Sem acesso aos campi e impossibilitados de trabalhar presencialmente, professores e alunos refletem sobre as lacunas que podem ser deixadas na formação
por Luana Franzão
Sala de aula no Inova USP (Centro de Inovação e Pesquisa da USP), prédio onde os alunos do curso de Ciências Moleculares costumavam assistir às aulas e trabalhar em laboratórios. Foto: Fernando Vallal
As disciplinas de laboratório, também referidas pelos alunos como disciplinas “práticas”, são parte fundamental da formação dos estudantes na universidade. É através delas que aprendem a realizar processos exigidos no mercado de trabalho e na pesquisa acadêmica, e podem observar as relações entre os conteúdos passados no ensino teórico e a aplicação no cotidiano.
“O elemento-chave desta metodologia de ensino é a solução de problemas como força motriz para apreensão de conceitos e integração de conhecimentos”, afirma o professor Pedro Francisco Donoso-Garcia, que leciona nos cursos de Engenharia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em artigo.
A pandemia da Covid-19 levantou diversos obstáculos para a realização dessas disciplinas, visto que muitas exigem atividade presencial. Por esse motivo, muitos alunos e professores de departamentos de todas as áreas do conhecimento se sentiram desorientados com o futuro dos cursos de graduação. O dilema entre abrir mão da parte prática – e talvez perder conteúdos relevantes à formação – ou aguardar a volta aos Campi tomou os debates entre os estudantes, profissionais e especialistas da Educação.
A aluna do curso de Ciências Moleculares, vinculado à Pró-Reitoria de Graduação da USP, Heloísa de Lazari Bento, explica como acredita que a falta das aulas em laboratório afetaram o preparo dos estudantes. “Eu teria feito a disciplina de laboratório de biologia de tempos modulares. Ela seria a única disciplina em laboratório que teríamos no curso”, compartilhou. Ela afirmou que acredita que a falta de disciplinas práticas pode afetar futuramente àqueles que optarem pela pesquisa acadêmica, que exige alguma experiência.
Corredores do Inova USP, que costumava ser frequentado por vários estudantes durante as aulas. Foto: Luana Franzão
Ao contrário, Thiago Araújo, estudante de Ciências Biológicas no Instituto de Biociências (IB) da USP, possui uma grade curricular repleta de disciplinas laboratoriais. Ele afirma que gostaria de seguir o ramo da Zoologia, e que os laboratórios dos semestres de 2020 seriam essenciais para sua vida acadêmica. Além disso, algumas matérias sobre Biologia Molecular e Biologia Celular, que o aluno considera contemplar “as práticas que são base para a atuação do biólogo em laboratório”, também tiveram seu oferecimento prejudicado.
“As disciplinas eram bem avaliadas pelos alunos do curso e a minha expectativa era alta (…) eu entendia que no segundo ano de graduação entenderia melhor como é o ambiente laboratorial. Em 2021, acabei optando por não cursar disciplinas que possuem uma carga prática em seu planejamento, devido às baixas expectativas de ter esse conteúdo reposto ou alterado de forma efetiva no ensino remoto”, afirmou.
Ele ainda completou que muitas vezes, o maior mecanismo de aprendizado nas aulas práticas é de tentativa e erro. “Sem a experiência prática presencial, aprendemos uma técnica sem testá-la”.
Os sentimentos dos estudantes já haviam sido evidenciados por estudos da área da Educação. Uma pesquisa realizada pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) explica que “aulas práticas podem ajudar no processo de interação, na apropriação e no desenvolvimento de conceitos científicos por parte dos sujeitos. Permitem que os estudantes aprendam a abordar objetivamente o seu mundo e a desenvolver saídas para situações que envolvam muitas variáveis”.
A aluna do Instituto de Psicologia (IP) da USP, Luana Santos, , comenta comenta que ansiava pelas aulas de psicopatologia, que seriam ministradas em estágio no Hospital das Clínicas. Nelas, poderia observar os atendimentos e aprender sobre o cotidiano de um psicólogo no ambiente hospitalar. “As expectativas eram sobre realmente colocar a mão na massa e ver na prática como se faz”, colocou.
As soluções
Diante dos evidentes benefícios à formação que as aulas práticas e de laboratório trazem, a Covid-19 impôs obstáculos à realização ideal dos cursos. Apesar de as aulas expositivas serem mais objetivas e maleáveis, principalmente em tempos de isolamento social, a falta da “mão na massa” pode deixar lacunas irreversíveis.
Discentes e educadores se vêem diante de um dilema: transferir as disciplinas laboratoriais para o ensino remoto, simplificando então o conteúdo, ou aguardar a volta (sem previsão) à universidade para retomar a prática.
As decisões foram diferentes em cada situação. Heloísa relata que no curso de Ciências Moleculares os alunos optaram por cursar a disciplina via internet, e aqueles que se interessarem pelo laboratório poderão frequentar as aulas das turmas futuras.
Já Thiago explica que no curso de Ciências Biológicas, as opiniões entre os alunos se dividiram. “Enquanto um grupo de disciplinas optou por esperar a pandemia passar para repor de forma condensada as práticas laboratoriais, outro grupo optou por passar o conteúdo prático por meio de aula expositiva, onde os alunos tinham acesso à apostila de práticas que era utilizada anteriormente e/ou vídeos das técnicas laboratoriais de outras universidades que tinham esse conteúdo na internet”.
Laboratório de genética do Instituto de Biociências (IB-USP). Foto: Marcos Santos/USP Imagens
Luana afirmou que o IP pretende repor as aulas práticas quando for possível, mas também relatou preocupação sobre o adiamento poder atrapalhar o andamento do curso.
Apesar de soluções terem sido encontradas em meio ao caos instaurado pela pandemia, docentes e estudantes lamentam as dificuldades enfrentadas pelo ensino.
“Esse aspecto mais palpável das matérias, dá até pra fazer pela internet, mas acho que não é a mesma sensação, não é a mesma coisa, sabe?”, relatou a aluna de psicologia.
O futuro biólogo revela que percebeu não ter retido uma parte das informações ministradas à distância. “As minhas expectativas em relação ao curso diminuíram muito em 2020, e compartilhei essa preocupação com meus colegas de graduação (…) Sentimos que esse seria o momento ideal para promover uma grande mudança dentro do curso, devido aos problemas que foram escancarados nesse momento tão atípico de nossas vidas, que inclusive vão além da carga teórico-prática”.
Ele conclui que seus colegas de curso e docentes estão edificando uma proposta de mudanças nas disciplinas, que têm sido postergadas há algum tempo. “Com um pouco de atraso, esse momento chegou.”