Acessibilidade no Campus: um caminho tortuoso

Estudantes e funcionários com deficiência relatam problemas que vão de rampas com degraus à falta de preparo e acolhimento

Por Lorena Corona e Ricardo Thomé

Juliana Altino, aluna da Faculdade de Educação [Foto: Ricardo Thomé/JC]

“‘Melhor universidade da América Latina’ para quem?”, questiona Juliana Altino, estudante de Pedagogia e fundadora do Coletivo Defiça Laureane Costa, o Coletivo de Pessoas com Deficiência (PcDs) da USP (@coletivopcdusp). 

O JC conversou com quatro estudantes e funcionários PcDs que frequentam a Universidade e os indagou a respeito da acessibilidade no campus. A conclusão foi unânime: mesmo marcando presença em boas posições nos rankings universitários, a USP não possui uma estrutura inclusiva.

Uma luta diária

Juliana tem mobilidade reduzida devido a problemas de saúde, alternando entre cadeira de rodas e andador para se movimentar. A jovem afirma que, além de ter uma vivência universitária diferente da de seus amigos, se sente mais vulnerável no campus. “Por ter uma deficiência física, eu sinto que corro mais perigo, que sou vista como um alvo mais fácil, até em questões de assédio sexual”, diz.

Já Matheus Figueiredo, estudante de Farmácia, tem autismo e vê a falta de preparo dos funcionários como uma das dificuldades centrais dentro da instituição. Ele cita o caso dos bandejões como um exemplo de situação em que deficiências ocultas são postas em dúvida devido à falta de instrução. “O problema é que deveria haver um registro dos estudantes com deficiência [na carteirinha]”, pontua, já que o uso de símbolos PcDs como cordões de girassol ou quebra-cabeça nem sempre é reconhecido pelos funcionários.

Matheus Figueiredo, estudante de Farmácia [Foto: Lorena Corona/JC]

Micael Franchi faz licenciatura em Educomunicação e tem fibromialgia e hipermobilidade articular, condição que faz com que os ossos saiam do lugar com muita facilidade. Dentro do campus, a locomoção não é fácil. O estudante conta que uma das rampas próximas à ECA, que dá acesso à calçada, tem um degrau. “Já caí de cara no chão. Uma amiga me ajudou e me carregou de volta para a cadeira. Tive que fazer uma manobra para conseguir passar pela rampa, que era para ser uma ferramenta de acessibilidade”, relata.

Mesmo no que diz respeito aos serviços que a USP efetivamente oferece, Micael acredita que falta divulgação, o que faz com que os próprios estudantes e funcionários não os reivindiquem: “Podemos nos matricular primeiro, existe um carro para levar as pessoas que têm deficiência pela USP… Só fiquei sabendo disso por um amigo da área jurídica do coletivo”.

Funcionários PcDs 

Viviane Pitta começou a trabalhar nos laboratórios do IQ em 2006, quando ainda não havia sido diagnosticada com stiff-person, ou síndrome da pessoa rígida, condição neurológica autoimune que afeta os movimentos dos músculos. Após ser aposentada por dez anos, ela foi reintegrada à USP e transferida para o ICB (Instituto de Ciências Biomédicas). 

Viviane relata que teve dificuldades no processo de readaptação, o que a fez perceber as carências do campus e a motivou a participar do coletivo. Ela aprova a abertura da Pró-Reitoria de Inclusão e Pertencimento para o diálogo com o grupo, mas enfatiza que a representatividade ainda é um problema: “Nós precisamos ter representantes com deficiência na PRIP. Não adianta colocarmos 20 professores e nenhum viver isso na pele”.

O que diz a PRIP

Procurada pelo JC, a professora Eucenir Fredini Rocha, responsável da PRIP pelo diálogo com os coletivos, afirmou que o órgão visa a atender à “complexificação das demandas de pessoas com deficiência”. Segundo ela, as reuniões deram origem a um Grupo de Trabalho (GT) para elaborar uma “Política de Inclusão e Pertencimento das Pessoas com Deficiência na USP”, com participação dos coletivos. 

Um dos objetivos do GT seria lidar com “barreiras atitudinais”, como as apontadas por Matheus, além de fazer levantamentos sistemáticos de dados sobre as PcDs. “A PRIP está ciente dessas necessidades e dificuldades e deve organizar no próximo ano ações de sensibilização e formação de funcionários e docentes para um melhor acolhimento das PcDs”, reitera.

Sobre a infraestrutura, Eucenir aponta a necessidade de “atualização”. Quanto a questões específicas como as levantadas por Micael, a professora respondeu que “elas devem ser discutidas nas Comissões de Graduação em parceria com a Comissões de Inclusão e Pertencimento (CIP) de cada unidade”.