Biblioteca das obras raras, das obras atrasadas

Envolvendo várias construtoras, um projeto sofisticado e espaço para milhares de títulos, Biblioteca Brasiliana está fora do prazo
Burocracia dificulta a finalização do prédio da Biblioteca Brasiliana (foto: Alexandre Dall'Ara)
Burocracia dificulta a finalização do prédio da Biblioteca Brasiliana (foto: Alexandre Dall'Ara)

Por mais de 80 anos, José Ephim Mindlin, um dos maiores bibliófilos brasileiros, conseguiu reunir quase 40.000 mil volumes em seu acervo pessoal. Em 2006, José Mindlin, sua esposa Guita e seus filhos decidiram doar parte desse acervo para a Universidade de São Paulo (USP). A Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin possui cerca de 17.000 títulos com obras relacionadas à cultura brasileira. Para abrigar tamanho patrimônio, em janeiro de 2007, o prédio da Biblioteca Brasiliana começou a ser construído na cidade universitária no Butantã.

Para Pedro Puntoni, coordenador-geral da Biblioteca Brasiliana, Dr. José (como se refere a José Mindlin) não queria que o acervo ficasse perdido em um prédio qualquer da USP, “A doação foi condicionada à construção de um novo edifício, tecnicamente adequado para receber e proteger a coleção” declara Pedro, já que o acervo inclui livros raros, dentre eles a primeira edição de “O Guarani”, de José de Alencar. O projeto prevê, por exemplo, uma cobertura de vidro que fornecerá luz natural ao prédio sem que o sol atinja diretamente ao acervo, contando com a proteção de um forro metálico. Além dos livros doados por Mindlin, o edifício abrigará também o acervo do Instituto de Estudos Brasileiros, criado pelo historiador Sérgio Buarque de Holanda.

Burocracia

Apesar da importância do projeto, a burocracia na universidade dificulta a finalização do prédio. A construção da Biblioteca é feita por etapas e financiada pela Coordenadoria do Espaço Físico (Coesf) e pela Fundação da Universidade de São Paulo (FUSP), que também gerencia a obra. Cada etapa exige uma nova licitação para a contratação de empresas responsáveis por etapas da obra. Segundo Milton Zeni, engenheiro residente da obra da Biblioteca Brasiliana, essa mudança de empresas pode gerar uma descontinuidade. Nesse caso, Antonio Carlos Orsi da Coesf, explica que a última empresa contratada pela Coordenadoria, a Scopus Construtora & Incorporada Ltda. não pôde fazer algumas instalações internas, pois etapas anteriores de empresas contratadas pela FUSP não foram concluídas. Sendo assim, foram necessárias alterações no planejamento inicial atrasando a etapa, o contrato de um ano da Scopus começou em dezembro de 2008 e teve que ser expandido até maio de 2010. O valor da fase não concluída foi suprimido, e a Coesf realizará uma nova licitação.

Quando uma nova licitação é feita, as empresas que se interessarem pela obra, devem se provar capacitadas para o empreendimento e comprar o edital por um preço irrisório, como determina a lei. O edital contém as informações necessárias para a confecção da proposta. Ganha a empresa com o menor orçamento. As novas licitações só são feitas quando a verba está disponível. Zeni afirma que uma obra não é feita com tempo, é feita com recurso. Marco Antonio de Lima Amistondo, diretor da divisão de fiscalização da Coordenadoria do Espaço Físico da USP (Coesf), afirma que não há atraso na liberação de verba por parte da Coesf, já que o recurso disponível é requisito básico para a nova licitação.

Marco Antonio explica que há uma liberação gradual da verba a partir de uma fiscalização mensal das obras na USP. Segundo documentos da Coesf apresentados ao Jornal do Campus, a cada mês é repassada uma porcentagem da verba correspondente à porcentagem do item pronto. Por exemplo, no mês de abril de 2009, 6,46% da concretagem total do novo bloco do Conjunto Residencial da USP (Crusp), foi concluído, portanto, apenas essa porcentagem da verba total destinada a esse item foi repassada. No caso, de uma verba total de R$ 2.135.446,74 (exclusiva para concreto), apenas R$ 137.949,86 foram repassados naquele mês de abril.

Mapeamento desatualizado de redes de fibra óptica gerou imprevistos (foto: Paulo Eduardo Palmério)
Mapeamento desatualizado de redes de fibra óptica gerou imprevistos (foto: Paulo Eduardo Palmério)

Mudanças no projeto

Além de problemas burocráticos, condições físicas, estruturais e até climáticas não planejadas atrapalham ainda mais o andamento das obras. Na construção da Biblioteca, Milton Zeni disse que uma grande formação rochosa não mapeada na sondagem feita no terreno atrasou o processo de terraplanagem.  Segundo ele, todas as etapas anteriores (por volta de sete) atrasaram por algum aspecto físico. No caso da construção do novo bloco do Crusp, Marco Antonio conta do desvio de cabos de fibra óptica, não mapeados no cadastro das estruturas da cidade universitária, alterando os planejamentos iniciais da obra. Ele declara que grande parte desses imprevistos ocorrem porque o cadastro da USP, como mapeamento das redes de esgoto, é muito antigo e está desatualizado.

Independentemente do motivo do atraso, a demora para a construção de uma obra impacta toda comunidade uspiana. Segundo o site da Coordenadoria de Assistência Social da USP, há 1144 vagas para moradores no Crusp. Com o novo bloco, haverá 204 novos apartamentos, que serão diferentes dos apartamentos dos outros blocos. Haverá cozinhas dentro dos apartamentos, ao invés de uma cozinha coletiva por andar. Em cada andar há seis apartamentos. Deles, quatro terão seis quartos, uma cozinha e dois banheiros. Os outros dois terão cinco quartos, uma cozinha e dois banheiros com dimensões adaptadas para deficientes. Além disso, o sistema de aquecimento dos chuveiros será feito com captação da energia solar. A Coesf prevê a conclusão deste novo bloco até o fim deste ano de 2010.

Sérgio Assumpção, diretor da Coesf, afirma que investimentos totais em infra-estrutura “são historicamente da ordem de 0,8% do orçamento da USP”. Investimentos em manutenção e reformas de melhoria vêm aumentando pela própria necessidade dessas obras. Segundo Sérgio, esse tipo de reforma ocupa hoje um percentual do orçamento igual ou superior ao de obras de expansão.

Mapa: USP em obras