Esperança não resistirá à Casa Branca

“Pode demorar, mas haverá desilusão”, diz especialista em relação a Obama

Robert Sean Purdy é professor do Departamento de História da USP. Ele concluiu seu doutorado em 2003, pela Queen’s University do Canadá. Purdy é especialista em História da América, com ênfase nos Estados Unidos. Em entrevista ao Jornal do Campus, o professor falou sobre as eleições norte-americanas deste ano, as propostas do presidente eleito Barack Obama e a expectativa que se criou em torno de seu governo.

DESILUSÃO À VISTA: Para Robert Sean Purdy, propostas de Obama não são radicais (foto: Marina Yamaoka)
DESILUSÃO À VISTA: Para Robert Sean Purdy, propostas de Obama não são radicais (foto: Marina Yamaoka)

Jornal do Campus: A eleição de Obama é uma mostra de que a democracia norte-americana está em pleno vigor?
Robert Sean Purdy: Acho que não. Existe um sistema de democracia eleitoral comum nos Estados Unidos. Só 65% das pessoas votaram e as escolhas não foram tão claras. Existiam dois candidatos de dois partidos tradicionais, com plataformas políticas semelhantes, ou seja, não havia muita escolha. Eu não diria que foi um grande exemplo de democracia.

JC: Até que ponto o discurso de esperança de Obama pode ser sustentado?
RSP: Obama construiu uma imagem de esperança muito forte e ganhou por causa disso. Após oito anos de governo Bush, a população dos Estados Unidos está ansiosa por mudanças e o candidato democrata conseguiu convencer a maioria dos eleitores de que ele iria oferecer isso. O problema é que, na verdade, as mudanças políticas de Obama não são nem um pouco radicais. Mesmo na comunidade afro-americana dos Estados Unidos, muita gente o tem criticado por causa disso. Ele não fala de raça e de ações afirmativas, diz pouco sobre a questão da distribuição de renda e oferece uma plataforma política muito moderada.
Essa idéia de que ele ganhou através do apoio financeiro do povo é mentira. Obama recebeu doações de grandes corporações, de multinacionais, de Wall Street e até de ex-republicanos. Desde sua vitória nas eleições, ele tem escolhido secretários ligados diretamente à antiga elite dos Estados Unidos: o chefe de gabinete é totalmente vinculado à Wall Street e às corporações e o secretário de comércio é chefe de um banco em Nova York. Então, duvido que ocorram mudanças.
As pessoas irão se decepcionar totalmente, porque Obama terá que enfrentar graves problemas, como a crise financeira e duas guerras muito caras. Pode demorar, mas, com certeza, haverá desilusão.

JC: Um dos pontos da campanha de Obama era a retirada das tropas americanas do Iraque. O senhor considera essa medida efetiva?
RSP: Obama não é anti-guerra. Ele não está propondo retirar as tropas do Iraque porque o conflito é imperialista ou racista, mas sim porque não está dando certo. Os Estados Unidos estão sozinhos, lutando uma guerra que não é popular nem na região, nem no mundo.
Em 2003, quando era senador, Obama votou contra a invasão do Iraque, mas, desde então, tem apoiado todas as medidas de Bush sobre o conflito. Quando o atual governo queria mais dinheiro para guerra, ele votou a favor; quando queria confirmar Condolezza Rice como secretária de Estado, ele também apoiou. Essa postura é algo que pouca gente reconhece.

JC: Quais os principais efeitos da eleição de Obama para o Brasil?
RSP: Difícil dizer, porque ele falou pouco sobre o Brasil na campanha. Em termos de diplomacia, o tom menos agressivo pode fazer alguma diferença. Mas o presidente Lula já tinha uma boa relação com Bush.

JC: Qual a principal diferença entre as administrações republicanas e democratas?
RSP: Tom e detalhes. Só. Os dois partidos representam as elites dos Estados Unidos e são bancados por elas. Há diferenças em termos de estratégias e táticas. Historicamente, o partido democrata tem cortejado o apoio de sindicatos, da população afro-americana e tende mais para o centro. Em política externa, possui um tom menos agressivo, mas não muito diferente dos republicanos em termos de conteúdo. Foi uma administração democrata que começou a Guerra do Vietnã, por exemplo.

JC: Os problemas das eleições de 2000 (Bush – Al Gore) revelam alguma deficiência no sistema eleitoral norte-americano?
RSP: Absolutamente. Os Estados Unidos têm um sistema muito ineficiente. Eles ainda utilizam cédula de papel, mesmo tendo condições de usar a urna eletrônica.
Os problemas das eleições de 2000 também mostram a continuação do racismo nos Estados Unidos, porque, nessa ocasião, muitos eleitores afro-americanos foram proibidos de se registrar para votar. Isso é resultado de uma herança de racismo no país e da falta de vontade de superar esses problemas.
É preciso observar também a resposta do Partido Democrata às irregularidades nas eleições de 2000. Gore ganhou a votação popular, mas perdeu no Colégio Eleitoral. Quando os deputados afro-americanos quiseram mudar isso, só precisavam de um senador para ajudá-los a vencer o processo. Eles não conseguiram nenhum apoio, nem entre os democratas. Mesmo perdendo a eleição por causa de fraude, o partido não lutou, pois, por fazer parte da elite política dos Estados Unidos, teme tomar qualquer medida que cause instabilidade. O Partido Democrata basicamente deixou a Corte Suprema decidir a situação.

JC: Alguns especialistas falaram que essa eleição não significa um mundo pós-racial, mas sim um mundo pós-racismo. O senhor concorda com isso?
RSP: Discordo completamente. É verdade que a eleição de um negro representa mudanças que vêm acontecendo nos últimos 40 anos, como o crescimento de uma classe média negra e uma sociedade que se preocupa mais com o aspecto econômico do que com a questão racista e racial. Não nego que a eleição de um presidente negro representa mudanças, mas dizer que isso significa uma sociedade pós-racismo é um completo exagero. Ainda existem muitos problemas de racismo nos Estados Unidos. Segregação residencial é um exemplo. Nas grandes cidades, tais como Filadélfia, Chicago, Nova York e Los Angeles, há bairros 95% negros, onde faltam escolas e saúde pública.
No sul dos Estados Unidos, Obama recebeu, entre os brancos, menos votos do que Clinton e Kerry [candidato derrotado por Bush nas eleições de 2004]. No Alabama, por exemplo, nove em cada dez brancos votaram em McCain. No sul, em geral, a proporção foi sete em cada dez. Esses números, embora reflitam o racismo, não indicam o crescimento do problema, mas sim sua consolidação na economia, nos serviços públicos e em outros setores dos Estados Unidos. Se o racismo não se mostra tanto na atitude geral, na mídia ou no discurso público, ele ainda está bastante presente na realidade.