Falta de diálogo entre os estudantes e a Faculdade é um dos agravantes
Por Aline Melo
Durante o ano de 2016, três das quatro entidades da Faculdade de Saúde Pública (FSP) que dividem o espaço estudantil – Associação Atlética Acadêmica XXI de Agosto, Centro Acadêmico Emílio Ribas e Projeto Nutritiva – foram furtadas. Em decorrência das reclamações à administração, a limpeza e a segurança do local passaram a ser de responsabilidade dos alunos, ainda que a decisão não agrade a maioria.
O Projeto Nutritiva, composto por estudantes voluntárias do curso de Nutrição, foi o primeiro a ter seus produtos furtados, dentre eles, castanhas, sucos, chocolates, facas e batedeiras. Em apenas um dos casos, uma funcionária da limpeza foi flagrada consumindo sem permissão um alimento da entidade.
“Não tinha nenhum aviso ‘Não Coma na Nutritiva’, então, embora fosse uma coisa moralmente errada você ir lá, abrir e comer, não era uma coisa clara. Eu acho muito pesado falar furtaram, afinal, é uma pessoa que não tem contato com o projeto, nem com os estudantes”, pontua uma das voluntárias.
Ainda assim, uma reclamação foi apresentada à direção que optou por retirar o serviço de limpeza. Segundo o assistente administrativo, Gilberto Lopes, a solução partiu dos próprios alunos.
“Quando esses roubos ou sumiço de materiais aconteceram, houve uma reunião com os estudantes, em que os próprios disseram que suspeitavam dos funcionários e sugeriram que não fossem feitas mais limpezas no local.”
Enquanto as outras entidades dizem não ter participado da reunião, a Nutritiva esteve presente, mas dá a entender que a deliberação foi por parte da Faculdade. Inclusive, a entidade já não se sente contemplada pela decisão.
“O que discutimos é que tirar a limpeza não resolve nada, inclusive, houve outros furtos depois disso. A faculdade deveria ter uma abordagem mais educativa, pois nós entendemos que ela só reproduz o contexto da sociedade. Não adianta restringir espaços”, coloca a voluntária do Projeto.
Não envolvido nas reclamações e tendo sido o último a sofrer furtos, o Centro Acadêmico Emílio Ribas (CAER) compreende a deliberação da Faculdade de não se responsabilizar pela limpeza do espaço estudantil diante das acusações feitas, mas é crítico à postura dos alunos.
“Só percebemos o problema que esses furtos tinham gerado quando vimos que a vivência estava muito suja, a ponto de juntar moscas. Fomos procurar o então assistente administrativo e ele explicou o que estava acontecendo”, conta a representante do CAER. “Foi uma medida que a gente entendeu e achou a mais cabível, já que não podemos descontextualizar a universidade de uma realidade da sociedade, ou seja, um bando de gente elitizada tem um bem furtado e o primeiro grupo a ser acusado é o menos abastado.”
O CAER relata que a limpeza até então feita era um recente acordo com a Faculdade de Saúde Pública, a partir de um esforço de diálogo por parte dos estudantes.
“Assim como em outros institutos da Universidade de São Paulo, sempre houve um afastamento muito grande entre entidades e administração. A partir de um tímido diálogo, o espaço dos estudantes voltou a ter papel higiênico, limpeza, consertaram as portas, dispensaram sabonetes para lavar mão no banheiro, colocaram saquinho de lixo, o que para mim já era muita coisa”, relata integrante do Centro Acadêmico.
A Associação Atlética Acadêmica XXI de Agosto sofreu os furtos mais significantes, com um prejuízo de 1050 reais no total, além de alguns pilotos de moletom. Para cobrir a perda, a entidade teve que recorrer ao seu caixa, retirando, portanto, dinheiro dos esportes.
“Quando aconteceram os furtos, fomos procurar a Faculdade e ela disse que não se responsabilizava por aquele espaço e rolou certa revolta nossa. Como assim, a gente está dentro da faculdade, fomos roubados em 600, 700 reais, e vocês não vão fazer nada quanto a isso?”, relata o presidente da Atlética, Caio Sarubbi.
Ele garante que em nenhum momento a Atlética acusou um dos funcionários e que chegaram até mesmo a discutir a possibilidade de um ex-integrante que ainda possuísse a chave da entidade ter cometido os furtos. A atual situação do espaço estudantil não lhe parece nada melhor que à época.
“O que a gente conseguiu, no máximo, foi um acordo entre as entidades em fazer um rodízio para limpar o lugar, mas isso não é praticado, então faz mais de meses que não vai ninguém. O espaço está lá meio sujo”, conta Caio. “Tanto que nessas férias que passaram, quando a gente voltou para a aula, vimos que tinham urinado no sofá. Ele estava com uma mancha amarela, meio úmido e cheirando muita urina. Está meio impossível ficar lá dentro por conta do cheiro. Então, os alunos estão sofrendo com isso.”
Apesar das entidades terem passado por situações semelhantes, nem antes, nem após as reclamações apresentadas à direção, foi realizada uma reunião para discutir os acontecimentos. Enquanto a Atlética lamenta a falta de diálogo no período, o CAER defende que a mobilização ainda está em tempo.
“O que nós queremos, na verdade, é que os estudantes se mobilizem e pensem juntos em uma medida para garantir segurança. Eu nem acho que nesse sentido a faculdade tenha que se responsabilizar”, pondera a representante do Centro Acadêmico. “Porque o problema é quem são as pessoas de determinada entidade que ainda tem a chave da porta? Por que, então, a gente não guarda esse dinheiro no banco, em uma poupança? Essas coisas têm que ser discutidas pelas gestões das entidades.”
Sem desconsiderar um diálogo com a Faculdade, destaca a possível dificuldade da administração em lidar com a especificidade do problema. Além disso, assinala que algumas medidas que poderiam ser propostas por ela, como a entrada da Polícia Militar ou a instalação de catracas não resolvem a questão da segurança no campus.
“Não sejamos ingênuos que esses posicionamentos pedidos para a Faculdade não podem levar à ideia de que nós queremos que a polícia militar adentre no nosso campus. A USP tem um histórico de que quando a PM esteve aqui, não foi muito bom”, destaca a representante do Centro Acadêmico. “Outra coisa, a gente não pode esquecer que esse discurso de que alguém, um outro de fora, tem furtado as coisas das entidades da Faculdade de Saúde Pública, leva a conclusão fácil, dada e rápida de que nós queremos catracas para acesso.”
Como a USP é uma instituição pública, os estudantes acreditam que catracas de acesso podem ser consideradas uma violação a sua essência, ao impedir o acesso daqueles que são responsáveis por financiarem a universidade. O Centro Acadêmico também rechaça o monitoramento por câmeras.
“Uma câmera dentro do espaço dos estudantes é algo muito sério. Monitorar o que os estudantes fazem, quando a gente sabe que a USP e as reitorias em seu histórico não têm uma boa relação com as questões estudantis, muito menos com os alunos que se colocam à esquerda ou contra posições retrógradas da universidade, é muito complicado.”