Também no esporte, o bom filho à casa torna

Formados, pós-graduandos e até professores provam que o esporte universitário vai além dos alunos de graduação

Por Ana Mércia Brandão, Osmar Neto e Yasmin Araújo

Engana-se quem pensa que o esporte universitário é composto apenas por alunos. Muitos egressos, funcionários e até professores praticam esportes no mundo universitário. Várias competições da USP permitem, e até estimulam, a participação de atletas que não estejam cursando uma graduação. Ainda que não sejam maioria, esses esportistas oferecem uma perspectiva diferente do relacionamento com as práticas esportivas.

Rafael Oliveira, de 26 anos, se formou em Jornalismo em 2021, mas decidiu continuar participando dos treinos e competições do time de Atletismo da ECA. Ele é membro regular da equipe desde agosto de 2015, quando estava no segundo semestre da graduação.

Em meio à pandemia, o esporte foi o que o ajudou a se manter no eixo. Os treinos continuaram de forma online, e cada atleta praticava por conta própria, em casa ou na rua. “Percebi que o esporte passou a ser uma parte muito importante da minha vida. Me sinto meio perdido sem ele, rendo menos, durmo e me alimento pior”, diz.

Com o fim do período pandêmico e da graduação, o jornalista-atleta percebeu que poderia, e queria, continuar frequentando os treinos e os torneios do atletismo universitário. Ele conta que um ponto positivo de continuar jogando é a possibilidade de inspirar os alunos mais jovens, como ele, um dia, também foi inspirado. “Chegar numa equipe e ver que tem alguém que está lá há tanto tempo e continua treinando ajuda a pensar ‘pô, deve ser legal’.” 

Neste ano, ele disputou seu primeiro Bife – Jogos Universitários da USP, um dos principais do ano no calendário ecano – como formado. A decisão de continuar na equipe de atletismo não vem apenas com as glórias das competições, mas também com as concessões necessárias para continuar treinando. Às segundas-feiras, Rafael sai mais cedo do trabalho para conseguir chegar, mesmo que atrasado, no treino. Ele classifica o atletismo como seu “hobby principal”, o qual leva com um comprometimento que o faz, por vezes, ter que lidar com a frustração de abrir mão de seu tempo livre para eventos do esporte. O jornalista, no entanto, é assertivo: vale a pena. “Eu trabalho e sou do atletismo. É um sacrifício que, felizmente, eu escolho fazer”, resume.

Ano que vem, Rafael jogará seu último Bife, mas garante que sua jornada de competições e treinos não vai parar por aí. Todo ano, a Federação Paulista de Atletismo promove torneios abertos, principal meio que o jornalista vê de continuar competindo. “Agora teve o Brasileiro Master, com uma senhorinha de 91 anos correndo 200 metros. Não sei se eu consigo chegar aos 91, quem dirá correr aos 91, mas é algo que eu pretendo continuar fazendo enquanto meu corpo permitir.”

“Não é mais uma coisa de ‘estou competindo pela ECA’. O calendário mental muda um pouco. Agora é uma coisa mais por mim e pela convivência com as pessoas, pelo papel que o esporte tem na minha vida”, resume.

Rafael durante competição no Bife, em 2023. [Foto: Rafael Oliveira/Arquivo Pessoal]

Enquanto 8 dos 26 anos de vida de Rafael foram dedicados ao esporte, para Daniel Lamarca, mestrando na FFLCH da mesma idade, 2023 foi seu primeiro ano competindo pela USP – mais especificamente, pelo time de xadrez da Faculdade.

Daniel, que é formado em Filosofia pela USP, começou a jogar durante a pandemia e a frequentar os treinos de xadrez em 2022, quando iniciou seu mestrado. “Me senti bem mais acolhido do que na própria graduação e, com certeza, vou continuar jogando com as pessoas que conheci no time”, afirma.

Daniel durante competição no Bife, em 2023. [Foto: Daniel Lamarca/Arquivo Pessoal]

Se Daniel já é prova de que nunca é tarde demais para se envolver no esporte universitário, os membros do Poli Masters são mais ainda. Há quase uma década, a equipe de natação da Escola Politécnica da USP (Poli) vem unificando a prática esportiva à integração. Formado por alunos, funcionários, professores e egressos, o grupo nasce do desejo de três amantes do esporte de promover a saúde em águas uspianas. Ir ao Centro de Práticas Esportivas da USP, o Cepeusp, às terças, quintas ou sábados é quase o mesmo que marcar um encontro com a equipe. Nos treinos, que tomam o conjunto aquático, a diversidade de idades, características e personalidades logo é percebida pelos olhares e ouvidos mais atentos. Dentro da piscina, as diferenças enriquecem as raias.

As competições também alavancam sua motivação. As medalhas, penduradas nos pescoços dos nadadores em diversos registros da equipe, exibem o resultado de longas jornadas de dedicação. Atualmente, a equipe participa do Circuito Paulista de Masters de Natação e luta, ou melhor, nada pelo seu lugar no pódio.

Treino do Poli Masters, equipe de natação da Escola Politécnica da USP. [Foto: Sofia Lanza/JC]

Alexandre Kawano, professor da Poli e um dos fundadores da equipe master de natação, ressalta que a integração e o intercâmbio de experiências fazem parte da origem do grupo. “No início, o Poli Masters tinha o enfoque em competição, mas sempre tivemos a integração como um objetivo. Queríamos um grupo não só para estudantes ou professores, mas para todo mundo, e, acima de tudo, queríamos promover a saúde”. Com os objetivos em mente, a Poli Masters estabeleceu uma única exigência para entrar no grupo: é preciso saber nadar, mas não há seleção prévia na formação da equipe.  

Parte das estratégias de integração foi riscar algumas palavras do dicionário da equipe. “Falar que é velho é proibido!”, adverte Kawano. A categoria masters acolhe nadadores de até 90 anos. As limitações físicas, naturais com a passagem do tempo, são compensadas com a inclusão de instrumentos de auxílio, como pés de pato, por exemplo. “Nós temos um professor de 75 anos. Antes, o treino dele era diferente, mas eu falava ‘não, ele tem que fazer o mesmo’. Se ele não consegue executar, ele faz a mesma metragem, mesmo tempo, mas com um auxílio, um treino adaptado. Esse foi um ponto que a gente trabalhou”, explica o docente. 

As palavras vão ao encontro da percepção de Rafael. No seu 8° ano como integrante da equipe de atletismo da ECA, ele também celebra o esporte como um meio de fortalecer a relação dos estudantes com a Universidade, indo além da formação acadêmica. “Acredito muito no esporte universitário, para muito além do atletismo, como uma ferramenta de integração. É um meio para que a universidade não seja só a sala de aula. Ter conhecido tanta gente da ECA e de outros cursos, gente diferente, perfis diferentes, é um motivo de orgulho, de satisfação pessoal.”