Regime de contratação gera divergências

Para Souto Maior, conflito entre funcionário público e terceirizado é fruto de competitividade imposta por empresas 

“Perceba que o assédio moral entre trabalhadores está ligado a um modelo de produção, a uma forma de produção. Não é porque as pessoas são ruins ou boas, não é isso”, diz Jorge Souto Maior, juiz e professor da Faculdade de Direito da USP. Do ponto de vista estrutural, ele explica que o assédio moral entre trabalhadores é fruto de um momento recente chamado de reengenharia do processo produtivo. Nele, as empresas visam extrair mais produção dos trabalhadores ao estabelecer uma lógica de concorrência entre eles, em que desejam se sobressair sobre os outros funcionários.

“Então, esse choque de gestões estratégicas acabaram elevando demais o índice de problemas de relações pessoais no ambiente de trabalho e o tema do assédio acabou aparecendo como um tema de importância”, completa ele. Assim, a diferença entre funcionários contratados diretamente ou não por um órgão aparece como mais um fator de competitividade entre eles.

De acordo com o professor, a terceirização interna ocorre quando uma empresa intermedeia a relação entre uma outra e um funcionário. “Não existe uma relação direta entre trabalhador e a empresa na qual ele presta serviço”. Além desse tipo de trabalho, há também outro tipo de terceirização, que relaciona-se com o processo produtivo – ao invés de a empresa concentrar suas atividades em um único lugar, distribui sua atuação em locais diversos.

No ponto de vista de Souto Maior, esse modo de trabalho não traz benefício algum para o funcionário, apenas para a empresa. “Você pode imaginar algum tipo de benefício para a empresa, no sentido de diminuir o custo e ter menos ligação com quem presta o serviço. Mas essa relação termina por sacrificar direitos trabalhistas e pulverizar a classe trabalhadora [já que os funcionários recorrem a diferentes superiores].”

Órgãos públicos
Esta prática seria ainda mais problemática quando ocorre no setor público pois fere o que está posto na Constituição do país. “Há problemas jurídicos maiores porque a Constituição estabelece a necessidade de que a prestação de serviços no âmbito de uma entidade publica se dê por intermédio de um concurso público.” Um funcionário contratado por intermédio de uma empresa terceira trabalha como um servidor público, mas não passa pelo concurso, o que afronta a Constituição diretamente. Esse regime de contratação também dá margem para que diferenciações se deem entre os funcionários, o que pode acabar resultando em agressões físicas e verbais.

Jurisprudência
Outra dificuldade, para o professor, se dá pela maneira como a maioria dos juízes enxergam o assunto. Em sua maioria, a jurisprudência considera que as instituições públicas não possuem relação direta com o trabalhador terceirizado. “Então se houver algum problema trabalhista, como atraso de salário, problema de saúde etc, isso não atingiria o setor público e ficaria no âmbito apenas do seu empregador – aquela empresa foi contratada para aquele serviço.”

Logo, além de provar que certo direito foi desrespeitado, os trabalhadores precisam provar que não houve vistoria por parte do órgão público. “Eles terão dificuldades de receber e se forem receber da Universidade de São Paulo, por exemplo, terão que provar que a USP não fiscalizou o cumprimento dessas obrigações.”