esses domos sejam trocados, porque, de fato, eles já estão em mau estado de conservação. E já que se vai trocar os domos, é preciso estudar uma forma adequada de fixação dos novos, porque, como a estrutura vai se transformando, mexendo ao longo do tempo, precisa-se de um sistema mais eficaz de fixação do domo que aquele que existia antes. Esse estudo também ficou a cargo da empreiteira fazer.
Então, além da obra em si, vários estudos deveriam ser contratados pela empreiteira. E ela fez isso, mas como eu disse, é sempre diferente, porque ela está interessada em resolver logo o problema, achar logo alguém que faça e que ela possa tocar a obra sem maiores problemas, sem se preocupar tanto com a qualidade do estudo feito, do profissional contratado, e assim por diante. Essa é uma fonte de problemas.
Além disso, outras coisas problemáticas aconteceram. [Por exemplo, com] o sistema de impermeabilização que foi escolhido. É importante ressaltar que o sistema de impermeabilização escolhido foi resultado de estudos muito bem feitos. Foi escolhido esse material que se chama poliureia, e ela é um material novo, muito bom, que é fácil de aplicar em uma superfície cheia de obstáculos como é a cobertura da FAU; bem adequado. Por outro lado, é um material novo, muito moderno e que ainda são poucas as empresas que têm já o know-how de aplicação. A empreiteira procurou várias companhias, e as primeiras empresas contratadas para aplicar a poliureia não eram muito boas, não tinham equipamento bom e não ficou bom o resultado. Foi necessário procurar [mais] até que finalmente a empreiteira contratou uma empresa adequada que é a que está atualmente aplicando.
Então, são vários problemas existentes relacionados à cobertura que foram sendo resolvidos durante a obra em andamento, e isso é uma situação indesejável.
JC: Qual é a função das lonas [que pegaram fogo]?
MLBP: São lonas de proteção. Mesmo antes de começar a obra, como a cobertura estava em mau estado, começou a acontecer a queda de pequenos fragmentos de concreto – pequenos mesmo –, que, às vezes por conta de a estrutura estar em mal estado, de a ferragem estar exposta, causa o desplacamento de pedaços pequenos do concreto. Eram pedaços muito pequenos, mas, como às vezes caem de alturas bem grandes […] podem machucar bastante.
Essas lonas foram colocadas até antes do início da obra para não ter perigo de cair nada em ninguém. E, depois, quando a obra começou era ainda mais necessário, porque, embora durante o período de aula as obras não sejam feitas – são feitas durante a noite, nos finais de semana –, sempre tem alguém que tem que andar lá em cima, pegar uma ferramenta, fazer alguma coisa, e isso pode acarretar quedas de algo embaixo.
E o que aconteceu: no caso das salas de aula, elas não são lonas, são telas de proteção. Nas salas de aula, ficam presas nas próprias vigas da cobertura e também é nas mesmas que são presas as luminárias da sala de aula. Como já há muito tempo essa instalação elétrica estava ruim – e está previsto agora nas obras que ela seja trocada – era uma fiação antiga, que em muitos pontos já está desgastada, então, se tem uma infiltração de água, provoca curto-circuito nesse sistema de iluminação. E aconteceu isso na quarta-feira antes do feriado. Como essa luminária está praticamente encostada na tela de proteção, ela causou uma fagulha, esta passou para a tela – a tela é feita de material bastante inflamável – e aí houve esse início de incêndio. Felizmente não tinha ninguém, não tinha aula naquele momento e o bedel encarregado na mesma hora intercedeu e extinguiu o fogo.
É importante você ver que, na verdade é um problema antigo do mal estado de conservação da instalação elétrica, que será trocada com essas obras.
Só para completar essa questão da instalação elétrica, ela está prevista de ser trocada, só que ela só pode ser quando as obras da cobertura acabarem. A última coisa que se faz, nesse caso das salas de aula, é a troca da instalação elétrica, porque você tem que retirar tudo, enquanto está fazendo a obra, e depois quando está tudo pronto, aí é que você entra com a nova fiação, com as novas luminárias. Ainda não tinha sido trocada porque não estava na hora em que era possível fazer isso.
JC: Com essa questão não se tem previsão de quando vão trocar a fiação e liberar as salas que foram interditadas?
MLBP: Por enquanto [não], mas o prazo de a obra terminar é dezembro deste ano. Até agora não houve nenhum atraso que impeçam que elas sejam terminadas em dezembro.
O que não estava previsto eram todas as salas que teriam que ser interditadas, tanto as salas que estão em obra quanto as que ainda não estão em obra e que tiveram esse problema da instalação elétrica. Agora temos esse problema de ver como vamos dar as aulas. Nós temos doze salas de aulas, seis já estavam interditadas para a realização das obras e agora ocorreu esse incêndio no bloco das outras seis. Temos medo que isso pode acontecer em qualquer uma dessas salas, então tudo tem que ser interditado.
JC: Houve uma reunião do Conselho [Curador] para ver uma forma de realocar os alunos. O que foi decidido?
MLBP: Na verdade, o que houve foi uma reunião da Congregação depois desse incêndio, no dia 22, já para avisar toda a comunidade FAU de que as salas e os estúdios estariam interditados. Os estúdios, onde são realizadas as aulas de projeto, também fica nesse espaço que tem as telas. Então, essa Congregação suspendeu as aulas para que todos os departamentos, alunos pudessem se reunir e pensar em alternativas para ter as aulas.
O que eu posso dizer é do Conselho Curador da FAU, que é aquele conselho que é paritário, com participação de alunos e funcionários, e que discutiu essas questões. No caso, a solução ideal que o conselho acha, principalmente por conta dos alunos que participam, é que sejam construídas estruturas temporárias ao lado do prédio da FAU, como essas tendas que se faz para festas, ou outras estruturas temporárias adequadas, que sejam feitas nos arredores do edifício para abrigar essas aulas e atividades que não podem ser feitas no próprio prédio. Essa é a deliberação.
Porém, como a gente sabe que, mesmo que essas estruturas sejam montadas muito rapidamente, na USP tudo passa por processos de licitação – licitação ou, se for menos de 8 mil reais, você precisa ter pelo menos três orçamentos diferentes, com todos os procedimentos administrativos para a liberação de verba. Então, sempre há uma certa demora. Por isso, o Conselho votou que, dependendo do tempo necessário para construir essas estruturas temporárias, deliberamos se se deve ir para outras salas de aula em outras unidades da USP ou, se for um processo rápido, se aguardamos a construção dessas estruturas. Enfim, ainda precisamos de mais informações para decidir de fato um encaminhamento mais específico.
Mas também já está definido que muitas atividades que aconteciam nos estúdios, como as aulas de projeto, serão realocadas em partes do edifício que estão seguras, inclusive no próprio Piso do Museu, a partir de onde o grêmio da FAU pode ter renda pelo uso do espaço. Ele seria cedido para que se tenha aulas de projeto, porque é um piso grande, desobstruído e é um lugar onde não tem telas, não tem esse risco de incêndio.
Então, são propostas, mas que ainda dependem de mais informações sobre o tempo que demorariam para ser implementadas.
JC: A maneira como a reforma tem sido feita tem colocado em risco a segurança e a saúde dos alunos?
MLBP: Essa obra, desde o início, estava prevista para ocorrer com as aulas continuando, mas infelizmente tivemos muitos problemas em fazer com que a empreiteira de fato respeitasse o que estava estipulado. E a empreiteira estava ciente dessas condições quando assinou o contrato. Mas houve vários momentos que em não foram respeitados os procedimentos que estavam previstos no edital da obra. Houve momentos de muita poeira, por descuido de não vedar direito as áreas trabalhas. Como eu disse, estava previsto que, durante o período de aulas, não era para acontecer obra nenhuma, mas muitas vezes há barulho na cobertura, e temos que reclamar para que eles parem. É uma obra incomum. E a empreiteira sempre tenta fazer valer as necessidades dela.
Nós não temos uma estrutura adequada de fiscalização da obra. A FAU tem um setor que é encarregado de todas as obras, com duas arquitetas que se desdobram para tentar tomar conta de tudo o que está acontecendo, mas são muitas as demandas. Nós temos vários edifícios além do da cidade universitária. Então, o número de arquitetos que acompanham as obras da FAU é insuficiente para tudo o que acontece em todos esses edifício. Precisaria haver alguém full-time ali acompanhando tudo o que está sendo feito, e nem sempre é possível.
JC: Há um problema de gestão?
MLBP: Também de gestão. É um conjunto de problemas. Gestão, propriamente, é justamente ter uma equipe que estivesse atenta ao planejamento das obras. Então, se está previsto que vão lixar a sala de aula 801, a construtora tem um cronograma de quando vai começar esse serviço e ela avisa a equipe de gestão. Aí, essa equipe vê para onde vão as aulas que estavam ocorrendo no local, ela tem que procurar um local para alocar as que não podem ser dadas no período em que a obra está acontecendo. A diretoria da FAU tentou contratar um escritório para fazer isso, mas não conseguiu verba para essa contratação. Então ficou sem, e isso é uma das fontes de problemas: não ter esse escritório, essa equipe para fazer um planejamento prévio. Nós estamos sempre correndo atrás dos problemas.
JC: Haveria uma forma de melhorar essas questões agora, já no meio da reforma?
MLBP: Eu acho que sim, algumas coisas. Na prática, é muito difícil, com tão pouca gente, você conseguir uma dedicação exclusiva para aquela obra. Ela mereceria, mas precisaria ter mais gente para cuidar de outros problemas. É nesse sentido que está proposto um Plano Diretor para a FAU, feito em 2010, devido ao mal estado do edifício.
Foi feita toda uma mobilização da comunidade FAU, que queria dar um basta nessa situação. E, para isso, foi feito um Plano Diretor participativo, que estabeleceu uma série de diretrizes, de prioridades para as intervenções que devem ser feitas na FAU. E uma das diretrizes é que fosse criado um escritório-oficina acadêmico, que reuniria esses arquitetos que já trabalham no GEES, o setor de obras da FAU. Estava previsto nesse Plano Diretor que o GEES se transformasse em um escritório-oficina acadêmico. A diferença é que esse escritório teria esses arquitetos que trabalham no escritório da FAU com [também] a participação de professores da faculdade que articulassem todas as obras que estão sendo feitas com as disciplinas que estão sendo ensinadas na FAU – porque geralmente é uma boa oportunidade para conferir uma experiência, um interesse maior para os alunos. Todos os serviços que estão sendo feitos no edifício poderiam ser objeto de discussão em algumas disciplinas. Enfim, articular as obras e as intervenções com as atividades em sala de aula. E estava previsto que houvesse a participação de docentes da FAU no escritório-oficina e também que fosse contratado mais um arquiteto, para ficar com três arquitetos permanentes, para melhorar um pouco essa questão do acompanhamento das obras do edifício. Mas isso, até agora, não foi implementado porque a reitoria não concordou em conceder mais uma vaga de arquiteto ou engenheiro para a FAU.
JC: A senhora acha importante que permaneçam atividades dentro da FAU?
MLBP: Eu, assim como Conselho Curador, acho importante, essencial, que continue havendo atividades na FAU, porque, de fato, nós já percebemos que, durante as férias, em que estava previsto que os trabalhos seriam intensificados, isso não aconteceu. As explicações da empreiteira foram estranhas. Então, nós imaginamos que, se as atividades da FAU saíssem de lá, nós não íamos perceber esses problemas diários que vemos. E isso poderia atrasar mais ainda as obras. Porque o lado bom de estarmos vivenciando todos esses problemas é que, por um lado, isso sempre é uma experiência para os alunos e, por outro, estamos sentindo ali, você […] já começa a tomar providências. Se você está fora, é mais difícil você saber o que está acontecendo de fato no edifício.
Eu estou até priorizando a questão da obra, mas é lógico que tem o fato de você ter os alunos no seu espaço, no seu edifício de referência. No caso, a FAU é um edifício extremamente importante. A própria proposta pedagógica de ensino da FAU está muito vinculada ao edifício, então isso evidentemente é importante.
Mas, eu acho – agora estou falando pessoalmente – que, como boa parte das atividades da FAU, mais ou menos metade das atividades didáticas da FAU, pode continuar sendo feita lá no edifício, nesses espaços alternativos que não apresentam riscos, […] eu não vejo tanto problema em utilizar outros espaços fora da FAU, porque isso já está garantido que vai continuar lá; as atividades administrativas vão continuar, a biblioteca.