eu caí com o café

Por Larissa Santos

hoje eu derramei café. não é como se não fosse um, despropositadamente mau, hábito que carrego. mas além da sujeira pela mesa, pelas gotas no teclado, o fio fino escorrido para o chão, caiu na saia. uma grande mancha marrom molhada na ponta da saia cinza. o pior é que café tem fama de manchar para sempre. a gente cresce ouvindo que nada é para sempre, mas o café no tecido errado quebra a regra, e fica. será que minha mãe sabe como tirar a prova do meu crime hediondo cotidiano da saia? penso que quando vivia sob seus cuidados, a mancha de café era tão efêmera quanto o momento. derrubar tudo é uma droga e andar sujo também, mas em 10 minutos você esquece. aquele para sempre não é seu. o problema é entregue nas mãos da mãe que resolve.

quando vivia com ela, era comum a reclamação de que não tinha espaço no varal. ao sair da sua casa pelos trancos, morei em um lugar que tinha varal até demais. ela dizia que “invejava minha área de serviço”. e eu odiando aquele lugar porque a área gigante não significava casa. mudei para uma área-não-área-cozinha. tudo é um espaço só. parece a dela, mas falta o cheiro. aquele cheiro de maresia que impregna tudo e só tomou forma quando eu passei mais de três meses sem sentir. nunca tinha percebido até ficar longe. talvez agora eu tenha outro cheiro de cidade grande longe da praia impregnado em mim. quem sabe seja poluição. e a gente se acostuma com qualquer coisa. anda sozinho, joga no google, pede uma ajuda, chama o uber. caminhar com os próprios pés é sapatear o tempo todo. mas as pessoas sapateiam desde que os pais param de dar a mão para andar com poucos anos. ai, a saudade. na verdade, não falta só o aroma. falta a mãe que sabe dar um jeito em tudo. aprendi a lavar minhas roupas, a separar para não tingir na lavagem, a deixar cheirosa do meu jeito. só não sei como tirar essa mancha de café. acho que detergente resolve.