Como você pratica a sua fé?

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Catolicismo
Judaísmo
Islã
Pentecostalismo
Presbiterianismo
Espiritismo
Ateísmo


Catolicismo

Grupo Focolare reunido na Praça do Relógio (foto: Teresa Perosa)
Grupo Focolare reunido na Praça do Relógio (foto: Teresa Perosa)

Meio-dia, praça do relógio. Um grupo de estudantes se reúne sob uma grande e frondosa árvore, a frente do corredor da Colméia. O que fazem ali? O que todo grupo de estudantes faz: conversam sobre suas vidas. A diferença? A discussão ocorre a partir da leitura de textos bíblicos ou relacionados à religião. O grupo faz parte do movimento Focolare e é uma das manifestações religiosas ligadas ao catolicismo, além dos GOUs (grupos de oração universitários), presentes na Cidade Universitária.

O movimento dos Focolares (do italiano, fogo e lar) nasceu na Itália, em 1943, a partir da iniciativa de Chiara Lubich. “Chiara queria criar algo que não pudesse ser destruído por bombas e pelos horrores da guerra”, diz Angélica Soratto, estudante de licenciatura de Ciências Sociais (FFLCH) e uma das responsáveis pelo grupo. “Mais do que professar a fé, os Focolares buscam a unidade das pessoas através do diálogo”, diz.

O grupo é bem diversificado. Alunos da graduação e da pós de diferentes unidades encontram no Focolare um espaço para conversar sobre sua religiosidade e como ela se integra à vida prática. “Estamos abertos para qualquer um que queria fazer parte. Já tivemos protestantes e até ateus no grupo. O interessante é o debate”, diz Fábio de Oliveira, aluno de mestrado em Teoria Literária.

Sobre conciliar vivência religiosa e vivência acadêmica, o grupo admite que isso nem sempre dá de maneira tranqüila. “Conheci pessoas que tinham uma crença e, no entanto, sufocaram-na em função da entrada na universidade”, declara Fábio. “A maioria das pessoas respeita nossas crenças, mas existem aqueles que acham que nossa fé nos cega para assuntos acadêmicos”, diz. A suposta falta de neutralidade em função de sua fé é refutada pelos membros do Focolare. “Existe esse mito da neutralidade na ciência. Claro que temos que respeitar alguns parâmetros, mas minha fé não me impede de ser uma boa cientista”, diz Angélica. “Minha fé imprescindível para mim”, diz Glauco dos Santos, estudante de pós-graduação em educação. “Não preciso me mutilar para entrar no ambiente acadêmico”. (T.P.)

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Judaísmo

Lívia como judia ortodoxa sempre usa blusas que ultrapassam o cotovelo (foto: Carol Nehring)
Lívia como judia ortodoxa sempre usa blusas que ultrapassam o cotovelo (foto: Carol Nehring)

Lívia Soledade Moraes Rego. O nome não soa judeu, é verdade, porque o sobrenome é do pai, mas isso pouco importa, pois judeu é aquele que nasceu de mãe judia e a mãe de Lívia é judia, assim como a avó. Mas elas não são religiosas, apenas Lívia é judia ortodoxa. A religião foi uma escolha. O processo de conversão foi dos 18 aos 20 anos quando ela entrou para um projeto para judeus não religiosos. “Não se torna judeu ortodoxo do dia para a noite, as regras são muitas, é uma transformação profunda de vida e de costumes”, diz Lívia.

Ela se vestia como a maioria de nós, agora sempre usa blusa que esconde os cotovelos, a saia fica além dos joelhos, uma meia calça cobre as pernas. A estudante conta que no começo, sua família não aceitou bem as mudanças na vida dela. “Imagine dizer para a sua mãe que você não vai mais comer a comida dela”. Hoje em dia a avó até vai ao mercado e traz as compras para o CRUSP, onde Lívia mora. Faculdade é uma exceção entre os judeus ortodoxos.

Quando passa pelos corredores da Psico, tem que tomar cuidado para não relar em nenhum homem, o judaismo ortodoxo não aceita nenhum contato físico entre mulheres e homens, nem mesmo cumprimentar os colegas de classe, que já se acostumaram e respeitam. Mas ela sabe que isso soa estranho numa sociedade como a brasileira em que são costumes os abraços e beijinhos. Ela também não pode namorar, um dia o rabino vai apresentá-la a outro judeu e eles poderão se encontrar em lugares públicos para conversar sem jamais se tocarem até o casamento.

Lívia é a única ortodoxa que participa dos encontros de judeus na Prainha (ECA). Tudo que ela come é kasher, alimentos preparados conforme os preceitos judaicos. Além de porco, não come peixe sem escama, aves agressivas e não mistura leite e seus derivados com carne. As panelas ela guardo no quarto, pois cada uma é para um tipo de alimento. Ela é a única ortodoxa no apartamento, “Aliás, acho que sou a única judia ortodoxa na USP inteira” – diz ela.

Para Lívia o Shabat é sagrado, começa antes do pôr do sol da sexta-feira e dura até o pôr-do-sol do sábado. São 39 os trabalhos proibidos, não se pode criar nada, usar computador, microondas, TV, elevador, enfim, nenhum tipo de eletrônico. Hoje ela já faz isso sem perceber, mas no começo não foi fácil mudar os hábitos. “É uma vida de restrições, não esperamos que ninguém faça isso também, cada um tem sua função e nós somos escolhidos para viver conforme essas regras”. (C.N.)

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Islã

Alcorão: o livro sagrado do Islã (foto: Carol Nehring)
Alcorão: o livro sagrado do Islã (foto: Carol Nehring)

“Assalamu aa laicom”, assim inicia a fala de Samira – “Que a paz acompanhe você”. Ela aceitou ser entrevistada depois de muita insistência do JC. Samira Orra estuda Letras na USP, faz habilitação em Árabe e é muçulmana. “Eu enfrento os preconceitos todos os dias com tolêrancia e abertura cultural aos outros, o problema não são as pessoas, são os discursos racistas que espalha a mídia do capitalismo financeiro”.

Samira é descendente de imigrantes árabes muçulmanos sunitas do Líbano. Para ela, religião e ciência não estão desvinculadas ”Filosoficamente, no Islã não se pode separar a Razão, a Ciência e a Tecnologia dos valores éticos humanos. O Islã, procura dar sentido à vida, que cada vez vem tornando-se formas vazias de sentido por causa da economia do consumismo”. Ela faz questão de deixar claro que não se pode reduzir a cultura árabe a uma religião, já que existem árabes muçulmanos, cristãos e judeus, entre outras crenças. “Sou muçulmana, mas não militante de movimento político islamista”. O islã, para ela, “É uma procura de fé numa utopia de justiça e de liberdade junto à responsabilidade social e respeito dos outros”.

Ela acha que a mulher deve ser livre para decidir se quer ou não usar o véu, mas prefere se vestir de modo que não seja vulgar. “A questão não é se cobrir ou não, mas o essencial é que não saia como uma mulher oferecida” e ressalta, “No meu caso e ao contrário das crenças comuns, o véu não significa necessariamente uma religiosidade fechada”. Samira sonha em conhecer Meca e Jerusalém. “Quero, como muçulmana, exercer este ato de desapego da minha realidade individual e abrir-me ao mundo para navegar pela terra”.

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Pentecostalismo

Kherolen na Prainha da ECA (foto: Heloisa Brenha)
Kherolen na Prainha da ECA (foto: Heloisa Brenha)

Quando Kherolen Dias soube que havia sido sorteada para cursar o ensino médio na Escola de Aplicação da USP, não teve dúvida que foi por ação de Deus. Por questões financeiras, ela não podia ir a um colégio particular. Mesmo assim, Kherolen não se surpreendeu com o sorteio: “Me disseram na Igreja que Deus ia cuidar de meus estudos”, lembra a estudante de Relações Públicas da ECA.

Conhecida como “teologia da prosperidade”, a convicção de Kherolen, de que Deus sempre atende às necessidades e anseios de seus fiéis, é comum a outros 24 milhões de brasileiros. Kherolen é evangélica, da corrente pentecostal, a religião que mais cresce no país.

O culto ao Espírito

A principal diferença entre os evangélicos pentecostais e os demais protestantes é o culto aos poderes do Espírito Santo. Eles creem que o Espírito Santo continua se manifestando hoje como na passagem bíblica de Pentecostes (a Páscoa judaica), em que ele desceu aos apóstolos e realizou milagres.

As primeiras Igrejas pentecostais do Brasil foram inauguradas nos anos 10 e seus fiéis eram chamados de “crentes” por seguir rígidas normas de conduta, como a recusa ao sexo por prazer e o resguardo. A ideia é que o cristão deve se concentrar em Deus para impedir que o Diabo entre em sua vida.

Mas foi a partir dos anos 50 que a fé pentecostal passou de fato a crescer no país, quando incorporou costumes liberais e trouxe músicas animadas, mídias de massa e mais flexibilidade quanto ao comportamento dos fiéis.

Fervor religioso

Segundo pesquisa da Pew Forum em 2006, 62% dos evangélicos brasileiros foram convertidos, 45% a partir do catolicismo. Kherolen faz parte dessa estatística: se converteu aos 12 anos e hoje, como 86% do evangélicos, vai semanalmente à sua Igreja: “Deus não está só dentro da Igreja, mas o fato de ir ali mostra que você o está buscando, que querer estar com as pessoas que também creem nele”.

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Presbiterianismo

André brinca que é: “protestante, calvinista e neoliberal” (foto: Heloisa Brenha)
André brinca que é: “protestante, calvinista e neoliberal” (foto: Luísa Costa)

Na república de André Eler, ao lado do P1, moram seis universitários do interior, incluindo ele, que veio de Governador Valadares cursar Jornalismo na ECA. Tudo muito comum não fosse a fachada da casa: eles moram na Igreja Presbiteriana do Butantã, onde não têm despesas com aluguel, luz ou água.

André brinca a sério que é “protestante, calvinista e neoliberal”. Mesmo com a fé sendo “um dos pilares da minha vida”, não acha que vive tão diferente dos outros jovens: é mais reservado, “mas nem tanto por minha religião, mais pela forma como meus pais me criaram”, diz.

Correntes de protesto

O lado paterno da família de André era luterano: emigraram da Alemanha no século XIX e, no Brasil, tornaram-se presbiterianos. As correntes protestantes – como o anglicanismo e o presbiterianismo – são quase todas nascidas do confronto entre o teólogo alemão Martinho Lutero e a Igreja Católica, em 1517. Lutero se rebelou contra o que considerava “abusos eclesiásticos”, como os impostos e a venda de indulgências (vagas no Paraíso). O alemão fundou uma nova Igreja, em que a salvação do homem estava só em sua fé e na graça de Deus.

Outros aprofundaram as reformas de Lutero, como o francês João Calvino, que criou o puritanismo, doutrina que unia regras rígidas de conduta à dedicação ao trabalho. De Calvino, surgiu a Igreja Presbiteriana, governada por pastores e leigos, que influenciou muito a formação dos Estados Unidos.

Cristão neoliberal

No livro “A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo”, o sociólogo alemão Max Weber atribui o sucesso do capitalismo em países protestantes ao pensamento calvinista, para o qual o trabalho é uma vocação divina e a acumulação de bens, o lucro e o empréstimo a juros não são pecado. Para André, seja protestante capitalista, seja qualquer outro cristão, não é pecado ser neoliberal, mas “ficar passivo diante das mazelas sociais”.

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Espiritismo

Bruna Buzzo, que aprendeu o espiritismo por sua mãe (foto: Heloisa Brenha)
Bruna Buzzo, que aprendeu o espiritismo por sua mãe (foto: Julia Carvalho)

“Existiria o mundo se fosse uma vez só, a pessoas vem pra cá, passa 60, 70 anos, aí morre e é isso, acabou?”. O mesmo inconformismo no tom de voz da estudante de Jornalismo da ECA Bruna Buzzo deve ter passado pela cabeça muitos curiosos pelo espiritismo. Hoje, o Brasil é o maior país espírita do mundo: são cerca de 5,5 milhões de adeptos da religião que vê a morte apenas como uma etapa da evolução pessoal.

Apesar do pai ateu, Bruna teve uma formação espírita devido à sua mãe, uma ex-católica. Ainda que discorde de algumas crenças do espiritismo, como a da existência de vidas em outros planetas, ela diz que: “Na verdade, eu não renego tudo. Tenho muitas dúvidas, mas acredito que exista um Deus e, se eu assumo que ele existe, acho que as teorias do espiritismo fazem mais sentido do que as católicas”.

Esse “sentido” era essencial para o francês Allan Kardec, que criou o espiritismo no século XIX a partir de doutrinas religiosas, científicas e filosóficas como o Catolicismo primitivo (caridade), o Budismo (reencarnações) e o Darwinismo (evolucionismo). Segundo a fé espírita, todo homem é um médium, um canal de comunicação entre vivos e espíritos. Assim, não existe hierarquia: Cristo seria apenas um espírito mais evoluído. Isso se reflete também na organização dos centros espíritas, onde, segundo Bruna, os “trabalhadores” são fiéis voluntários que fazem palestras e dão “passe”, espécie de tratamento espiritual.

No espiritismo, Bem e Mal dependem do livre-arbítrio de cada um, mas todos responderão por suas escolhas na próxima vida. Bruna, que frequentava palestras sobre temas de cidadania no seu centro, diz que os trabalhadores previnem os fiéis sobre os excessos e suas conseqüências espirituais: “Não há uma proibição, mas um combate aos vícios, como cigarro, álcool”, que poderiam levar a uma reencarnação infeliz. Os espíritas almejam que seu espírito atravesse as encarnações rumo à perfeição, sempre melhores e mais caridosos.

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Ateísmo

“Cara, foi meio do nada”, é o que diz Ricardo Azarite, estudante do 3º ano de Jornalismo, sobre quando e como se tornou ateu. Ricardo nasceu em uma família católica não-praticante, foi batizado e, após a morte de seu avô, quando estava na quarta série, voltou-se para a religião de maneira fervorosa. “Passei dois anos com muito medo e orando sempre”.

Foi então que o contato com um colega cético, na sexta série, mudou sua percepção de mundo. “Foi meio louco. Conversando com ele acabei me descobrindo ateu. Acho que arranjei outras bengalas que não a fé e por isso deixei-a de lado”. Em relação a sua crença e a convivência com os outros, Ricardo diz que não enfrenta grandes problemas. “Não faço do ateísmo uma bandeira. Sou muito contra ser evangelizado, então não ‘evangelizo’ os outros”, diz.

Segundo ele, sua “fé” também não tem grandes reflexos em sua vida universitária. “Algumas pessoas olham torto. Já até ouvi pessoas falando que eu não tinha cara de ateu!”, diz. “Mas, em geral, as pessoas respeitam”. As maiores dificuldades vieram quando começou sua iniciação científica, sobre Comunicação e Religião. “Lá eu convivo com agnóstico, protestante, etc. Às vezes ocorrem atritos e discussões”.

Sobre porque se tornou ateu, Ricardo é sucinto. “Não sinto Deus. Não acho que orar vai melhorar minha vida. Então, não o faço”, conclui.

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Errata
Diferentemente do informado na edição impressa do JC, a cidade de origem do estudante André Eler é Governador Valadares, e não Volta Redonda. A correção já foi feita na edição online.
Parte dos textos apresenta diferenças de edição em relação ao jornal impresso.