Com licença ou sem licença?

Food truck paga quantia mensal para funcionar no Campus Butantã [Foto: Mariana Zancanelli/JC]

Estabelecimentos licitados e informais disputam espaço na USP. Prefeitura do Campus proíbe comércio não regularizado, mas vendedores não veem fiscalização

Por Gabriel Eid, Laura Pereira Lima e Ricardo Thomé

“Se esse indivíduo estivesse aqui dentro, pagando seus impostos como nós pagamos, não teria problema nenhum”, afirma Bruno Quinalha, proprietário do food truck Candy Truck, localizado na Praça do Relógio Solar. A reclamação de Quinalha recai sobre os comerciantes ilegais, ambulantes que não possuem licença para atuar dentro da Universidade e que, segundo ele, não são devidamente repreendidos pelas autoridades.

Não é qualquer pessoa que pode vender seus produtos dentro da USP. Os estabelecimentos oficiais passam por um longo processo de aprovação pela Prefeitura do Campus. O primeiro passo é o chamamento público. “Há uma lista gigantesca de papéis solicitados”, conta o dono do food truck de hambúrguer que comercializa na Universidade desde 2018. Ao todo são 13 documentos diferentes, que incluem desde o Cadastro Municipal de Vigilância em Saúde até o Certificado de Curso de Boas Práticas em Manipulação de Alimentos. 

A papelada por si só já afasta a maioria dos interessados, segundo Quinalha, mas a Prefeitura ainda elabora critérios de pré-seleção dos estabelecimentos. Segundo o edital de janeiro, o órgão leva em consideração “se o fornecedor de alimentos tem capacidade de operar com qualidade, proporcionando refeições balanceadas, com valor nutritivo e custo acessível ao consumidor”. Após a pré-seleção, é realizado um sorteio com os candidatos remanescentes. 

Além de apresentar os documentos, Quinalha também paga uma quantia mensal equivalente a 10% do valor do metro quadrado na região da Cidade Universitária — isto é, R$ 289,41 por cada m2. “É injusto nós estarmos pagando um valor alto de aluguel e os comerciantes informais não”, completa.

O que dizem os informais

Outro estabelecimento que faz sucesso como os estudantes — especialmente depois do almoço — é a Dôceis Doces, banca informal em que Ana Julia Altino vende doces caseiros. Localizado na frente do bandejão central, o comércio é uma herança familiar: a mãe vende trufas na Universidade desde 2015, e ela e o irmão se revezam na região do Crusp. “Eles passam e dão ‘oi’, ninguém reclama”, conta, sobre os guardas da Universidade, muitos dos quais são seus clientes. 

Thiago é um recém-chegado no comércio dentro da Universidade e aproveitou para expor artesanatos indígenas, já que é de origem tupinambá, no vão da História e na frente do Bandejão Central. Segundo ele, a sua permanência e a de outros ambulantes no espaço da universidade é um sinal de resistência.

Thiago acabou de chegar, mas Vavá conhece a USP como poucos. Ele começou a vender artesanato no campus do Butantã em 1987 e, hoje, estende sua banca no vão da História e da Geografia. Nesse período, Vavá já foi abordado por guardas. “Eles querem que eu vá à prefeitura [do Campus] pegar licença. Quando vou à prefeitura, nunca respondem”, afirma. 

Vavá diz que os guardas só requerem a saída dos artesãos se existe algum incômodo por parte das instâncias superiores da Universidade, o que segundo ele é raro. “Ninguém está fazendo nada de errado”. Em 36 anos, foi obrigado a  se retirar apenas uma vez: “Veio um cara que nunca tinha vindo aqui, ligou para a Reitoria e fez a denúncia”. O artesão obedeceu, mas não teve grandes prejuízos. “Eu já estava indo embora de qualquer jeito. Voltei no dia seguinte”.

O JC entrou em contato com a Prefeitura do Campus para questionar a posição quanto ao comércio informal. Por meio de nota, o órgão respondeu que “existe uma Resolução da USP que proíbe a venda de alimentos no Campus sem o processo licitatório”. 

A Resolução a que a Prefeitura se refere é a nº 7351, de 2017, que  regulamenta a circulação de “comida de rua” no campus da capital. No documento, consta “a necessidade de definição de padrões higiênico-sanitários e operacionais.”

O parágrafo 3º da Resolução evidencia que, “na hipótese de exercício de comércio irregular, o fornecedor será notificado a desocupar imediatamente (…), e, em caso de recusa, será realizada a comunicação do fato aos órgãos de fiscalização competentes para apreensão de mercadoria e acionamento das polícias das esferas municipal e estadual”. Questionado sobre o protocolo quanto a esse tipo de comércio, o órgão respondeu que é uma competência da Procuradoria Jurídica da Universidade, e não da Prefeitura. Contatada, a Procuradoria encaminhou o pedido para o Serviço de Informação ao Cidadão (SIC-USP), que passou a demanda para o serviço de imprensa da Universidade, que remeteu a reportagem de volta à Prefeitura do Campus. 

Acordos de funcionamento

Um novo estabelecimento chama a atenção no prédio do Diretório Central dos Estudantes (DCE): a ótica universitária, reinaugurada em agosto. Pertencente a Raimunda Oliveira da Silva, mais conhecida como Ray, a ótica planeja oferecer óculos com preços mais acessíveis.

O comércio se enquadra em uma situação especial, por não ser nem informal, nem regularizado junto à Prefeitura do Campus. A ótica de Ray utiliza o espaço do DCE e, segundo ela, não possui nenhum contato com a administração da USP. “Se existe qualquer insatisfação ou desacordo, eles manifestam diretamente com o DCE e a entidade nunca me passou nada neste sentido”. De acordo com Ray, o contrato com o DCE é flexível, podendo variar a quantia de acordo com o mês. 

Questionada sobre a situação de estabelecimentos comerciais dentro de espaços estudantis, Daniella Vilela, representante da prefeitura, respondeu que “os espaços sob a gestão da Prefeitura do Campus são as áreas comuns, os demais estão sob gestão dos dirigentes das unidades”. 

Ótica aluga espaço diretamente do DCE [Foto: Mariana Zancanelli/JC]