Sem diálogo, continua ocupação em São Carlos

Moradores só negociam com volta da sua participação no processo seletivo do alojamento; administração exige desocupação

Representantes discentes de graduação e pós-graduação dizem que reunião que aprovou parecer foi conturbada (foto: Mariana Midori)
Representantes discentes de graduação e pós-graduação dizem que reunião que aprovou parecer foi conturbada (foto: Mariana Midori)

A Coordenadoria do Campus de São Carlos (CCSC) permanece ocupada desde o dia 24 de maio por moradores do alojamento estudantil, que reivindicam a volta da paridade no processo seletivo para vagas e auxílio-moradia. A CCSC condiciona o diálogo à saída dos moradores, que se recusam a abrir mão do que consideram seu “único meio de pressão”.

Depois de 42 anos, a coordenadoria será única responsável pela escolha de moradores. O novo processo foi boicotado pelos alunos. Após duas aberturas de inscrição, o número de pleiteantes não atingiu o total de vagas disponíveis: foram 146 inscritos para 192 vagas do alojamento, na primeira lista, e 147 na seguinte. Já a inscrição oficial para auxílio-moradia superou o total de 65 bolsas oferecidas.

Uma lista produzida paralelamente pelos estudantes teve número superior de inscritos e o processo foi concluído dentro do prazo, com 192 aprovados e 109 na lista de espera para vaga na residência estudantil. A CCSC se recusa a legitimar a lista e estuda a possibilidade de abrir as inscrições pela última vez. Porém, segundo a assistente social Rosângela Proença, o órgão estuda realizar uma reunião com ocupantes para eventuais alterações no processo seletivo.

Questões legais

Após um ano de discussão, moradores e a então Prefeitura do Campus definiram o regimento de 2006, que mantinha uma comissão de admissão formada por alunos e professores e formalizava a supervisão do processo pela assistente social (veja quadro). Em fevereiro deste ano, o Conselho Gestor do Campus decidiu invalidar o processo vigente, seguindo parecer da Consultoria Jurídica (CJ), que aponta ilegalidades na seleção.

Segundo o parecer, o processo é ilegal por três razões: os alunos, como beneficiários, não podem participar; a assistente social é a única pessoa habilitada para fazer entrevistas e acessar documentos sigilosos dos pleiteantes; o destino dos recursos da universidade tem que ser decidido por funcionários, que são imputáveis. “Os alunos não podem ser punidos se cometem erros, se gastam o dinheiro indevidamente, por exemplo”, afirma José Alberto Cuminato, presidente do Conselho Gestor.

Advogados contratados pelos alunos formularam um parecer que rebate as argumentações. Segundo o documento, o processo é democrático e deve incluir os estudantes. Além disso, não há lei que restrinja o processo seletivo à assistente social.

Segundo os ocupantes, não há nenhuma novidade no parecer apresentado pela CJ e a mudança não se justifica, pois o processo sempre foi aprovado pelos estudantes. “É uma questão política, não legalista”, disse Paulo Tauyr, representante discente da Pós-Graduação.

Eles apontam o coordenador Dagoberto Mori como algoz da autogestão, já que a grande discussão de revisão do processo seletivo aconteceu em 2005, durante seu mandato de oito anos como prefeito do Campus, e volta à pauta este ano, após sua posse como coordenador. Segundo Dagoberto, os fatos não passam de “coincidência”. Ele afirma que já enviou o parecer dos alunos para a apreciação da CJ, e prevê uma resposta até esta semana.

Mudanças e críticas

O novo processo da CCSC, apesar de seguir o modelo da Coseas (Coordenadoria de Assistência Social), ainda não foi completamente implementado em São Carlos. Apesar de o Conselho ter invalidado o regimento de 2006, ainda não aprovou um substituto. “Não está definido quase nada”, admite a assistente social responsável pelo processo, que acrescenta que não há previsão para a criação do regimento.

O modelo da Coseas é o mesmo adotado em todos os campi da USP e alvo de críticas de estudantes. Os moradores apontam a falta de transparência na divulgação dos critérios de seleção e dos nomes de aprovados. “Só após do processo feito, foram divulgados os critérios, o que não é ético. A lista com nomes dos aprovados só foi liberada no dia em que a gente ocupou”, diz Camila Cintra, moradora do alojamento. “Em contrapartida, o nosso processo é transparente, todos sabem os critérios e as listas são divulgadas.”

O presidente do Conselho Gestor ressalta: “o sistema da Coseas é inteligente. Você coloca dados e ele atribui os pontos, portanto não tem interferência subjetiva. O aluno completa os dados por conta própria, e, na entrevista, a assistente social confere se ele consegue comprovar as alegações por documentos”.

Outra crítica dos ocupantes é a exigência de aprovação em 80% dos créditos para o aluno que deseja manter sua bolsa, o que definem como “injustiça” e “pressão sobre estudantes que já passam por dificuldades”.

Agressão

Apesar de os manifestantes estarem instalados nos corredores e não impedirem a entrada de funcionários, a coordenadoria declara que a ocupação é agressiva. Na primeira noite, foram cortadas a água e a luz do prédio ocupado. “Nós tentamos fazer com que eles desocupassem. Depois, nós vimos que não adiantava mesmo e não cortamos mais”, admite Dagoberto.
Processo seletivo de autogestão (infográfico: Carol Rodrigues)