Debate: o atual modelo da Fuvest deve sofrer alterações profundas?

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SIM – Exame deveria seguir exemplo da Unicamp – por Daniel Ferreira Gonçalves
NÃO – O problema está no ensino fundamental – por Moyses Szajnbok


Exame deveria seguir exemplo da Unicamp

por Daniel Ferreira Gonçalves

Jornal do Campus: Como você vê o vestibular da Fuvest?
DG: A Fuvest é um vestibular preocupado em selecionar estudantes bem preparados quanto ao conteúdo do ensino médio. É um vestibular excludente, o que é consequência da realidade do ensino superior público.
Apesar disso, iniciativas nos anos anteriores aumentaram a inclusão de classes menos privilegiadas no exame – porém a maioria dos estudantes continua sendo de classes mais ricas, que tiveram acesso a escolas particulares.

JC: E como solucionar esse problema?
DG: A solução está em investir no ensino, para ampliação de vagas nas universidades. Além disso, é preciso dar continuidade a programas como o ProUni. Mas a verdadeira solução é o investimento no ensino básico.

JC: E quanto ao modelo da prova? É o modelo ideal para selecionar o aluno da USP?
DG: O modelo da Fuvest tem acompanhado o Enem nos últimos anos – e isso é um bom sinal. A prova tem abandonado o conteúdo exclusivo e se baseado na capacidade do aluno de fazer relações. Porém, não acredito que ela seja tão bem elaborada quanto a prova da Unicamp.

JC: Por quê?
DG: A prova da Unicamp exige mais raciocínio e é mais sofisticada. Ela foge do conteudismo, pois leva o aluno a desenvolver relações e respostas ligadas ao cotidiano. A Fuvest, apesar das mudanças nos últimos anos, ainda carrega fortes resquícios conservadores.

JC: E o que precisa mudar para que esse conservadorismo desapareça?
DG: Bem, a primeira Fase é um modelo que dificilmente vai mudar por questões financeiras da própria Fuvest. É inviável uma primeira fase dissertativa.
A saída é o que já está sendo feito em parte. A prova deve seguir a linha de aproximação do Enem. Investindo mais em questões de raciocínio lógico e interpretativo. Já a segunda fase deveria trabalhar o exame na linha da Unicamp. O exame deve exigir respostas que precisem de uma relação, respostas mais dinâmicas. Por exemplo, na área de história, que é a minha especialidade, perguntas como “o que é a França Antártica” poderiam ser trocadas por “Analise o processo que levou os franceses ao Brasil num contexto tal…”. Isso vale para todas as matérias.

JC: E quanto à quantidade de conteúdo cobrada?
DG: Eu acho que é cobrado um conteúdo excessivo. Em termos oficiais, o que está escrito no programa, é muita coisa.
O candidato de Humanas, não importando o curso, economia, antropologia, ciências sociais, não precisa conhecer aspectos mais profundos de física e química. Já na segunda fase, em que as provas têm relação com a carreira escolhida pelo aluno, ter muito conteúdo é natural, afinal, o objetivo é aprofundar naquelas matérias que são supostamente as favoritas do aluno.

JC: Então a primeira fase deve ser mais generalista e a segunda mais específica?
DG: O ideal é uma primeira fase mais básica e uma segunda fase mais sofisticada para sua área. No modelo atual, muitos professores concordam que o conteúdo cobrado é excessivo. E esse excesso é o que torna o vestibular brasileiro esse pesadelo para os estudantes.

JC: Se a primeira fase da Fuvest deveria ser mais básica ela poderia ser substituída pelo Enem?
DG: Se o Enem vai substituir a primeira fase da Fuvest é uma previsão difícil de fazer, mas o modelo do Enem é mais interessante para uma primeira fase. Porém, independente do modelo, todo processo seletivo continuará sendo excludente sem ensino básico de qualidade. A Fuvest é um modelo excludente – todo vestibular é. Isso faz universidades como a USP abrirem vagas para negros, alunos de escola pública ou de renda menor sem que isso mude alguma coisa.

JC: Considerações finais?
DG: Eu só queria deixar claro que tenho opiniões muito diferentes das dos outros coordenadores dos grandes cursinhos. Eles costumam defender o modelo pq é ótimo para o negócio do curso pré-vestibular, ótimo para o businnes, mas péssimo socialmente.

Daniel Ferreira Gonçalves é coordenador do curso pré-vestibular da unidade de Taboão da Serra do Anglo e professor de história.
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O problema está no ensino fundamental

por Moyses Szajnbok

Jornal do Campus: A Fuvest precisa passar por mudanças profundas?
MS: Eu acho que antes dessa pergunta vem uma outra: Precisa haver vestibular? A resposta não é simples. Não se trata de discutir a estrutura da Fuvest. Trata-se de discutir a necessidade, a conveniência da existência de vestibular. E eu digo isso à vontade porque quando a USP criou a Fuvest eu fui convidado para planejar, organizar, implementar e executar o evento que é o vestibular da Fuvest. Então a verdadeira pergunta é se há necessidade, ou não, de vestibulares e a resposta é complicada porque ela extravasa a questão do vestibular em si. Por que se faz vestibular? Qual a justificativa para o vestibular?
O vestibular se justifica com a seguinte visão: imagine um pombal cheio de casinholas e suponha que haja muito mais pombinhas que querem entrar na casinha do pombal. Então de algum jeito vai ter que haver alguma escolha de quem deve ocupar uma posição no pombal e quem não. Por quê?Porque há muito mais interessados do que as vagas disponíveis. E isso é, no fundo, a justificativa desse modelo de vestibular.
Qual é o argumento, a maneira de se resolver isso sem vestibular? Perguntando quem quer fazer curso superior na universidade e ao longo da própria passagem pela escola, fazer uma seleção daqueles que têm maior aptidão, maior vocação, maior interesse em ter uma formação dita de nível superior. O interessante é que isso já existe no mundo, em alguns outros países. Entra quem quer, mas para sair é outro problema. Tem que mostrar um certo nível de eficiência. Existe um terceiro aspecto, que é mais importante na minha visão, é que o problema da educação brasileira não tem nada a ver com educação superior, tem a ver com ensino básico, com a pré-escola. E isso ninguém quer falar.

JC: O que torna a Fuvest uma forma justa de avaliar que pomba entra no pombal?
MS: Quem falou em justiça?O vestibular da Fuvest, quando da minha participação, tentava avaliar não o aluno, mas o seu desempenho em determinadas provas usando um critério para todos os candidatos. Sem preferência, sem identificação dos candidatos, com medidas de proteção para que essa igualdade fosse uma prioridade. Mas existe uma outra questão que precede essa. Como garantir que do ensino superior depende a felicidade do ser humano? Quem disse isso? Como se a vida dependesse de ter curso superior.

JC: O Inclusp é uma forma de tentar resolver, em nível superior, essa deficiência no ensino de base?
MS: Com quase 80 anos de idade, eu descobri que a gente deve tentar resolver os problemas com soluções pela base. Não adianta fazer curativos numa ferida infeccionada. Precisa eliminar a causa da infecção.

JC: Então a ideia é que não adianta mudar a Fuvest sem aperfeiçoar a educação de base?
MS: Eu não disse isso, é uma conclusão sua. O aperfeiçoar é um processo que deve ser contínuo em todas as atividades. O que eu disse foi que esse não é o problema básico. Eu acho que o modelo que implantamos é tão bom que, a não ser pelos avanços tecnológicos, hoje basicamente segue-se a mesma trilha. E eu sou a favor disso. Mas não se pode perder o que é fundamental, e o fundamental é a base. Locais para escolas para crianças, professores bem instruídos, bem pagos, o apoio da própria família para a educação. É um sonho, mas é tão bom sonhar.

JC: Porque o modelo adotado pela Fuvest é bom?
MS: Porque atende o objetivo de selecionar as pessoas. Como o Enem poderia atingir, como a ausência de vestibular poderia atingir. O que não adianta é a gente ter analfabetos funcionais que chegam à universidade. Isso não resolve nada. E eu não falo de inteligência, falo de conhecimento. São coisas completamente diferentes.

JC: Que tipo de aluno o exame pretende selecionar?
MS: A Fuvest sempre buscou determinar quais alunos têm vocação para o ensino superior e já têm um mínimo preparo necessário para isso

JC: Quais foram os critérios adotados para montar as provas?
MS: Criatividade. Não havia modelo.

JC: O novo Enem pode substituir a Fuvest?
MS: É uma coisa possível, mas não é necessário. Repito, o grande problema para o governo federal deve ser o ensino básico, o ensino fundamental, a pré-escola. A gente tem que começar grandes caminhadas a partir dos passos iniciais para chegar ao fim

JC: Os principais críticos da Fuvest acusam o exame de “massacrar” os alunos, submetendo-os à um stress elevado. Qual a sua posição quanto a essas críticas?
MS: Acho isso uma piada e não uma crítica, porque o stress não é causado pela prova. Ele é causado pelo peso que tem o vestibular. Quando eu era coordenador, na criação da Fuvest e nos sete anos subseqüentes, eu perguntava principalmente para as mães que iam me procurar por causa de seus filhos qual era a coisa mais importante para elas e a maioria (quase todas na verdade) dizia esse vestibular da Fuvest. E eu dizia “Nisso nós discordamos. Porque mais importante que esse vestibular é o seu filho. O ser humano é muito mais importante do que o resultado de um conjuntinho qualquer de provas”. Lembro-me de um caso marcante. Uma senhora com seu filho. Ela afirmava que tinha havido um erro baseado numa folha intermediária. Pedi para ver a folha, e tive tanta sorte, ao pegá-la, eu a coloquei contra a luz e percebi que o jovem tinha adulterado a folha para mostrar para seus pais. Isso é um verdadeiro absurdo, levar um garoto a mentir por causa do valor do vestibular. E eu acho que a verdade e a felicidade são valores maiores, assim como seu direito de progredir e ser feliz.

Moyses Szajnbok é professor aposentado da Escola Politécnica. Foi responsável por planejar e implementar o vestibular da Fuvest.
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