USP merece o destaque que recebe nos rankings universitários?

Listas têm critérios subjetivos e privilegiam universidades do Hemisfério Norte. Setor de gestão de indicadores vê ranqueamento como “comercial”

Por Thais Morimoto

Saiu no site, no Jornal da USP, foi pauta do Roda Viva. A conquista foi celebrada de diversas maneiras pela Reitoria. A melhor universidade da América Latina e Caribe, na edição mais recente do QS World University Ranking, é a USP, que, de maneira inédita, também ficou entre as cem melhores do mundo.

Fonte: QS World University Ranking. Arte: Lívia Lemos/JC

Mas essas listas são de fato confiáveis? A USP merece o lugar que ocupa? No QS, a USP ficou em 85º em escala mundial; no THE World University Ranking, entre 201 e 250 (a entidade não especifica posição para essa faixa do ranking). Como explica a professora e coordenadora do Escritório de Gestão de Indicadores de Desempenho Acadêmico da USP Fátima de Lourdes Nunes, cada ranking tem os seus critérios e fica responsável por medir uma dimensão da Universidade. Segundo ela, o QS e o THE são os mais famosos e se caracterizam por serem comerciais. “O objetivo no geral é vender consultoria, para que as universidades, em especial as do Hemisfério Norte, consigam captar alunos internacionais”, explica a professora.

No QS, somente a reputação tem um peso de 45%, um indicador com carga subjetiva. A métrica se baseia em pesquisas de opinião feitas com empregadores e acadêmicos de todo o mundo – professores de uma universidade da Argentina, por exemplo, são convidados a apontar as cinco melhores universidades da América Latina em sua área de atuação.

A professora ressalva que sondagens de opinião com a sociedade em geral podem espelhar visões idealizadas de instituições. “Já foram feitas pesquisas tanto no Brasil quanto fora que perguntam qual a Universidade com o melhor curso de Teologia. As pessoas respondem que é a USP, só que a USP não tem Teologia”, exemplifica Fátima. Ela também perguntou à repórter: “Qual é a maior universidade dos Estados Unidos?”. “Harvard”, foi a resposta. “De tanto ouvir falar que Harvard é boa, você respondeu que ela é a melhor. Pode ser que você nem saiba se Harvard tem a sua área”.

Além da reputação, há outros sete indicadores principais. No caso da USP, sustentabilidade, impacto de egressos e rede internacional de pesquisa, métricas introduzidas na edição mais recente ajudaram no bom desempenho – ano passado a USP ficou em 115º. Com tanto indicador, Fátima explica que não há sentido em trabalhar para melhorar todos. “Os rankings servem como uma avaliação externa e consultoria gratuita, que usamos com parcimônia. O objetivo da USP não é trabalhar para subir em ranking, mas usamos os relatórios para identificar pontos fortes e fracos. Aí, a Reitoria vê se faz sentido fazer alguma ação”.

Orientação internacional, que mede a quantidade de professores e alunos estrangeiros, é uma das métricas em que a USP não vai bem. “Vai ser difícil a USP subir muito, porque não faz parte da nossa natureza. A nossa Universidade é voltada para atender brasileiros, recebemos o dinheiro do imposto deles. Então não é o nosso objetivo receber alunos estrangeiros para tirar vaga dos brasileiros”, explica Fátima.

Fonte: QS World University Ranking. Arte: Lívia Lemos/JC

Classificações incoerentes com a realidade da USP?

Com tamanha carga de subjetividade, parte dos alunos enxerga uma incoerência entre a classificação da USP e a atual condição da Universidade.

De acordo com Yasmin Capocci, estudante de Artes Cênicas, “os rankings internacionais criam a ilusão para o resto do mundo de que está tudo bem na USP”. O estudante de História e diretor do DCE, Pedro Chiquitti, também afirma que apesar dos estudantes, professores e funcionários merecerem o reconhecimento nos rankings, a Reitoria não merece. Segundo o aluno, a Reitoria deixa de lado demandas essenciais de estudantes, professores, funcionários e da sociedade civil. As demandas da greve dos estudantes por contratação de professores e políticas de permanência seriam um exemplo disso. Para saber mais, veja a edição 537 do JC.

Para Fátima, a visão dos estudantes é explicada pela falta de conhecimento sobre a Universidade. “Quais unidades estão de fato sem professor? Quantos programas de pós-graduação a USP tem?” Essas são algumas das perguntas que Fátima percebe que a maioria dos estudantes não consegue responder. “Na maior parte das vezes, a comunidade repete aquilo que é falado e não vai atrás da informação. Existe uma falta de interesse em ir atrás dos dados corretos”, afirma.

O professor e vice-diretor da Faculdade de Educação da USP Valdir Heitor Barzotto também afirma que é importante conhecer outras universidades. “Temos que diferenciar uma crítica interna à USP sobre falta de professores e de equipamentos, por exemplo, e depois temos que nos permitir conhecer outras universidades, para ter um critério mais comparativo. Temos outras universidades em que a biblioteca é uma sala de aula. Há países em que somente 5% dos professores podem ter dedicação exclusiva. Então quando começamos a comparar com outras entidades, nossa reclamação cotidiana perde validade porque nós da USP somos muito privilegiados”, explica.

Das 10 primeiras universidades no QS, 9 ficam na Europa ou nos Estados Unidos e 8 possuem como idioma oficial o inglês. Fonte: QS World University Ranking. Arte: Lívia Lemos/JC

Inglês: o idioma dos rankings

Outra discussão que os rankings internacionais trazem se refere ao idioma predominante entre os países que comumente são melhores classificados: o inglês. Direta ou indiretamente, a língua muitas vezes é necessária para que a Universidade fique bem colocada.

Embora não seja possível afirmar que o inglês seja realmente priorizado por causa dos rankings, Barzotto defende que a reitoria da USP privilegia o idioma em detrimento de outras línguas. “A gestão central financia editais em que os professores devem ministrar suas aulas em inglês, apresentações de trabalho em inglês e incentivam a publicação de artigos em inglês”, exemplifica o professor.

Fátima, por outro lado, explica que a USP não tem nenhum direcionamento oficial em relação a idiomas estrangeiros e que o financiamento da Reitoria no inglês advém da própria cultura da comunidade uspiana e da necessidade dada pelo direcionamento mundial.