Debate: meia entrada deve ou não ter cotas?

Meia entrada deve ou não ter cotas? (foto: Rafael Benaque)Um projeto de lei recém-aprovado pelo Senado pretende criar uma cota para ingressos meia-entrada. A idéia do projeto é que, do número total de bilhetes vendidos, 40% sejam destinados a estudantes e idosos.
O projeto foi criado pelo senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG), mas na Comissão de Educação sofreu mudanças, após várias audiências públicas com representantes dos estudantes e dos produtores culturais. A relatora do projeto na Comissão é a senadora Marisa Serrano (PSDB-MS), que apresentou um substitutivo à matéria original.
Os produtores culturais afirmam que, com essa lei, os preços dos ingressos cairão. Representantes da classe estudantil, por sua vez, rebatem dizendo que o problema do excesso de vendas desses poderia ser resolvido com a regulamentação da emissão de carteiras de estudante.
O Jornal do Campus perguntou a dois professores da USP, ligados também com a produção cultural, se tal projeto é válido ou não. Confira as respostas

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Engodo disfarçado de direito – por Ferdinando Martins
Seguramente imparcial – por Renata Pallottini


Engodo disfarçado de direito

por Ferdinando Martins

À primeira vista, o projeto de lei que regulamenta a meia-entrada parece ir contra o direito dos alunos, mas uma reflexão mais atenta revela que o que se pretende é popularizar o acesso à cultura.

Como produtor cultural, sei que a meia-entrada é um engodo. Primeiro porque é real o fato de se aumentar o valor do ingresso com a expectativa de um grande número de meias-entradas: as companhias dobram o preço. Essa distorção prejudica quem faz e quem consome arte. O ciclo dessa corrupção tem efeitos nocivos – diminui a produção e dificulta o acesso. Torna-se uma espécie de censura, legitimada pela lei e apresentada como direito dos estudantes.

Quando fiz a produção de Santidade, no Teatro Oficina, tinha dó de quem pagava inteira. Parecia injusto ver que 80% dos ingressos eram meia – e grande parte do desconto era obtido por meio de carteirinhas frias – há quem “freqüente” um curso universitário durante uma década. E, convenhamos, esse público não tem limitações financeiras que o impede de ir a cinemas e teatros sem o desconto.

Produtores se comprometeram a baixar os ingressos, caso a cota de 40% seja aprovada. Isso pode garantir mais estabilidade para as companhias e empreendedores, que poderão investir em novas produções.

A medida irá beneficiar trabalhos menos alternativos. Obras experimentais são prioritariamente subvencionadas pelo Estado, já que o risco de não ter retorno suficiente para dar conta de seu custo de produção é maior. O Estado brasileiro, até o momento, tem feito cortesia com o chapéu alheio com o atual sistema de meia-entrada.

Sei que é clichê citar a grande Cacilda Becker, mas é inevitável lembrar sua fase célebre: “Não me peça de graça a única coisa que tenho pra vender”. É assim que valorizamos a cultura.

Ferdinando Martins é jornalista, sociólogo produtor cultural, pós-doutorando da ECA e professor no Teatro Oficina.
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Seguramente imparcial

por Renata Pallottini

É muito estimulante escrever sobre um tema polêmico, quando fazemos parte dos dois lados da polêmica.

É esse o meu caso: sou, ao mesmo tempo, professora da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo e dramaturga praticante; ou seja, interessa-me o assunto chamado “dos 40%” quer como universitária, quer como classe teatral.

Da maneira do costume, resolvemos, nós, os brasileiros, dar uma solução ao assunto da meia-entrada nos espetáculos teatrais, cinematográficos e outros, sem mexer no cerne do problema: ou seja, a legitimidade dos documentos que comprovam o caráter de estudante do estudante.

O tema da chamada “carteirinha de estudante”, que daria ao seu portador o direito à meia-entrada, tem sido largamente exposto como sendo um caminho tortuoso, fartamente aberto a falsificações de toda espécie.

Provavelmente, metade das carteiras de identidade do estudante atual é falsa; no entanto, a outra metade é verdadeira! Ou seja: os estudantes existem, geralmente são desprovidos de maiores recursos financeiros e têm todo o direito de querer assistir a espetáculos de qualquer gênero.

Como resolveriam este problema os legisladores de boa fé? Tratando de fazer com que a emissão de carteiras comprobatórias fosse feita por entidades honestas, competentes e legítimas.

Faz-se isso? Não. É mais fácil restringir o número de lugares acessíveis aos estudantes supondo-se, é claro, que a aferição desses lugares disponíveis seja feita honestamente.

Acontecerá isso na realidade? Ou vamos viver mais uma situação de faz-de-conta? O futuro dirá…

Renata Pallottini é professora titular da ECA, doutora em Artes Cênicas pelo CAC-USP, tradutora, poetisa e dramaturga.
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