Interferência externa agrava crise hondurenha

Professor da USP comenta a situação de Honduras e avalia o papel dos EUA, do Brasil e da Venezuela no impasse

O território de Honduras é quase a metade do estado do Paraná, mas a crise política e diplomática que arrasta o pequeno país da América Central há quase 4 meses  mostra que nas relações internacionais tamanho pode não ser documento. Os interesses de terceiros, principalmente Brasil, Estados Unidos e Venezuela, em exercer sua influência na região amplificam as repercussões de um fato local e isolado. É o que diz o cientista político e professor de Relações Internacionais (RI) da USP, Rafael Duarte Villa.

Villa explica que o Brasil interfere em Honduras para evitar um precedente de retrocesso dos princípios democráticos na América Latina. A postura ambígua dos EUA, que optaram por uma condenação tímida do golpe, é resultado da tensão entre os interesses econômicos norte-americanos na região e a política de não intervenção nos países vizinhos, bandeira do presidente Barack Obama. E a Venezuela procura nas aspirações do presidente deposto, Manuel Zelaya, o respaldo para o programa político do eixo bolivariano, o qual lidera e propaga.

A tentativa de Zelaya de aproximar seu modelo de governo do modelo chavista “assustou as elites políticas, as Forças Armadas e a Igreja em Honduras”, diz Villa. Quando tentou convocar um referendo popular para alterar a Constituição e permitir sua reeleição, “a elite hondurenha se sentiu traída porque a origem de Zelaya é a oligarquia. Assim, ele mediu mal a força política que sustentava suas propostas” e foi retirado do poder pelos militares, com apoio da Suprema Corte e do Congresso Nacional.

A semelhança do golpe de estado executado pelas Forças Armadas com os vários golpes militares que acometeram a América Latina durante o século passado, nos quais presidentes eleitos eram depostos sem nenhuma consideração às regras democráticas, não é mera coincidência. Villa explica que as instituições de muitos países latino-americanos ainda não prezam pelos princípios de legitimidade e pluralismo que norteiam as democracias. Nesse malfadado rol estão inseridos a Venezuela, tanto com a fracassada tentativa de golpe de Chávez contra o então presidente Carlos Andrés Perez em 1992, quanto o golpe contra Chávez em 2002, a Guatemala, que vive ameaça iminente de golpe e Honduras.

Entretanto, dois fatores podem dar à crise hondurenha um desfecho diverso dos golpes do passado. “Antes não existiam instituições supranacionais para mediar e solucionar os conflitos”. Hoje, além da atuação da Organização dos Estados Americanos (OEA) e da ONU, há ainda forte reação da comunidade internacional, principalmente do Brasil. “O país é uma potência regional consolidada. Embora tal status tenha custos, é seu dever zelar pela concepção de ordem vigente”, fala Villa.

Um dos possíveis custos da interferência ativa do Brasil é a crítica de setores da oposição que apontam subordinação do governo brasileiro à Chávez. O venezuelano admitiu ter conhecimento do plano de Zelaya de voltar clandestinamente a Honduras e ficar na Embaixada Brasileira, fato que intensificou o envolvimento do Brasil no episódio. Mas o cientista político discorda: “Essas críticas são decorrentes apenas de debate político interno, nenhuma publicação estrangeira relevante enxerga subordinação a Chávez. O Brasil tem função autônoma no conflito”.

Roberto Micheletti, presidente da Assembléia Nacional, assume como presidente do governo de facto, ou seja, que não tem critérios de legalidade e legitimidade por emergir a partir de um golpe. Contudo, segundo Villa, Micheletti começa a perder adesão das elites ao cometer erros como o fechamento de emissoras e o decreto do estado de sítio. “O governo golpista tentou empurrar a crise até as eleições [marcadas para 29 de novembro], mas o desgaste político tem sido tão grande que as Forças Armadas, empresários e oligarquias pressionam por uma solução rápida”.

Em resposta à pressão interna e externa, representantes de Zelaya e Micheletti começam a se reunir para negociar o fim da crise. Embora tenham avançado em alguns pontos, como a formação de um gabinete para rejeitar a anistia aos envolvidos tanto no golpe quanto na volta de Zelaya a Honduras, Micheletti não aceita a exigência fundamental de Zelaya, sua restituição imediata ao poder. Apesar do imbróglio, “há uma tendência para a solução negociada, que provavelmente significaria o retorno de Zelaya sob certas condições, mediada por representantes de comunidades internacionais”, conclui Villa.

Cronologia da crise – Honduras