Muito além do arco-íris

Após caso do CA da Veterinária, Universidade vira palco de discussão sobre a homofobia e de movimentos em prol dos direitos LGBT

Fizeram sucesso nos a­nos de 1980 os versos de Tim Maia que afirmavam: “Só não vale dançar homem com homem, nem mulher com mulher…”. Os dizeres dessa música, ao que parece, foram levados ao extremo no dia 10 de outubro durante uma das festas do Centro Acadêmico da Veterinária, quando um casal homossexual foi expulso após dançar e se beijar em um dos palcos. O CA alega que o motivo da expulsão não foi o preconceito, mas o fato de Jarbas Rezende e José Eduardo Góes estarem dançando em um local inapropriado.

Jarbas Rezende em ato contra a homofobia (foto: Marina Yamaoka)
Jarbas Rezende em ato contra a homofobia (foto: Marina Yamaoka)

Esse caso trouxe à tona a questão da homofobia na USP. Desde o acontecimento, manifestações contra a discrimina­ção por orientação sexual ocorreram no campus. Primeiro, o Beijaço, em que casais heterossexuais e homossexuais se beijaram para protestar contra repulsa à homossexualidade. Na quarta-feira (12), houve, em frente à Reitoria, um ato político que deu continuidade ao Beijaço. “A intenção não era festejar ou atrair grande público, mas sim usar o local, de grande passagem de pedestres e carros, para protestar”, disse Dario Ferreira, mestrando em Letras que coordenava o ato.

Cláudia Thomé Toni, autora do livro "Manual de Direitos dos Homossexuais" (foto: Raphael Florêncio)
Cláudia Thomé Toni, autora do livro "Manual de Direitos dos Homossexuais" (foto: Raphael Florêncio)

Leis

Visando a um amparo jurídico para casos como o do CA da Veterinária, tramita no Congresso Nacional o projeto da Lei da Homofobia, que prevê pena para discriminação relacionada à orientação sexual. Com a legislação atual, atitudes preconceituosas direcionadas aos homossexuais não estão enquadradas em nenhum crime.

Segundo a juíza Cláudia Thomé Toni, autora do livro Manual de Direitos dos Homossexuais, não há nenhuma lei que determine direitos aos homos­sexuais. “O que há na Constituição é uma vedação quanto à discriminação em relação à raça, cor e sexo, mas a Constituição não traz o termo orientação sexual. Existe uma emenda constitucional para mudar o termo sexo para orientação sexual. Aí teríamos uma previsão expressa na Constituição que impediria qualquer tipo de discriminação” afirma Cláudia.

Caso aprovada a Lei da Homofobia, Jarbas e José Eduardo não serão, ainda, beneficiados. Segundo a juíza, “a lei tem que estar em vigor no momento da prática do crime”.

Embora ainda não seja possível punir quem discrimina homossexuais, Jarbas acredita que a homofobia não pode ser tolerada “em um lugar tido como referência moral, intelectual e científica do país”.

USP e LGBT

Nem todos, contudo, sentem o preconceito na Universidade. César Augusto Júnior, estudante de Engenharia Elétrica, acredita que ser homossexual na USP não é muito diferente do que em outros lugares. “Tem gente que vem com um papo mais engraçadinho. Mas, com a maioria, não tive problema. Trago meu namorado na Poli e é super tranqüilo”.

Junto com a amiga Estela Martins, também estudante de Engenharia Elétrica, César criou, em dezembro de 2007, o grupo Aquarela para partilhar experiências e conhecer novas pessoas da comunidade LGBT da USP.

Ao contrário do Prisma, outro gru­po LGBT da Universidade, o Aquarela não tem como diretriz o engajamento político. “Eu fui a uma reunião do Prisma, mas percebi que o Prisma já estava morrendo, acabando. Além disso, eles tinham um foco mais militante. E não queríamos isso. Queríamos ajudar as pessoas que estão aqui a se conhecerem” diz Estela. Ela salienta que o Aquarela não é contrário a política, apenas prefere focar na interação entre as pessoas.

Após criarem o grupo, César e Estela espalharam 200 cartazes pela USP, avisando sobre a primeira reunião do Aquarela. Segundo Estela, o número de participantes vem crescendo gradualmente. “Nosso primeiro encontro tinha quase 40 pessoas. No último que fizemos, mais de 100 pessoas compareceram”, entusiasma-se a estudante. Os encontros do Aquarela acontecem em barzinhos ou baladas e são marcados pela informalidade. “As pessoas não são obrigadas a se apresentar umas para as outras. Se sabemos que há pessoas de um mesmo curso que não se conhecem, fazemos as apresentações” diz Estela.

Sobre as manifestações ocorridas na USP, César acredita que elas são válidas, já que levam à mídia uma realidade: a homofobia existe. “O Brasil é o país da pseudo-liberdade e da pseudo-democracia. Temos a maior Parada Gay do mundo e ainda assim temos que engolir casos desde os mais ‘simples’ como esse do Jarbas e do Eduardo”. Para Jarbas, atos contra a homofobia devem “atravessar os muros da Univesidade” a fim de acabar com o preconceito.

Cesar Augusto Júnior e Estela Martins, fundadores do grupo Aquarela (foto: Raphael Florêncio)
Cesar Augusto Júnior e Estela Martins, fundadores do grupo Aquarela (foto: Raphael Florêncio)