Futebol e liberdade feminina no Brasil

(Foto: Arquivo Pessoal)

TCC da ECA busca outro lado: histórias de mulheres futebolistas em diferentes épocas do país

Por Claire Castelano

“O Brasil é o país do futebol, mas do futebol masculino”. Victoria Salemi, estudante de jornalismo na ECA-USP que defendeu seu trabalho de conclusão de curso livro reportagem Boleiras: história de gerações no futebol feminino do Brasil dia 05/11, às 19h no CJE-ECA, conta que se deparou mais de uma vez com essa frase em suas pesquisas.

A diferença entre futebol feminino e masculino, no Brasil, é gritante. As mulheres sequer têm um campeonato nacional estável: o Brasileirão feminino teve sua primeira edição em 2013 e, desde então, apenas 33 clubes participaram. Enquanto isso, o masculino hoje conta com quatro séries: Série A, B e C, que têm 20 equipes cada e a Série D com 68, e foi criado em 1959, com o nome de Taça do Brasil.

Além disso, a história do futebol feminino é muito pouco considerada. Victoria conta que mesmo sendo alguém que se interessa pelo assunto, ela descobriu fatos importantes que pouco são comentados. “Na primeira pesquisa que fui fazer, fiquei surpresa de saber que o futebol feminino foi proibido no Brasil de 1941 a 1979 e muita gente com quem eu comentava ficava surpresa”. O futebol de mulheres não agradava à moral das famílias tradicionais, o que gerou a criação de um decreto-lei do Estado Novo, em 1941, proibindo a “prática de esportes incompatíveis com a natureza feminina”.

Outra crítica que Victoria pontua é que são feitas muitas comparações entre feminino e o masculino dessa modalidade, o que não é muito plausível, uma vez que “o masculino é jogado no Brasil sem grandes problemas desde o começo do século XX e que o feminino começou, para valer, praticamente ontem. Não dá tempo de você criar toda uma cultura em cima deste esporte em tão pouco tempo”.

Boleiras

O trabalho de Victoria, orientado pela professora Eun Yung Park, buscou apurar um pouco da história do futebol feminino no Brasil a partir de relatos pessoais de mulheres que tivessem começado a jogar em épocas diferentes. O livro traz várias perspectivas e retrata algumas das dificuldades enfrentadas pelas mulheres que participaram da história dessa modalidade.

Victoria conta sobre uma das entrevistadas que chegou a ser medalhista olímpica da seleção: “quando ela começou a jogar bola na rua com os amigos e com o irmão mais velho, a mãe, para tentar impedi-la de sair, ficava colocando tarefas domésticas como concessão. Então, por exemplo, um dia a mãe dizia que ela só podia sair depois que lavasse a louça, a menina terminava de lavar a louça e saía. No dia seguinte, a mãe via que não tinha dado certo e dizia que hoje, então, ela teria de lavar, secar e guardar a louça…”.

Uma outra história interessante, que o livro traz, é a do primeiro time ‘oficial’ de futebol feminino no Brasil. O time é o Araguari Atlético Clube, de Minas Gerais, criado em 1958 quando o futebol feminino ainda era proibido no Brasil, e começou em uma partida beneficente para um grupo escolar da região. “As senhoras com quem eu conversei falaram que o time cresceu muito e elas acabaram viajando para vários lugares do Brasil para fazer partidas demonstrativas, já que não havia outros times com quem elas pudessem disputar”, relata Victoria. Ela também explica como as integrantes veem o time de uma forma libertadora, já que eram meninas de uma cidade pequena no triângulo mineiro, em 1958, podendo viajar e frequentar festas.