Denúncia polemiza produção acadêmica

Acusação de plágio feita contra o grupo de pesquisa da reitora Vilela levanta críticas à produção de trabalhos acadêmicos

Em meio ao processo de escolha do próximo reitor da USP, em que debates sobre carreira docente, financiamento e extensão têm presença garantida, a recente denúncia de plágio contra o grupo de pesquisa da reitora Suely Vilela renova a discussão sobre a produção de conhecimento na universidade.

No caso, a professora Angela Hampshire Lopes, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, acusa Carolina Sant’Ana, pesquisadora do grupo, de ter usado, em 2008, trechos de um trabalho seu de 2003 sem fazer referência bibliográfica. A denúncia será apurada pela Pró-Reitoria de Pesquisa.

O professor João Zanetic, presidente da Associação dos Docentes da USP, defende que os recentes casos de plágio são resultado da “medição quantitativa da avaliação acadêmica”. Assim, na pressa de se publicar, acaba-se tomando menos cuidado, por exemplo, com as citações, como no episódio envolvendo o grupo ligado à reitora.

“A publicação é importante, porque o saber é divulgado, atendendo a finalidade maior da universidade que é promover pesquisa, praticar o ensino e fazer a extensão desse conhecimento para a sociedade que a financia. Mas não se pode exacerbar isso. Se for dito que o ideal para o docente é publicar uma dúzia de trabalhos por ano, ele vai colocar o nome dele em artigos em que sequer participou de fato, além de diminuir o cuidado com as citações”, diz Zanetic.

Em relação a isso, Ruy Braga Neto, da FFLCH, defende que existe um aumento da pressão sobre a USP para que se produza mais. “Há a pressão que vem de fora, mas também a advinda de setores internos mais engajados nesse processo de fazer com que a universidade se torne uma fonte de solução de problemas das empresas. Os plágios muitas vezes decorrem dessa exigência pela multiplicação dos artigos, pelos resultados imediatos, pela formação de amplas equipes. Nesse modelo, os métodos que garantem a qualidade, a paciência e a precaução de se lançar idéias novas são atropelados”. Ele salientou ainda que as políticas das agências de financiamento participam desse processo de pressão.

Aziz Ab’Saber, professor aposentado da FFLCH, também criticou “órgãos como a CNPq” por “forçarem os pesquisadores mais jovens a publicar em revistas estrangeiras”. Além disso, lamentou “a exigência de que as publicações sejam feitas em inglês” e diz sofrer muitos plágios de estrangeiros.

O presidente da comissão de pesquisa da Faculdade de Medicina, Paulo Saldiva, concorda que há produtivismo na universidade. “A ciência tornou-se mais competitiva. E há pessoas que, devido a essa competição, acabam cedendo (levando ao plágio)”. O professor salienta, no entanto, que essa competitividade vem também da vaidade, do desejo do pesquisador de provar ter qualidade.

Já  Walter Colli, do Instituto de Química, disse não sentir pressão por maior produtividade e discorda do termo “produtivismo”, defendendo que a produção faz parte da universidade “É isso que a universidade tem de fazer mesmo. Se a produtividade científica está sendo chamada de produtivismo, é pichação política, pois ela deve haver sim”. Ele ressalta, no entanto, que se deve respeitar o tempo que cada pesquisador leva para concluir o seu trabalho. “Uns são mais rápidos e outros menos. O que não deve ser respeitado é aquele que ganha e não trabalha, não dá aula nem faz pesquisa”.

Carreira Docente

Quanto à recente tentativa de reforma da carreira docente, em março deste ano, congelada por mandado de segurança ganho na justiça pela Adusp, Zanetic argumenta que a introdução de novos níveis horizontais (doutor 1 e 2 e associado 1,2 e 3) levam a maior pressão por produção.

“Hoje se passa de professor assistente para doutor por meio do doutorado. A reforma previa doutor 1 e 2, sendo que para se passar para doutor 2 haveria um prazo de 3 ou cinco anos.  Após esse período, ele teria de apresentar o que produziu, muitas vezes baseado pelo paradigma dominante da quantidade, e não qualidade. A quantidade acaba contando mais do que a busca que ele teve, em que leu e pesquisou muito. Assim, até a escolha do tema da pesquisa vai estar ligada a quão rápido se conseguirá publicar, concluir mestrado, doutorado. Não cumpre necessariamente a missão da universidade, seja do ponto de vista epistemológico (aumentar o conhecimento), seja do ponto de vista sociológico (como resposta a questões sociais)”, diz o presidente da Adusp.

Ruy Braga amplia o ataque à reforma. “Ela submete a progressão ao arbítrio de uma comissão que será formada pela Reitoria. Tendo em vista as últimas políticas aplicadas, o produtivismo deverá ser privilegiado”. No entanto, ele defendeu a urgência de mudanças, pois a USP “não tem uma carreira que dê conta da complexidade da vida docente”.

Já  o professor Paulo Saldiva discorda que a reforma pudesse aumentar a pressão sobre os pesquisadores. “A pressão já existe antes. A pessoa se põe essa exigência por uma questão de vaidade, de querer provar competência”. Ele, no entanto, disse não ter certeza se o jovem pesquisador, com a nova carreira, se sentiria mais pressionado. “Não dá para saber antes de se implementar o novo sistema”.

O químico Walter Colli se diz a favor da introdução de níveis horizontais na carreira docente. “Isso foi feito para melhorar o salário das pessoas, que podem subir de nível enquanto não há vagas mais acima (para o cargo de titular)”. Ele defendeu a comissão a ser criada na reitoria para a avaliação dos docentes, pois acabaria com os concursos. “Mandaria-se o currículo e se definiria, como uma promoção, através da consulta dos maiores especialistas na área do candidato, se o docente poderia ou não mudar de nível, passando por trás desse ‘jurisdicismo nacional’, tudo tem que ter regra e lei. Isso pode ser julgado por uma comissão central, independente das ‘patotas’ das unidades.

Internacionalização

Quanto ao cumprimento da extensão universitária, João Zanetic argumenta que, em alguns casos, como um trabalho de direito inserido em contexto de jurisprudência nacional, é melhor se publicar dentro do país do que fora. “Há pressa na internacionalização. Prefiro a nacionalização que possa alcançar repercussão lá fora”.

O médico Paulo Saldiva discorda, pois, diz ele, “a internacionalização é um fenômeno mundial”. Ele enfatiza o fato de a USP estar entre as 30 primeiras universidades do mundo em termos de quantidade de produção, mas diz que isso não basta. “Devemos aumentar a profundidade dos trabalhos. A qualidade da produção se mede pelo impacto que as pesquisas produzem na comunidade científica, quantas pessoas leram e citaram”.

Em relação aos “rankings” – nos quais a USP tem ganhado destaque –, Ruy Braga argumenta não significam qualidade na pesquisa. “Eles não medem propriamente a vitalidade, a criatividade e a importância do conhecimento. São elaborados em termos quantitativos. Mas são importantes para a locação de recursos e distribuição de prestígio. É uma forma de se controlar a distribuição de recursos”.

No que toca a publicação, Colli defende que se um trabalho aparece em revista de circulação internacional, ele necessariamente tem qualidade e deve ser divulgado. “É uma forma de falar ao mundo o que ele fez, para que o outro pesquisador possa ler a sua descoberta e encontrar algo a mais depois, ou até mesmo criticar”.

Avaliação

A atual forma de avaliação da pesquisa na USP é alvo de críticas do sociólogo Ruy Braga. “Nós somos mal avaliados, com critérios muito estreitos. Quando as pessoas criticam o produtivismo, se imagina que elas são a favor de que não haja controle e avaliação. Não é verdade, eu acho que deve haver mais. Mas a avaliação não deve ser feita exclusivamente sobre a produção científica indexada por intermédio de artigos. Não se pode pensar apenas em quantos artigos ele publicou e quantas patentes registrou. Devo ser cobrado pela quantidade e qualidade das aulas que eu dou, das orientações que faço, do conhecimento que produzo e pela especificidade da minha área. No meu caso, valoriza-se muito mais livros do que artigos indexados em veículos internacionais”.

O geógrafo Aziz Ab’Saber enfatizou ainda que muitas vezes ocorre de pessoas não muito bem versadas em determinadas áreas e não muito dispostas ao aprofundamento se entregarem a temas que entram na moda, “para se projetar, como a sustentabilidade”. Ele ressaltou também a urgência de maior contato entre os docentes da USP, para complementar os trabalhos, inclusive com críticas.

Já  Walter Colli defendeu o sistema, alegando que a forma de avaliação é satisfatória, mas “as pessoas podem não ser”. No entanto, ele salientou que ela pode ser simplificada, como ocorre nos Estados Unidos, onde, por exemplo, a decisão sobre se um professor pode se tornar titular ou não vem a partir do apontamento de especialistas de todo o país, através de cartas.

Este texto apresenta diferenças de edição em relação ao publicado no jornal impresso.