Banco de pele do HC-FMUSP enfrenta baixa no estoque

Segundo o diretor, André Paggiaro, a pandemia da Covid-19 impactou negativamente as doações do tecido

por Guilherme Gama

Instalações do Banco de Tecidos do Hospital das Clínicas de São Paulo. Fotos: Jaqueline Silva

O Banco de Tecidos da Divisão de Cirurgia Plástica e Queimaduras do Instituto Central do Hospital das Clínicas (HC), ligado à FMUSP, é responsável pela captação, preparo e armazenamento de pele — tecido que pode ser transplantado para pacientes necessitados em todo Brasil e, quando necessário, para outros países da América Latina. Entretanto, o estoque enfrenta baixa desde o início da pandemia da covid-19. Segundo o diretor responsável pelo departamento, André Paggiaro, a melhora das condições sanitárias não caminha no mesmo ritmo da reposição do banco: é preciso que haja mais doações. 

De acordo com dados levantados a pedido do JC, atualmente o Banco de Pele do HC-FMUSP possui em média 3.400  cm2 de tecidos disponíveis para transplantes, o que é capaz de atender no máximo três pacientes com queimaduras graves. A nível de comparação, em 2018, o estoque era quase dez vezes maior; de 30 mil cm2.

O tecido é transplantado para vítimas de queimaduras, quando há feridas e até ou lesões na pele — que podem ser provocadas por traumas ou até mesmo tumores e doenças congênitas. A reposição da pele no local afetado atua como um curativo biológico; uma opção terapêutica que reduz infecções e dores, além de acelerar a recuperação e, assim, diminuir o tempo de internação do paciente e os riscos de morte.  

Em 2018, o estoque do Banco de Tecidos do Instituto Central do Hospital das Clínicas (HC) era quase dez vezes maior

Antes de chegar aos pacientes, a pele é extraída de doadores. Em geral, os doadores são cadáveres, principalmente em casos de morte encefálica, em que os demais órgãos e tecidos estão em adequadas condições de transplante. Nesses casos, a captação acontece em grande quantidade, para compensar os custos, retirando a pele do dorso das coxas, braços e costas. 

De acordo com André Paggiaro, esse processo de doação e, posteriormente, captação foi impactado negativamente pela pandemia. No início da circulação do coronavírus, o desconhecimento acerca da doença e a carência da testagem PCR restringiam as doações, pois não era possível checar se os tecidos coletados estavam livres de contaminação. 

Segundo o levantamento, em 2021, foram apenas seis doadores. Isto representa metade do valor, já reduzido, de 2020, e menos de um terço do total de 2019, com 21 doadores. A área de pele captada foi de 25 mil cm2, em 2020, para cerca de 15 mil cm2, em 2021. 

Já neste ano, mesmo com a possibilidade de garantir a segurança microbiológica dos tecidos, com testagem de bactérias e fungos e protocolos para casos de covid-19, houve apenas quatro doadores até o momento, com o total de pele captada de cerca de 9.500 cm2 . O material ainda passa por processos de preparo para ser disponibilizado a possíveis receptores. “Ainda não voltamos ao que se tinha pré-pandemia: é necessário intensificar as campanhas de doação de pele”, afirma Paggiaro.

Em geral, todo o cenário de doação de órgãos foi afetado pelo cenário epidemiológico, mas, para o diretor do Banco de Pele, a queda constante das doações de pele foi mais intensa devido aos estigmas quanto ao procedimento. Quando um paciente recebe óbito, é ofertada aos responsáveis a possibilidade de doar os órgãos, porém, entre fígado, coração, pulmão, córnea etc., a doação de pele é menos aceita, pelo receio quanto à aparência do indivíduo no funeral. André Paggiaro esclarece que são retiradas as peles de áreas “escondidas” e que não alteram o corpo do indivíduo — de modo a ser imperceptível nos velórios. 

No início da pandemia, o desconhecimento acerca da Covid-19 restringiu as doações, pois não era possível checar se os tecidos coletados estavam livres de contaminação

Como os tecidos podem ser armazenados por até dois anos, as doações feitas nos anos anteriores têm ajudado a suprir a demanda atual, o que pode ser impossibilitado sem um maior volume de novas doações. Em caso do estoque ser insuficiente para atender os pacientes necessitados, a rede nacional é ativada, ou até mesmo a nível internacional. 

O Brasil possui cinco bancos de pele, nos estados de Rio de Janeiro, Paraná, Rio Grande do Sul e, além do Banco do HC, há outro recém inaugurado em São Paulo, na cidade de Ribeirão Preto. Eles respondem pelas demandas de pele em todo o território nacional, com a possibilidade de contribuir em emergências entre os países latinos. 

Antes da pandemia, em fevereiro de 2020, o HC-FMUSP doou 10 mil cm² de pele ao Ministério da Saúde do Peru para o tratamento das vítimas de explosão de um caminhão-tanque que transportava gás. A tragédia ocorreu em janeiro daquele ano, no distrito de Villa El Salvador, no sul de Lima, e deixou 48 pessoas com queimaduras graves a muito graves. O Banco de Tecidos de Porto Alegre também participou da ação, com doação na mesma quantidade. 

Vale destacar que o Banco, por ser ligado à USP, tem como pilares o ensino, pesquisa e resistência; aspectos que também podem ser prejudicados com o esvaziamento do estoque.