Tanto a carreira quanto a prática na escola são desvalorizadas na MP 746/2016
Michel Temer, recém saído do cargo de vice, mal sentava na cadeira da presidência quando anunciou, com força de lei, a medida provisória 746/2016 de reforma do Ensino Médio. Era 22 de setembro. Para além de alterar a composição do currículo obrigatório da educação básica, flexibilizar a exigência de graduação para os professores, o texto ainda retira a obrigatoriedade das disciplinas de Educação Física, Filosofia, Sociologia e Artes.
Estudioso das ações pedagógicas na área, o professor doutor em Educação, Marcos Neira, explica a importância dessa disciplina na trajetória escolar. “A Educação Física é uma matéria cuja função principal tematizar é as práticas corporais na escola”, afirma. “Ao longo da sua história, a humanidade vem produzindo brincadeiras, danças, lutas, esportes e ginásticas. Os diferentes grupos têm, nessas experiências, um registro de identidade cultural. É uma dos meios pelos quais os grupos humanos expressam seus valores e seus modos de entender o mundo. É por isso que a disciplina existe na escola.”
Ausência
Não à toa, Henrique Franco, estudante de licenciatura em Educação Física na USP, afirma carregar uma identidade fortemente amparada pelo esporte, cujas linguagens impulsionaram seu interesse por coisas que se conectam com a saúde e a felicidade. Para ele, a possível aprovação da MP pode ser interpretada como uma ameaça ao futuro dos professores de sua carreira, além daqueles que lecionam Filosofia, Sociologia e Artes. O fim da institucionalidade dessas matérias, sugere, deve favorecer o fortalecimento da lógica tecnicista do ensino médio.
“A situação dessas disciplinas, que já sofriam preconceito na sociedade, vai se agravar ainda mais”, defende. “Estudantes no ensino médio já trabalham ou estão com a cabeça nas matérias prioritárias para o vestibular. Sem obrigatoriedade, poucas escolas vão contratar um professor de Educação Física. A baixa procura e o grande números de profissionais ociosos vai gerar disputas pelas poucas vagas.”
Fernanda Carvalho, formada em 2010 pela EEFE/USP, atua na rede pública desde 2011 e também se opõe à medida. Em sua perspectiva, uma mudança tão profunda deveria ser amplamente debatida antes de galgar a realidade. Sobretudo, quando uma dos artigos da reforma relativiza a relevância pedagógica do professor. “Excluir disciplinas importantes para a formação do cidadão é um absurdo”, exclama ela. Não bastasse isso, Fernanda ainda denuncia o artigo que legitima a prática da docência apenas por notório saber. “Um professor graduado estudou didática, psicologia e, com grande frequência, tem dificuldades na sala de aula. Fico imaginando a relação entre uma pessoa sem essa bagagem teórica e os alunos. Acredito que não será das melhores”, reflete.
A ausência
Fernanda ainda argumenta que o fim da obrigatoriedade da Educação Física nas escolas deve gerar uma incompletude na formação social da juventude. “Existem questões trabalhadas pelas modalidades esportivas, como padrões de beleza, saúde e alimentação saudável, que não serão incorporadas ao conteúdo de outras disciplinas. Para ela, esse rombo se preenchia de valores transmitidos pelo esporte. “As práticas corporais que a educação física proporciona são importantes para o adolescente conhecer a si mesmo, seus limites, se relacionar bem com os outros, respeitar o adversário, saber ganhar e perder, cooperar, competir.”
Sobre o fim da institucionalidade das disciplinas citadas, Neira é categórico. “Se o EM já começa amputando as oportunidades de alguns, o efeito vai ser muito nocivo, e a educação pública vai se afastar ainda mais da privada”, analisa. “É óbvio que a medida quer antecipar a profissionalização e transformar o ensino médio numa etapa instrumental. Assim, esses jovens se incorporarão mais rápido ao mercado de trabalho.”