Viagens de campo passam por incertezas

Alunos culpam burocracia pelos constantes atrasos e cortes que prejudicam o aprendizado

Em diversos cursos da USP, a experiência da graduação não se limita à sala de aula. Para aprofundar os conhecimentos e testá-los na prática, é comum que professores insiram viagens didáticas e atividades de campo dentro do planejamento de suas disciplinas, sejam elas obrigatórias ou optativas. Além disso, é comum que graduandos passem algum tempo nas bases da USP espalhadas pelo estado para realizar pesquisas ou trabalhos de conclusão de curso.

A Universidade, por intermédio da Pró-Reitoria de Graduação (PRG), fornece recursos para os institutos bancarem as atividades de campo dos graduandos. Para conseguir a verba, os docentes devem “apresentar uma solicitação específica de recursos, acompanhada de justificativa e informações pertinentes, em formulário próprio”, segundo informações da secretaria geral da USP.

Os institutos, porém, têm situações heterogêneas. O Jornal do Campus conversou com estudantes de cinco faculdades da USP para entender qual a situação das viagens de campo na Universidade.

Turismo (ECA)

Nos seis primeiros semestres do curso de Turismo ― oferecido pelo Departamento de Relações Públicas, Propaganda e Turismo (CRP) da ECA ― há disciplinas em que o termo “trabalho de campo” aparece já no nome. Com pelo menos três viagens de campo previstas por semestre ― considerando apenas as matérias obrigatórias ―, o departamento enfrenta dificuldades para captar os recursos com a PRG.

De acordo com as informações disponibilizadas no Portal de Transparência da USP, a ECA é quem menos recebeu verba de apoio às viagens didáticas e atividades de campo dentre os cinco institutos em que Jornal do Campus apurou. Para os mais de 100 alunos do curso de turismo foram destinados pouco mais de 33 mil reais entre despesas com locomoção e serviços de terceiros. Nos dados disponíveis na internet não foram relatados gastos com diárias ou com auxílios financeiros aos estudantes, comuns em outros institutos.

“No meu ano de caloura íamos com quase tudo pago, só algumas refeições eram pagas por nós mesmos”, explica Bruna Hara, que cursa Turismo desde 2014. Segundo a graduanda, a partir do ano seguinte o quadro começou a se complicar gradualmente. “Este ano eu não fui na viagem, mas até onde eu sei eles tiveram que pagar quase tudo. […] Talvez alguém até tenha ficado de fora por causa do valor”, relata.

Segundo Ananda Ielo, que cursa o quarto semestre, a burocracia que o curso enfrenta para conseguir as verbas é o grande empecilho. “Em turismo é preciso fazer cinco cotações para mandar para o pregão, que é realizado super em cima da hora e pode ser que nem aconteça. Semestre passado a gente não pôde viajar porque toda a verba do departamento foi para a viagem dos veteranos”, explica a graduanda do segundo ano.

Instituto de Geociências (IGC)

Dentre os institutos pesquisados pela reportagem do Jornal do Campus, o de Geociências tem a situação mais confortável quando o assunto são as verbas para as viagens de campo. O IGc recebeu mais de 545 mil reais durante o ano de 2015 para bancar as constantes atividades de campo.

Segundo Beatriz Pontes Araújo, formada em geologia e cursando o segundo semestre da licenciatura em geociências e educação ambiental , houve um temor de que pudessem acontecer cortes nas verbas do IGc, especialmente durante a greve. Apesar dos rumores, a graduanda afirma que o instituto recebeu toda a verba necessária. “Se não aconteceu algum campo no semestre passado foi porque os alunos estavam em greve e os professores responsáveis ou cancelaram o trabalho de campo, ou deixaram pra remarcar quando possível”.

Ciências Biológicas (CB)

No Instituto de Biociências, a palavra que melhor define a questão das verbas para viagens de campo é incerteza. Apesar de estar entre as faculdades da USP com o maior recebimento de aportes para esse tipo de atividade  ― em 2015 foram 318,5 mil reais para o único curso ministrado ―, os alunos reclamam dos cortes e da burocracia.

Segundo Ana Serva, que cursa o sexto semestre de Ciências Biológicas, os professores têm encontrado maiores dificuldades para confirmar se suas disciplinas realizarão ou não as viagens, já que a confirmação da verba tem acontecido tardiamente. “Algumas viagens de campo, que antes eram dadas como uma certeza no curso, agora estão esperando a resposta final da liberação de verba para saber se vai ter o campo ou não”, explica a graduanda.

Ingressante no IB em 2014, Mila Pamplona explica que desde o seu ano de caloura a situação no instituto começou a se complicar. “No geral, o IB anda cancelando muitas viagens de campo ou reduzindo dias das viagens. […] Algumas optativas funcionam totalmente com base na viagem de campo e muitas delas só tiveram confirmação da viagem de última hora, por causa da questão financeira”, aponta a graduanda. Ambas as estudantes citam a disciplina obrigatória Ecologia II como exemplo de matéria que deixou de ter viagem dentro de seu programa em decorrência de cortes orçamentários.

Oceanografia (IO)

O Instituto Oceanográfico tem uma situação heterogênea dentre as demais faculdades. Com duas bases no litoral paulista ― em Ubatuba e em Cananéia ― os alunos de Oceanografia têm viagens de campo em todos os semestres. O montante destinado para o IO ao apoio às viagens didáticas e atividades de campo foi de pouco mais de 47 mil reais em 2015.

O Jornal do Campus conversou com duas estudantes do Instituto e ambas afirmaram que, para os alunos do IO, as viagens das disciplinas obrigatórias e optativas estão sendo integralmente bancadas pela verba destinada. Segundo Eduarda Laurentino, que cursa o quarto semestre de Oceanografia, apenas os alunos de outros institutos que participem de disciplinas do IO são cobrados pela estadia e pela a alimentação nas bases.

A grande modificação dos últimos anos refere-se aos alunos que desejem realizar pesquisas ou trabalhos não vinculados às disciplinas: se anteriormente os alunos do IO tinham isenção total de gastos independente do tempo de estadia, atualmente esse período fica limitado a cinco dias por mês.  Para Giovana Assis Garcia, que entrou no IO em 2014, essa cobrança não se justifica. “Entendo a crise financeira da universidade mas, pessoalmente, eu acho um tanto quanto errado cobrar de nós. Independente do valor, porque se estamos lá para fazer pesquisa ou extensão estamos cumprindo com o objetivo da universidade em si”, opina.

Geografia (FFLCH)

No curso de Geografia da FFLCH também há reclamações de estudantes em relação às viagens de campo. A despeito do montante destinado às atividades em 2015 ― o segundo maior entre os institutos ouvidos pela reportagem, com cerca de 325 mil reais ― os relatos também apontam para uma situação em deterioração.

“[Atualmente] quase todos os campos são de um único dia, então fica uma correria. Saímos sete ou oito da manhã da USP para retornar às 22 e vamos parando em várias cidades para estudar. [Isso] torna muito cansativo e maçante seja para o professor, seja para o aluno”, relata Fernanda Almeida, que cursa o sexto semestre da Geografia.

Segundo ela, o curso enfrenta duas situações paralelamente: em boa parte das disciplinas os campos foram reduzidos a um dia, tornando-os menos proveitosos; ao mesmo tempo, algumas matérias sequer tiveram as viagens realizadas, como Climatologia e Regionalização do Espaço Brasileiro ― que costumava ter campos de longa distância na década passada.

Apesar da quantidade de viagens ainda ser relativamente alta, Fernanda aponta que elas têm enfrentado maior burocracia. “Quando os professores vão pedir verbas para Reitoria é [um processo] muito burocrático e chega a demorar meses para uma resposta. Aí acumulam todos os campos em 1 mês e o aluno sai perdendo”, finaliza.

PRG

O Jornal do Campus solicitou à Pró-Reitoria de Graduação informações sobre a verba repassada para as viagens didáticas e atividades de campo nos últimos oito semestres, discriminadas por instituto. A informação, que não está disponível no Portal de Transparência ― apenas os dados de 2015 encontram-se no site ―, também não foi apresentada pela PRG. O órgão informou que em  2016 a verba destinada “foi de R$ 4.076.996,12 para 31 Unidades de Ensino e Pesquisa que solicitaram o recurso”. O JC contatou os chefes de departamento do CRP e da Geografia, além do departamento financeiro do IB, mas não conseguiu efetivar o contato até o fechamento desta edição.

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