Ocupação perdura por mais de dois anos e futuro do espaço ainda é incerto
Por André Romani e Camila Mazzotto
Passavam-se os primeiros meses de 2017. Às 18h30 do dia 6 de junho, pelo menos nove pessoas – quatro mulheres, dois homens e três crianças – ocupavam a Creche Oeste, ao lado da Prefeitura do Campus da Capital (PUSP-C).
A pré-escola tornou-se Ocupação Creche Aberta em janeiro de 2017, quando pais, estudantes e professores mobilizaram-se contra o fechamento do espaço sob a justificativa de redução de gastos. Uma estudante da USP e mãe de duas crianças explica: “nossa pauta não é moradia fixa. Defendemos a reabertura da Creche e é por isso que a ocupamos, para proteger o seu espaço”.
Cerca de quinze pessoas participam efetivamente do movimento, revezando-se no local. Segundo a aluna e mãe entrevistada, não houve um dia em que a Creche estivesse vazia, “até no Natal e Ano Novo nos organizamos para estar aqui”. A ideia do grupo é manter no espaço pessoas que realmente estejam à frente da causa – ainda que poucas.
A Creche Oeste está bem cuidada e as tarefas são divididas entre ocupantes e apoiadores. Em meio a processos na Justiça, a Universidade suspendeu o apoio financeiro ao espaço. Wi-Fi não existe e problemas como telhas quebradas, ralos entupidos, corte da grama e ratos têm de ser resolvidos pelos ocupantes.
Semanalmente, eles se reúnem para discutir desde a divisão de tarefas até atualizações sobre o processo jurídico de reabertura. Por grupos de WhatsApp, informam apoiadores e planejam a organização de eventos, como almoços, para dar suporte à causa. Em pouco mais de dois anos, cultivaram apoios pela USP, que ajudam no cotidiano e oferecem retaguarda, caso haja repressão.
Questão jurídica
Pelo menos sete processos correm na Justiça envolvendo a Creche Oeste, mas dois chamam a atenção: um de reintegração de posse, movido pela USP; e outro de reabertura do espaço, pleiteado pela Associação dos Pais e Funcionários (Apef) da Creche Oeste.
Após vitórias e derrotas jurídicas, o grupo espera decisão de instâncias superiores. Enquanto isso, a reintegração de posse fica suspensa, pois não é possível decidir sobre o espaço sem, antes, decidir o futuro da creche.
Apesar da briga na Justiça, a aluna e mãe entrevistada pela reportagem, garante que a ocupação só acaba “com a creche reabrindo ou os com os ocupantes sendo retirados na porrada” – na segunda hipótese, “a Universidade terá de se responsabilizar por qualquer ato de violência cometido contra as crianças”.
Trauma
A Creche Oeste era supervisionada pela Superintendência de Assistência Social (SAS), que hoje alega não ter mais responsabilidade pelo local e desconhecer seus ocupantes.
Procurada pela reportagem, a Reitoria da USP enviou matéria publicada em fevereiro de 2017 pelo Jornal da USP, que alega “privilégio de um pequeno grupo” no uso das creches, cujos gastos impediriam o atendimento de todos os pedidos de auxílio- -creche”, informou a instituição.
Ana Clara, uma das mães que acompanhou o fechamento do local e a posterior ocupação, declara que as crianças foram para a Creche Central e “não se despediram de um prédio, mas de um lugar físico e simbólico, onde criaram memórias e convivência, e isso, no processo pedagógico de uma criança, significa muito”.
Especial Edição 500
Ocupação é parte de histórico controverso na gestão de creches da USP
Por Camila Mazzotto
Era 1992 quando o Jornal do Campus noticiava pela primeira vez a falta de vagas nas então sete creches da USP. “A demanda ainda coloca pais e filhos em fila, numa espera que pode durar anos”, dizia a reportagem. Pouco mais de duas décadas depois, entre 2015 e início de 2017, pelo menos cinco matérias do jornal traziam à tona o temor de mães uspianas – funcionárias e estudantes – quanto ao possível fechamento das creches. Referindo-se a 2015, um dos textos afirmava que “no último ano, foram cortadas 114 vagas das creches da Universidade com o objetivo de diminuir os gastos da instituição”. “No entanto, o custo delas em 2015 foi de R$1,8 milhão, o que equivale a 0,04% do orçamento da USP”, continuava. À época, o ingresso de novas crianças havia sido cancelado – após manifestações por parte das mães, apenas irmãos de crianças que estavam nas creches puderam entrar.
Aos poucos, o esvaziamento desses espaços foi ficando notável – uma matéria de 2016 mostrava que a situação mais crítica estava na Creche Oeste, localizada ao lado da Prefeitura do Campus. “Lá, há capacidade para 105 crianças, mas apenas 55 estão matriculadas”.
No dia 17 de janeiro de 2017, pais, estudantes e professores iniciavam o movimento Ocupação Creche Aberta. Um dia antes, impediam que um caminhão enviado ao prédio retirasse equipamentos e móveis. Sem aviso prévio por parte da Reitoria, o espaço, em funcionamento desde 1986, seria fechado.
Em maio de 2019, conversamos com um pós-graduando da ECA que fez da Creche Oeste a incubadora de seu projeto de doutorado; e com professora que trabalhou por 15 anos no espaço. Nesta edição, retomamos a pauta a partir de visita à Ocupação, que se arrasta há mais de dois anos.