USP não cumpre lei de acessibilidade

A Universidade já deveria ter, em pelo menos 20% dos cursos de licenciatura, Pedagogia e Fonoaudiologia aulas regulares de Libras

A USP está atrasada em relação ao ensino da Libras, a língua brasileira de sinais. Segundo decreto presidencial datado de 2005, todos os cursos de fonoaudiologia assim como de formação de professores – licenciaturas, pedagogia e educação especial – deveriam oferecer aulas da língua como disciplina obrigatória.

O decreto regulamenta a lei nº 10098 referente à acessibilidade de portadores de deficiência e a lei nº 10436, que versa sobre a Língua Brasileira de Sinais. O documento estipula que, até 2015, as instituições de ensino devem ter a disciplina de Libras em 100% de seu curso. O cronograma presente no decreto deixa claro que cada instituição de ensino deveria, até 2008, ter a disciplina instituída em 20% de seus cursos, começando pelos de Letras, Pedagogia e Fonoaudiologia. Na USP, até o momento, nenhum curso oferece a Libras como disciplina regular.

Em 2010,  cada instituição terá que garantir que 60% de seus cursos de formação de professores e Fonoaudiologia tenham a Libras como disciplina regular, de acordo com o decreto. Já há várias universidades particulares sob avaliação do Ministério Público Federal, como a USP é uma autarquia estadual, no entanto, é da atribuição do Ministério Público Estadual (MPE) apurar se a ela está ou não acatando ao decreto presidencial. Se, após uma denúncia, o MPE chegar à conclusão de que a situação da USP está irregular, esse poderá tomar algumas medidas. Como expedir uma recomendação para que a Universidade se adeqüe à legislação por meio de um termo de ajustamento de conduta – acordo que estabelece prazos e multas caso não seja cumprido – e, finalmente, uma ação civil pública, que poderia culminar numa condenação judicial obrigando a Universidade a se adequar ao decreto.

Enquanto a USP  discute a implantação da disciplina, outras Universidades estaduais já estão se adequando ao cronograma. Além de existir o oferecimento de cursos de línguas de sinais desvinculados da grade das graduações, a Unicamp criou em 2005 disciplinas de Educação de Surdos e Língua de Sinais na Faculdade de Educação e em 2006, uma disciplina regular de Libras na Fonoaudiologia.O Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) da Unicamp ainda não fez a implantação como disciplina regular, mas tem, desde 2008, um curso de extensão em parceria com a Universidade Federal de Santa Catarina para a graduação de professores de Libras. É um curso à distância oferecido pela UFSC junto a instituições em todo o país – entre elas a USP.

A fonoaudióloga Carol Regina Tanikawa teve de procurar cursos de libras fora da USP para trabalhar com pacientes surdos (foto: André Cabette)
A fonoaudióloga Carol Regina Tanikawa teve de procurar cursos de libras fora da USP para trabalhar com pacientes surdos (foto: André Cabette)

A Fonoaudiologia é um dos cursos da USP que reclama o oferecimento da disciplina. Sem as aulas na grade horária, os estudantes são obrigados a completar sua formação por conta própria, buscando cursos de fora da universidade para poderem trabalhar com deficientes auditivos. Os próprios alunos estão organizando aulas, mas elas custarão R$90,00 mensais, quantia que nem todos podem pagar. Para a professora Maria Silvia Cárnio, coordenadora do Laboratório de Leitura e Escrita do Curso de Fonoaudiologia da Faculdade de Medicina da USP,  “seria o ideal que eles [os alunos] tivessem aula desde o primeiro ano”.

Maria Sílvia foi uma das integrantes de um grupo de trabalho aprovado pelo Conselho de Graduação (CoG) em 2006. O grupo era formado por onze professores de várias unidades interessadas na implantação do ensino da Libras e tinha o objetivo de estudar questões pertinentes à Língua Brasileira de Sinais. Segundo a Professora, no final de 2008 chegou-se ao esboço de um projeto. Seriam contratados três professores para os campi de São Paulo, Bauru e Ribeirão Preto, Eles formariam surdos que dominam a língua de sinais para que esses dessem as aulas nas diversas unidades. Houve até o esboço de um edital especificando as qualificações dos profissionais, mas “passou o Natal, o ano novo e a comissão desapareceu”. Maria ressalta que não sabe se o grupo foi dissolvido, suspenso ou se ela e outra participante do grupo, a professora Ida Lichtig, também da fonoaudiologia, deixaram de ser chamadas. “Se o processo está parado, é muito triste, porque nós trabalhamos muito nisso”.

Na Faculdade de Educação (FE) da USP, de acordo com a professora Rosângela Gavioli Prieto, existem disciplinas obrigatórias e optativas que iniciam o aluno de graduação na educação especial. Mas a contratação do professor responsável pelo ensino ainda está em curso. A Reitoria já aprovou a criação do cargo, cabendo agora à faculdade discutir em que termos se dará o ensino. Para a professora, os motivos da demora no oferecimento da língua são a necessidade de realizar essas discussões e a típica lentidão com que os assuntos são resolvidos na USP.

Até o fechamento dessa edição, a Pró-Reitoria de Graduação não havia respondido aos pedidos de entrevistas feitos pelo JC para esclarecer a questão. Segundo a professora Ana Paula Scher, chefe do departamento de lingüística da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH), o grupo de trabalho decidiu que a Lingüística irá contratar um professor e pesquisador com especialidade em Libras. Esse preparará docentes para outros cursos de formação de professores e para a Fonoaudiologia. A vaga, inclusive, já teria sido aprovada pela Reitoria, mas o edital de contratação ainda está passando pela Consultoria Jurídica da USP.

Errata

A legenda publicada na edição impressa do JC 350 informava incorretamente o nome da fonoaudióloga retratada. A edição online já foi alterada.