Entrevista com João Grandino Rodas: Polícia Militar no campus

JC: Quais as principais causas de tensões na sua opinião?
Rodas: Temos muitas causas de tensão como a falta de transparência, as caixas-pretas, falta receptividade de ouvir o outro falar e outras questões como posições distintas, às vezes até ideológicas.

E o diálogo será amplo e responsável. Como fazer isso? Todos procuraremos juntos.

JC: O senhor hoje chamaria novamente a polícia militar como fez na Faculdade de Direito em 2007 ou como a ex-reitora em 2009?
Rodas: Quanto à ocupação da Faculdade de Direito e da Reitoria: não estou me justificando, mas fazendo colocações. Na FD, o que houve na época, foi uma entrada de pessoas chamadas por muitos de representantes sociais como os Sem-Teto, Sem-Terra, etc, que entraram na faculdade para fazer uma palestra e depois fizeram a ocupação. Isso foi filmado e há provas práticas. Por exemplo, várias classes foram acorrentadas com professores e alunos lá dentro por 1h, 1h30. Então fica um pouco difícil dizer que a ocupação foi pacifica. Por outro lado, tínhamos 24 crianças, lideres e mais de 50 colchões. Então a ideia de que seria uma ocupação por 24 horas fica um tanto difícil de se entender, face ao que vimos e à tradição desses movimentos ditos sociais. Não estou contestando, mas eram movimentos estranhos à universidade que entraram lá e de uma forma não pacífica fecharam a Faculdade. Em nenhum momento alunos ou funcionários reivindicaram a participação.

O presidente do [Centro Acadêmico] XI de Agosto inclusive na época me disse que nem os estudantes nem os funcionários estavam envolvidos na ocupação. Perguntei então o que ele estava fazendo lá e ele disse que foi negociar em nome deles. É importante lembrar que não havia segmentos da universidade lá. E a tradição diz que, por muito importantes que sejam essas organizações e válidas suas reivindicações, seus métodos não são dos mais pacíficos.

Sobre a tomada da Reitoria, de 2007, alunos ficaram quanto tempo quiseram e saíram no fim de junho. Isso acontece na FD em meados de agosto.

Na primeira tomada eu e outros professores tentamos negociar com os alunos, fizemos grandes debates. Geralmente tínhamos 5 professores e 20, 25 alunos. As conversas eram até frutíferas, mas falo em haver dialogo responsável pois chegávamos a conclusões, mas os alunos não fechavam decisões porque precisavam submetê-las às suas assembleias. No dia seguinte, aquelas 25 pessoas não eram as mesmas. Quando muito vinham 2 antigos e 23 novos e resolviam discutir outro assunto. Discutíamos novamente e no dia seguinte vinham outras pessoas, diziam que não tinham resolvido nada na assembleia e queriam discutir sobre outro assunto novamente. Isso não é um debate responsável e no fundo é mais um exercício de manutenção de aparências de discussão.

Essa foi a minha participação no momento. No final, não sei se a reitora negociou ou não, a aparência é que chegando ao final do exercício escolar as coisas se esvaíram, eles saíram de lá e ponto final.

Agora, temos a discussão de uma resolução de que dizem que eu fiz e levei ao CO, que daria o poder à reitora de chamar a polícia militar. Vou explicar como foi: a reitora, durante os quatro anos, apoiou-se nos diretores e a posteriori. Depois da coisa feita, os diretores acorriam para dar a base. Imagino que isso tenha acontecido porque a base que levou a reitora à reitoria não durou depois que chegou lá. No final, a reitora ficou sozinha e não manteve a base que a levou. Assim, ela teve que se apoiar em alguma coisa. Ela buscou apoio nos diretores que nomeou em maioria. A resolução do CO, convocado durante a tomada para dar apoio político à reitora, portanto, foi um apoio político feito por todos, unânime, não uma decisão que juridicamente dá poderes à reitora ou a outro reitor a posteriori. A CLR, órgão de assessoria do Conselho, do qual fui participe, apenas redigiu a vontade dos cento e tantos no CO Ainda, o valor do documento é político e de apoio episódico que vale naquele momento. Não significa que o CO deu poder à reitora para fazer aquilo, pois o poder das autoridades está no Direito Administrativo, não ali. E mesmo que mudássemos completamente o Regimento da USP… tanto ele quando os documentos, regimentos, estatutos, não contrariam o Direito Administrativo.

Mas eu entendo, acho que há coisas simbólicas importantes. Alguns acham que a resolução como simbologia é importante. Mas não vejo mal nenhum em revogar aquilo, mas entendo como técnico do assunto que isso não é necessário. Mas se dá conforto, pode-se revogá-lo imediatamente.

JC: E a polícia militar, se movimentos externos continuarem unidos aos internos da USP, seria novamente chamada?
Rodas: Primeiro, lembro que na FD foram só movimentos externos. Segundo, a universidade não é uma ilha. De certa forma, é algo que vai continuar acontecendo. Nem é possível dizer que isso não deve acontecer. Mas o que não é aceitável é uma instrumentalização de grupos externos que quer algo que um dos segmentos não queira.

Agora, que não é bom que a polícia entre, é verdade. Eu que fui juiz, sei que o Judiciário existe para que não se precise usar a força. Então, os grupos, nos últimos 20 anos, utilizam-se de piquetes, tomadas, impedimentos do direito de ir e vir, e se dizemos para eles que eles o fazem, eles reconhecem que é violência. Mas eles se explicam: eu faço isso porque é meu único meio para me expressar e mudar as coisas. Eles usam a violência e explicam o por quê. E os dirigentes da universidade, também acabam usando a força.

A reitora usou e eu usei, mas explicamos isso de maneiras distintas. Mas desconsiderando explicações, podemos dizer que é um circulo vicioso que precisa ser mudado. Não será rápido, mas precisa começar.

E como isso pode ser mudado? Temos a saída do Direito Interno. Se alguém impede o exercício do ir e vir, se pede uma ordem judicial, tem que se sair por bem ou por mal.

Precisamos de outra saída, oriunda do Direito Internacional. Em vez de o Estado administrador impor uma resolução legal – e que não é boa que se use na Universidade, que não é um lugar de embate de pessoas, mas de ideias – e usar a força, ele vai discutir tudo em pé de igualdade. Por isso a abertura é importante, mas com um pressuposto para a negociação e a solução de controvérsias: a renúncia à violência. Como no caso do Peru e do Equador, se faz um armistício e a negociação. Mas com prazo, pois não se discutirá por 30 anos.

Por isso, faremos reuniões tópicas para discutir assuntos como vestibular, inclusão, a questão das fundações, da parceria público-privada e a questão do poder/eleições na USP. Mas isso não é uma tarefa minha nem pura e simplesmente dos pró-reitores, diretores e CO, é uma tarefa de todos. E não penso que colocando isso está tudo resolvido, mas precisamos encaminhar.